O Globo
Interrogatórios confirmam delação e provas
obtidas pela PF e réus não refutam acusação de que tramaram golpe em várias
ocasiões
Nada nos dois dias de interrogatório dos
primeiros réus da ação penal instaurada para julgar se houve tentativa de golpe
de Estado no Brasil por parte de Jair Bolsonaro e seus ministros mudou o
veredito que parece inescapável: a condenação dos oito integrantes daquilo que
o Ministério Público Federal considera o núcleo crucial da trama.
A naturalidade com que, um a um, os réus confirmavam as provas reunidas pela Polícia Federal e as revelações do delator Mauro Cid pode facilitar em muito o trabalho dos ministros da Primeira Turma — e talvez ajude a explicar o aspecto mais surpreendente da jornada, o bom humor a toda prova do relator Alexandre de Moraes, um dos principais alvos daqueles que conspiraram contra a democracia investidos de seus cargos e mandatos.
Não houve nenhuma estratégia coordenada das
defesas, o que também salta aos olhos quando se pensa em casos recentes que
reuniam vários núcleos e réus com pesadas credenciais na política ou no
empresariado, como mensalão e Lava-Jato.
Os advogados pareciam resignados diante da
inevitabilidade do destino de seus clientes, e seus desempenhos oscilaram entre
o burocrático, o histriônico ou o jogo visivelmente não combinado nem com seus
representados, caso da dupla general Paulo Sérgio Nogueira e Andrew Farias, que
lavaram roupa suja na Corte.
Nem mesmo a artilharia que se esperava na
direção de Cid — e que o próprio ex-ajudante de ordens de Bolsonaro parecia
esperar, dado o nervosismo que demonstrou no começo de seu depoimento —
aconteceu. Embora ele tenha hesitado em várias ocasiões carregar na
assertividade para comprometer principalmente Bolsonaro, mas também outros
militares com quem divide o banco dos réus, esse flanco claro não foi explorado
pelos experientes advogados, que evitaram confrontá-lo de maneira mais
incisiva.
Para isso, foi fundamental a maneira como
Moraes conduziu os interrogatórios. Ao esgotar, já na largada, os
questionamentos quanto às mudanças de versão e às acusações, das quais depois
recuou, de que fechou a delação sob coação, o ministro tirou a principal arma
das mãos das defesas.
Nem a presença de Luiz Fux, que desde a fase
da aceitação da denúncia tem procurado se colocar como uma espécie de
“consciência crítica” da Turma, um sutil contraponto a Moraes, acabou se
configurando em alento para os réus. Fux inquiriu Cid, mas foi quase um ouvinte
nos demais depoimentos, exceção feita ao almirante Almir Garnier. Nada em sua
participação nesta fase o aproximou da figura de um “revisor informal” a que
ele parecia almejar. Não houve nada próximo dos embates entre Joaquim Barbosa e
Ricardo Lewandowski no julgamento do mensalão em 2012.
Diante desse quadro em que o delator não é
questionado, as provas são admitidas pelos réus e circunstâncias gravíssimas,
como uma reunião ministerial filmada, com “nomes nas plaquinhas”, como
salientou o próprio Bolsonaro, são confirmadas por sete integrantes dos
primeiros escalões de um governo, não há espaço para vislumbrar absolvição.
O tom entre a vitimização e a forçada
camaradagem com que Bolsonaro se postou diante de Moraes também deverá
dificultar que, em caso de condenação, o ex-presidente conclame sua base cada
vez mais dispersa a sair às ruas em sua defesa.
Aliás, a insistência de Bolsonaro em apelar
para aspectos midiáticos — como a infantil contrariedade por não poder exibir
um vídeo ou o orgulho de ter arrecadado mais numa campanha por Pix que
programas como “Criança esperança”— é uma demonstração para lá de eloquente de
que o capitão sabe o destino mais provável para si e entende que não poderá ser
dono da chave do cercadinho da direita por tempo indeterminado.
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