Valor Econômico
Projeto do governo para aumentar as receitas
começa a enfrentar resistências antes mesmo de chegar ao Congresso
A medida provisória (MP) que trará novas
mudanças na tributação para aumentar as receitas começou a enfrentar
resistências antes mesmo de chegar ao Congresso Nacional.
E, chegando, já está combinado que o pau vai
quebrar. Foi o que disse, com palavras mais elegantes, o presidente da Câmara
dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), no evento “Agenda Brasil - o
cenário fiscal brasileiro”, promovido por Valor, “O Globo” e rádio CBN na última
segunda-feira. Não há compromisso de a MP ser aprovada, avisou.
A ideia de acabar com isenções do Imposto de Renda nas aplicações financeiras mexeu com o ânimo até de um setor que, por sua natureza, não se apavora facilmente: o de infraestrutura.
“Seria uma insensatez”, disse à coluna o
presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de
Base (Abdib), Venilton Tadini, falando sobre possível fim da isenção do Imposto
de Renda sobre produtos de mercado que hoje financiam projetos de longo prazo
no setor.
Estão na mira as debêntures de
infraestrutura, que podem captar perto de R$ 150 bilhões - praticamente o mesmo
valor dos desembolsos do BNDES. Também seriam atingidas as debêntures
incentivadas, que saíram da casa dos R$ 40 bilhões no início da década para R$
135 bilhões em 2024.
A diferença entre os dois papéis, ambos
isentos do IR, é que a debênture incentivada dá a isenção aos investidores. A
debênture de infraestrutura dá a isenção ao emissor do papel. O principal
público dela são os fundos de pensão, que precisam investir em longo prazo e
por isso são um “match” para projetos em infraestrutura. O patrimônio dos
fundos chega a R$ 1,5 trilhão.
O fim da isenção pode também afetar as Letras
de Crédito de Desenvolvimento (LCD), criadas no ano passado para financiar o
BNDES. Foram inspiradas nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e nas
Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), todas isentas do IR.
“Por enquanto, seu lobo não veio. Se vier, o
que vai acontecer? Vai aumentar o custo de captação e, quando uma empresa for
dar um lance [em leilão de concessão de infraestrutura], ela vai diminuir a
outorga a ser paga ao erário ou impactar o usuário via tarifa”, explicou o
executivo. “Vai entrar num bolso e sair do mesmo bolso; não tem magia.”
O aumento na tributação será um balde de água
fria na linha evolutiva do desenvolvimento da infraestrutura no Brasil.
Tadini aponta para dois movimentos
simultâneos. Primeiro, a elaboração dos projetos amadureceu de tal forma que
hoje é raro haver um leilão que não atraia interessados.
Segundo, as formas de financiamento se
diversificaram. Se nos anos 1960 a infraestrutura dependia de empréstimos
externos e, nas décadas seguintes, do BNDES, hoje existem outras fontes.
Entraram em cena o mercado de capitais, por intermédio das debêntures de
infraestrutura, e recursos externos, com o Eco Invest.
A retirada da isenção das LCDs e das
debêntures tromba de frente com todo esse processo de fortalecimento da
infraestrutura. Tadini avaliou o impacto.
“Vai parar? Vamos separar as coisas. Existem
projetos em andamento e com a captação já feita, que não serão afetados. Mas os
projetos novos certamente sofrerão impacto no custo de captação e, com isso,
alguns investidores podem se retrair”, explicou o presidente da Abdib.
É por causa do volume de projetos já
contratados e financiados em anos anteriores que os investimentos em
infraestrutura seguirão em crescimento, por inércia, apesar do aumento nas
taxas de juros promovido pelo Banco Central.
Em 2024, o setor avançou perto de 15% sobre o
ano anterior. Em 2025, a expectativa é chegar a R$ 288,2 bilhões, crescimento
de 11%, já refletindo o aperto monetário. São insuficientes para suprir o gap
de investimentos no setor. Mas são recordes e contrastam com pessimismo em
outros setores da economia.
Estão em curso um ambicioso programa de
concessões em rodovias para a iniciativa privada, a construção de linhas de
transmissão, diversos projetos em mobilidade urbana no formato Parceria
Público-Privada (PPP), um “ciclo virtuoso” no setor de saneamento, listou
Tadini.
A infraestrutura rodando forte deve puxar a
demanda por serviços. Assim, o presidente da Abdib não espera um crescimento
inferior a 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.
Ao mesmo tempo que a MP preocupa, o processo
político que ela integra alento. “O que eu vejo de positivo é o Executivo e o
Legislativo, na mais alta esfera, entenderem que não adianta ficar fazendo
puxadinho; tem que ter uma reforma estrutural para não ficar ‘stop and go’ na
questão fiscal, e dar tranquilidade para o mercado trabalhar”, ressaltou. “Acho
que essa consciência foi criada.”
Como pontuou ontem o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, o Congresso faz suas ponderações, mas não deixa de aprovar as
propostas enviadas pelo governo.
O saldo de toda a agitação desde o aumento do
IOF foi o surgimento de uma nova cooperação entre Executivo e Legislativo em
torno da agenda fiscal. Os desafios são enormes, e o espaço político, restrito.
Mas agora não estamos mais só esperando as eleições para avançar nos debates.
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