Alberto Dines
DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
O ano começou com um bom debate. Debate sobre a imprensa na imprensa é coisa rara desde o momento em que o assunto foi expurgado pelo pool da grande mídia. E neste comecinho do ano, com metade do país em recesso e a outra metade na sombra, o desempenho da imprensa foi discutido pelo presidente da República em pessoa!
O pronunciamiento está na edição de janeiro da excelente piauí ("Azia, ou o dia da caça", págs. 18-20), a revista mais bem escrita e mais bem editada do Brasil. Esvoaçou pelos jornais (apenas o Estado de S.Paulo comentou em editorial, em 8/1), azedou o humor de poucos colunistas e até provocou a inédita republicação em versão integral (OI e Folha Online, em 9/1, e O Globo, em 10/1, pág. 8).
A reprodução de O Globo veio acompanhada pela informação de que a versão completa foi distribuída pelo Planalto. Não é verdade: as íntegras de todas as manifestações do presidente são disponibilizadas no site da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom).
O assunto morreu e ninguém tentou exumá-lo. O presidente de uma república democrática afirma solenemente que "a imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim", acrescenta que não lê jornais ou revistas "por que tem problemas de azia", anuncia a obsolescência da mídia impressa diante da internet e ponto final, estamos conversados.
"Questões mercadológicas"
Não estamos: o cidadão-leitor ficou preocupado com a azia (ou pirose) presidencial. Lula vai bem, obrigado, a saúde está ótima, a qualidade das metáforas é que caiu ligeiramente. E o bordão "ou seja" usado com tanta freqüência prejudica a compreensão da frase que pretende explicitar.
O texto da piauí registra que Lula repetiu duas vezes a afirmação de que a sua ascensão à presidência "é produto direto da liberdade de imprensa" e foi enfático ao dizer que não precisa da imprensa para informar-se: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia... Não há hipótese de eu estar mal informado".
O presidente listou alguns pecados clássicos da imprensa (Escola Base etc.), citou distorções e os casos em que foi obrigado a agir judicialmente contra veículos jornalísticos (Folha de S.Paulo e Rede Bandeirantes). Não há má-fé, segundo Lula, apenas "questões mercadológicas". Sensacionalismo, conclui o autor da matéria Mario Sergio Conti, diretor de Redação do mensário desde a sua criação.
Sem embargos
A parte final da entrevista consistiu numa espécie de miniprêmio Esso às estrelas do colunismo conferido pelo chefe da nação. O repórter citava um nome e o presidente sapecava a sua nota. A matéria de piauí reproduziu todos os nomes e respectivos pareceres. Omitiu Mino Carta, não é justo.
A grande verdade é que a matéria de piauí é menos importante pelo que publicou e muito mais pelo que deixou de publicar. Mario Sergio Conti é um dos mais competentes editores de revista do país e certamente tem argumentos para explicar porque uma entrevista exclusiva concedida por um presidente da República tão avesso a entrevistas pessoais sofreu tamanho corte. Tamanha manipulação – esta é a palavra.
O autor da entrevista deve esta explicação à sociedade, aos demais jornalistas, aos historiadores. O que diz um presidente da República num encontro formal, agendado e gravado, não pode estar sujeito a embargos de qualquer natureza. Faz parte da história.
Saldos e balanços
A entrevista aconteceu no dia 18 de dezembro, véspera das festas de fim de ano. A edição de janeiro deveria estar nas bancas na primeira semana útil do ano e, certamente, só ficaram abertas aquelas três pagininhas. O que fazer – reabrir a edição correndo o risco de atrasar a distribuição ou adiar a publicação para fevereiro?
Óbvio, ululante: não se amputa um pronunciamento presidencial. Sob nenhum pretexto. Mesmo que entre entrevistador e entrevistado existam vínculos pessoais, antigas empatias, a função social do jornalista obriga-o a ser rigorosamente fiel ao que foi dito e ouvido. Fiel no tocante ao teor e fiel no tocante à extensão. Um jornalista não tem mandato para avaliar ou eliminar partes de uma manifestação presidencial. A não ser que esteja a serviço do governo. Não é o caso.
