quarta-feira, 11 de junho de 2025

Condenação à vista - Vera Magalhães

O Globo

Interrogatórios confirmam delação e provas obtidas pela PF e réus não refutam acusação de que tramaram golpe em várias ocasiões

Nada nos dois dias de interrogatório dos primeiros réus da ação penal instaurada para julgar se houve tentativa de golpe de Estado no Brasil por parte de Jair Bolsonaro e seus ministros mudou o veredito que parece inescapável: a condenação dos oito integrantes daquilo que o Ministério Público Federal considera o núcleo crucial da trama.

A naturalidade com que, um a um, os réus confirmavam as provas reunidas pela Polícia Federal e as revelações do delator Mauro Cid pode facilitar em muito o trabalho dos ministros da Primeira Turma — e talvez ajude a explicar o aspecto mais surpreendente da jornada, o bom humor a toda prova do relator Alexandre de Moraes, um dos principais alvos daqueles que conspiraram contra a democracia investidos de seus cargos e mandatos.

Não houve nenhuma estratégia coordenada das defesas, o que também salta aos olhos quando se pensa em casos recentes que reuniam vários núcleos e réus com pesadas credenciais na política ou no empresariado, como mensalão e Lava-Jato.

Os advogados pareciam resignados diante da inevitabilidade do destino de seus clientes, e seus desempenhos oscilaram entre o burocrático, o histriônico ou o jogo visivelmente não combinado nem com seus representados, caso da dupla general Paulo Sérgio Nogueira e Andrew Farias, que lavaram roupa suja na Corte.

Nem mesmo a artilharia que se esperava na direção de Cid — e que o próprio ex-ajudante de ordens de Bolsonaro parecia esperar, dado o nervosismo que demonstrou no começo de seu depoimento — aconteceu. Embora ele tenha hesitado em várias ocasiões carregar na assertividade para comprometer principalmente Bolsonaro, mas também outros militares com quem divide o banco dos réus, esse flanco claro não foi explorado pelos experientes advogados, que evitaram confrontá-lo de maneira mais incisiva.

Para isso, foi fundamental a maneira como Moraes conduziu os interrogatórios. Ao esgotar, já na largada, os questionamentos quanto às mudanças de versão e às acusações, das quais depois recuou, de que fechou a delação sob coação, o ministro tirou a principal arma das mãos das defesas.

Nem a presença de Luiz Fux, que desde a fase da aceitação da denúncia tem procurado se colocar como uma espécie de “consciência crítica” da Turma, um sutil contraponto a Moraes, acabou se configurando em alento para os réus. Fux inquiriu Cid, mas foi quase um ouvinte nos demais depoimentos, exceção feita ao almirante Almir Garnier. Nada em sua participação nesta fase o aproximou da figura de um “revisor informal” a que ele parecia almejar. Não houve nada próximo dos embates entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no julgamento do mensalão em 2012.

Diante desse quadro em que o delator não é questionado, as provas são admitidas pelos réus e circunstâncias gravíssimas, como uma reunião ministerial filmada, com “nomes nas plaquinhas”, como salientou o próprio Bolsonaro, são confirmadas por sete integrantes dos primeiros escalões de um governo, não há espaço para vislumbrar absolvição.

O tom entre a vitimização e a forçada camaradagem com que Bolsonaro se postou diante de Moraes também deverá dificultar que, em caso de condenação, o ex-presidente conclame sua base cada vez mais dispersa a sair às ruas em sua defesa.

Aliás, a insistência de Bolsonaro em apelar para aspectos midiáticos — como a infantil contrariedade por não poder exibir um vídeo ou o orgulho de ter arrecadado mais numa campanha por Pix que programas como “Criança esperança”— é uma demonstração para lá de eloquente de que o capitão sabe o destino mais provável para si e entende que não poderá ser dono da chave do cercadinho da direita por tempo indeterminado.


Nenhum comentário: