quarta-feira, 11 de junho de 2025

Um réu no palanque - Bernardo Mello Franco

O Globo

Capitão fez discurso de candidato e sugeriu que golpe fracassou porque "não tinha clima"

Sem esperanças de escapar da condenação pela trama golpista, Jair Bolsonaro tentou usar o banco dos réus como palanque. Convocado a se defender no Supremo, o capitão engrenou um discurso de candidato. Exaltou o próprio governo, criticou o sucessor e se apresentou como opção para 2026.

O interrogatório começou em clima de horário eleitoral. Bolsonaro disse ter montado um ministério “excepcional”, afirmou que levou água ao Nordeste, citou o asfaltamento de uma estrada no Paraná. Num lapso de sinceridade, admitiu que sua ascensão foi uma trapaça da História: “Nem eu esperava ser eleito presidente, tendo em vista quem eu era”.

Alexandre de Moraes optou por não interromper o monólogo. À vontade, o capitão divulgou sua agenda de viagens e brincou que escalaria o ministro como vice em sua chapa imaginária — ele finge não se lembrar, mas está inelegível até 2030.

O falatório acrescentou pouco ao que Bolsonaro costuma dizer em lives e entrevistas. Questionado sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República, ele insistiu na ladainha de que nunca saiu das “quatro linhas” da Constituição e tentou reduzir seus ataques ao voto eletrônico a meros arroubos de retórica. Chegou a pedir desculpas por insinuar que ministros do TSE teriam recebido propina para prejudicá-lo.

A investigação mostrou que nada disso foi casual. Os ataques fizeram parte de uma campanha para desacreditar a Justiça Eleitoral e radicalizar ainda mais sua base de extrema direita. O objetivo era garantir apoio a uma virada de mesa em caso de derrota nas urnas.

Bolsonaro negou ter tramado uma ruptura institucional, mas admitiu que convocou comandantes militares para discutir “possibilidades” de contestar o resultado da eleição. Em seguida, sugeriu que um golpe seria inviável por razões alheias à sua vontade. “Não tinha clima, não tinha oportunidade e não tinha uma base minimamente sólida para fazer qualquer coisa”, afirmou.

Acostumado a jogar aliados ao mar, o ex-presidente chamou de “malucos” os seguidores que acreditaram em suas mentiras e pediram AI-5 e “intervenção militar” para mantê-lo no poder sem votos. Ele ainda tentou se descolar dos bolsonaristas que foram em cana pelos atos golpistas do 8 de Janeiro. “Não teve estímulo da minha parte a fazer nada de errado”, desconversou.

 

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