quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Empregos por decreto

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Governo não vai impedir desemprego reclamando das empresas que levam auxílios (subsídios?) e ainda demitem

ATÉ QUE demorou para se ouvir besteira maior no governo nesta crise. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, reclama que as empresas recipientes de auxílios do governo não demitam. Parece "tudo pelo social", mas é uma campanha quase totalmente idiota.

Tome-se o caso que reacendeu a celeuma, o das demissões em montadoras, para as quais Lula e José Serra dirigiram bilhões de crédito oficial. As financeiras das montadoras, diz-se, haviam ficado sem fundos para emprestar aos clientes.

Imagine-se que, num momento inicial, as montadoras estimassem que a demanda de carros fosse "tal" e que o custo de captação dos bancos oficiais fosse "qual" (o que determina o custo do dinheiro repassado às financeiras. De outro modo, se o custo é inferior ao de mercado, haveria subsídio. Há subsídio?).

No momento seguinte, o custo de captação dos bancos oficiais sobe para "qual + 1", o que encarece o financiamento do carro, e a crise assusta mais os consumidores, que compram menos, por precaução. A demanda de carros cai, digamos, pela metade. A montadora, por hipótese, entra no vermelho, mesmo com crédito oficial. Deve demitir ou falir?

"Coitadinhas das montadoras"?

Não. Mas a cobrança oficial não faz sentido, no limite desse caso. Ou, então, deve-se levar o raciocínio adiante. As montadoras ganharam muito dinheiro nos últimos dois anos. Remeteram muito lucro para suas matrizes quase falidas. Se a lógica oficial é consequente, o governo deve exigir que as montadoras passem a doar parte de seus lucros, cortando remessas (isto é, que engulam prejuízos, mesmo vendendo menos).

A divisão de prejuízos nunca é "justa", obviamente. As empresas podem por vezes dar mais aumentos ou demitir menos do que o fazem, mas o fazem porque detêm mais poder que os trabalhadores. Mas há um limite (para a divisão mais equitativa dos prejuízos da crise) que é o da racionalidade econômica numa economia de mercado.

O raciocínio vale para os bancos.

Podem estar travando demais o crédito (o que piora a crise e a própria situação deles), mas, se emprestarem demais em tempos de recessão, também podem ir à breca. Não há soluções diretas, por decreto.

O caso serve ainda para o governo repensar a miríade confusa de proteções tarifárias e isenções tributárias para empresas. Muita vez o subsídio apenas barateia o investimento que seria feito de qualquer modo por empresas beneficiadas. Certos subsídios fazem sentido, mas no tumulto nacional não se sabe quem recebe o que, para qual fim, com quais objetivos socialmente razoáveis.

Há medidas paliativas. Aumentar o seguro-desemprego ou, talvez, reduzir impostos sobre salários. Mesmo assim, o impacto disso é muito incerto, ainda mais quando se lida com uma crise (macro) que afeta diferencialmente empresas (micro).

O essencial, agora, é dar um jeito de destravar o crédito, de "punir", de modo indireto, bancos com reservas demais. Dar um talho na Selic, embora o refresco tenda a ser pequeno.Induzir empresários a investir em infraestrutura por meio do investimento público, que anda como um cágado. Decretos moralizantes e intervencionistas (no nível micro) não vão adiantar nada.

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