A versão publicada pela piauí tem no máximo um terço da íntegra divulgada pela Secom. Justifica-se uma adaptação do texto à linguagem escrita, justificam-se cortes de palavras (ou palavrões) inaudíveis. Injustificável foi a severa compressão. Ou supressão.
Pela íntegra (ver "Presidente com azia da imprensa") percebe-se que o presidente Lula não quer brigar com a imprensa enquanto instituição. É um extraordinário avanço, admirável trabalho de pacificação empreendido pelo ministro Franklin Martins (que num dos momentos da versão impressa aparece como "ministro Franklin de Oliveira"; tudo bem, lembrar o admirável Franklin de Oliveira é sempre oportuno).
Enquanto evita o confronto institucional com a mídia, Lula mostra que não engole certos jornalistas. Daí a azia. Está no seu direito gostar ou não gostar de alguém. O que não pode é manifestar publicamente as antipatias. Equivale a veto, soa como ameaça.
Saldo do episódio: perdeu-se formidável oportunidade de promover um grande e salutar debate sobre a nossa imprensa. Fomos todos relegados à esfera gástrica. Não merecemos.
O presidente está tinindo. Pronto para participar do Observatório da Imprensa. Vai gostar: as entrevistas não são editadas.
***
Num dos trechos eliminados, o presidente Lula rebate a acusação de que o governo ajuda pequenos veículos com grandes verbas de publicidade oficial. Lula alega que a distribuição de verbas obedece a critérios técnicos, não há privilégios. "Não é assim que eu trabalho."
Na última edição de CartaCapital foram publicadas 11 páginas de anúncios: seis pagas por entidades federais e governos estaduais do PT: 54,5%.
***
Para entrar no clima da piauí, mensagem aos companheiros do watch-room do Planalto: este observador é admirador de Lev Davidovitch Bronstein desde o início dos anos 1950. E enquanto espera o entrevistado poderá trocar alguns dedos de prosa com Clara Ant em idisch (e não iídiche).
DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
O ano começou com um bom debate. Debate sobre a imprensa na imprensa é coisa rara desde o momento em que o assunto foi expurgado pelo pool da grande mídia. E neste comecinho do ano, com metade do país em recesso e a outra metade na sombra, o desempenho da imprensa foi discutido pelo presidente da República em pessoa!
O pronunciamiento está na edição de janeiro da excelente piauí ("Azia, ou o dia da caça", págs. 18-20), a revista mais bem escrita e mais bem editada do Brasil. Esvoaçou pelos jornais (apenas o Estado de S.Paulo comentou em editorial, em 8/1), azedou o humor de poucos colunistas e até provocou a inédita republicação em versão integral (OI e Folha Online, em 9/1, e O Globo, em 10/1, pág. 8).
A reprodução de O Globo veio acompanhada pela informação de que a versão completa foi distribuída pelo Planalto. Não é verdade: as íntegras de todas as manifestações do presidente são disponibilizadas no site da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom).
O assunto morreu e ninguém tentou exumá-lo. O presidente de uma república democrática afirma solenemente que "a imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim", acrescenta que não lê jornais ou revistas "por que tem problemas de azia", anuncia a obsolescência da mídia impressa diante da internet e ponto final, estamos conversados.
"Questões mercadológicas"
Não estamos: o cidadão-leitor ficou preocupado com a azia (ou pirose) presidencial. Lula vai bem, obrigado, a saúde está ótima, a qualidade das metáforas é que caiu ligeiramente. E o bordão "ou seja" usado com tanta freqüência prejudica a compreensão da frase que pretende explicitar.
O texto da piauí registra que Lula repetiu duas vezes a afirmação de que a sua ascensão à presidência "é produto direto da liberdade de imprensa" e foi enfático ao dizer que não precisa da imprensa para informar-se: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia... Não há hipótese de eu estar mal informado".
