quarta-feira, 11 de junho de 2025

O imbrochável brochou - Mariliz Pereira Jorge

Folha de S. Paulo

Amém que Bolsonaro não será perdoado: que a Justiça o condene, que a história o engavete

Quem já foi vítima de abuso sabe: basta uma frase, uma imagem, uma voz. O corpo inteiro responde. Não é escolha, é memória. O trauma volta antes do pensamento. Foi o que senti ao assistir a Jair Bolsonaro no depoimento a Alexandre de Moraes no STF.

E sei que não estou sozinha. Para milhões de brasileiros, Bolsonaro não é apenas um ex-presidente. É um gatilho. Apesar de me dar ojeriza, essa palavra que virou muleta linguística talvez seja o que melhor define a lembrança de viver com a sensação constante de uma mira na nuca durante seu governo. Quatro anos sem um minuto de sossego. Um país assediado moralmente, submetido à pedagogia do ódio.

Mas, diante do ministro, o imbrochável chipado brochou. Pediu desculpasfez piada, riu de desespero —não chega a dar prazer porque a cara sebosa não permite. Convidou Moraes para ser seu vice em 2026. Foi o momento stand-up no corredor polonês. Inelegível, acuado, constrangendo até os próprios seguidores que esperavam ao menos um grito, um coice, um chilique digno do personagem. Em vez disso, um homem murcho, escolhendo frases domesticadas como quem já cheira o mofo da ficha criminal.

Seria só patético, não fosse o tamanho do estrago. Bolsonaro transformou almoços de domingo em zonas de guerra ideológica. Armou o tio do zap contra a sobrinha feminista, criou patriotas de rede social que confundem corrente do Telegram com Constituição. Fez do verde e amarelo um uniforme de seita. Ele não dividiu apenas o país, ensinou as pessoas a se odiarem com método, disciplina e memes. O preço dessa cartilha do ressentimento ainda será cobrado em prestações longas.

Não tenho alma punitivista, mas amém que Bolsonaro não será perdoado. Que a Justiça o condene. Que a história o engavete. Quero acreditar que nossa democracia saiu um pouco mais madura e preparada para reconhecer o rosto, o tom, a retórica de um abusador, mas sinto que ainda levará bastante tempo. A cada eleição, o país parece disposto a dar chance ao embusteiro da vez, contanto que ele prometa Deus, arma e gasolina barata.

 

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