O presidente listou alguns pecados clássicos da imprensa (Escola Base etc.), citou distorções e os casos em que foi obrigado a agir judicialmente contra veículos jornalísticos (Folha de S.Paulo e Rede Bandeirantes). Não há má-fé, segundo Lula, apenas "questões mercadológicas". Sensacionalismo, conclui o autor da matéria Mario Sergio Conti, diretor de Redação do mensário desde a sua criação.
Sem embargos
A parte final da entrevista consistiu numa espécie de miniprêmio Esso às estrelas do colunismo conferido pelo chefe da nação. O repórter citava um nome e o presidente sapecava a sua nota. A matéria de piauí reproduziu todos os nomes e respectivos pareceres. Omitiu Mino Carta, não é justo.
A grande verdade é que a matéria de piauí é menos importante pelo que publicou e muito mais pelo que deixou de publicar. Mario Sergio Conti é um dos mais competentes editores de revista do país e certamente tem argumentos para explicar porque uma entrevista exclusiva concedida por um presidente da República tão avesso a entrevistas pessoais sofreu tamanho corte. Tamanha manipulação – esta é a palavra.
O autor da entrevista deve esta explicação à sociedade, aos demais jornalistas, aos historiadores. O que diz um presidente da República num encontro formal, agendado e gravado, não pode estar sujeito a embargos de qualquer natureza. Faz parte da história.
Saldos e balanços
A entrevista aconteceu no dia 18 de dezembro, véspera das festas de fim de ano. A edição de janeiro deveria estar nas bancas na primeira semana útil do ano e, certamente, só ficaram abertas aquelas três pagininhas. O que fazer – reabrir a edição correndo o risco de atrasar a distribuição ou adiar a publicação para fevereiro?
Óbvio, ululante: não se amputa um pronunciamento presidencial. Sob nenhum pretexto. Mesmo que entre entrevistador e entrevistado existam vínculos pessoais, antigas empatias, a função social do jornalista obriga-o a ser rigorosamente fiel ao que foi dito e ouvido. Fiel no tocante ao teor e fiel no tocante à extensão. Um jornalista não tem mandato para avaliar ou eliminar partes de uma manifestação presidencial. A não ser que esteja a serviço do governo. Não é o caso.
A versão publicada pela piauí tem no máximo um terço da íntegra divulgada pela Secom. Justifica-se uma adaptação do texto à linguagem escrita, justificam-se cortes de palavras (ou palavrões) inaudíveis. Injustificável foi a severa compressão. Ou supressão.
Pela íntegra (ver "Presidente com azia da imprensa") percebe-se que o presidente Lula não quer brigar com a imprensa enquanto instituição. É um extraordinário avanço, admirável trabalho de pacificação empreendido pelo ministro Franklin Martins (que num dos momentos da versão impressa aparece como "ministro Franklin de Oliveira"; tudo bem, lembrar o admirável Franklin de Oliveira é sempre oportuno).
Enquanto evita o confronto institucional com a mídia, Lula mostra que não engole certos jornalistas. Daí a azia. Está no seu direito gostar ou não gostar de alguém. O que não pode é manifestar publicamente as antipatias. Equivale a veto, soa como ameaça.
Saldo do episódio: perdeu-se formidável oportunidade de promover um grande e salutar debate sobre a nossa imprensa. Fomos todos relegados à esfera gástrica. Não merecemos.
O presidente está tinindo. Pronto para participar do Observatório da Imprensa. Vai gostar: as entrevistas não são editadas.
***
Num dos trechos eliminados, o presidente Lula rebate a acusação de que o governo ajuda pequenos veículos com grandes verbas de publicidade oficial. Lula alega que a distribuição de verbas obedece a critérios técnicos, não há privilégios. "Não é assim que eu trabalho."
Na última edição de CartaCapital foram publicadas 11 páginas de anúncios: seis pagas por entidades federais e governos estaduais do PT: 54,5%.
***
Para entrar no clima da piauí, mensagem aos companheiros do watch-room do Planalto: este observador é admirador de Lev Davidovitch Bronstein desde o início dos anos 1950. E enquanto espera o entrevistado poderá trocar alguns dedos de prosa com Clara Ant em idisch (e não iídiche).
Nenhum comentário:
Postar um comentário