terça-feira, 10 de março de 2009

Causas da queda brusca na produção industrial

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os dados do IBGE de janeiro de 2009 de produção industrial brasileira mostram uma queda de 17,2%, comparada ao mesmo período do ano anterior. Mesmo neste mundo conturbado pela pior crise financeira das últimas sete décadas, não me recordo de país que tenha sofrido queda tão forte quanto a produção industrial brasileira. O IBGE deve divulgar hoje os dados de PIB do último trimestre de 2008, que deverá ficar dois pontos percentuais abaixo do trimestre imediatamente anterior. O que explica esta queda tão brusca na produção industrial e no PIB?

Os analistas em geral e o governo interpretaram a violenta queda na produção industrial, desde setembro, como um ciclo de ajuste de estoques. Neste ciclo, uma súbita e inesperada queda na demanda final teria provocado um aumento excessivo e não desejado de estoques, o que teria provocado um freio brusco na produção industrial. Mas, como a demanda final não sofreu uma queda tão grande, como mostram os dados de vendas do comércio varejista no mesmo período, uma vez ajustados os estoques para o nível desejado a indústria voltaria a recuperar e produzir mais. Nesta perspectiva, esperava-se que a produção industrial em janeiro tivesse forte recuperação, de 10% ou mais, e não os meros 2,3% divulgados pelo IBGE. Isto causou surpresa generalizada. Causou surpresa também que o comércio e os serviços nos setores não dependentes de crédito continuassem com o nível de atividade quase normal.

Na realidade, a brusca queda na produção industrial não foi causada por ajuste de estoque. Foi, sim, uma crise de crédito e um quase pânico que provocaram esse impacto na indústria, que tem ainda frescas na memória as crises provocadas pelas sucessivas paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior. Não foi uma queda na demanda final pelos consumidores e corte nos pedidos pelo comércio varejista que provocaram tamanha contração na produção industrial. Não estamos vivendo um processo recessivo típico, iniciado pela queda na demanda agregada, o aumento de desemprego e queda na renda, seguida de aumento de estoques e queda na produção.

Foi o desaparecimento do fluxo de capitais do exterior, com o fluxo líquido tornando-se negativo no último trimestre do ano passado - seguido de contração generalizada de crédito doméstico pelos bancos - que, a partir de outubro, gerou um quase pânico que provocou uma parada brusca da produção industrial. Neste quadro, empresas que apostaram ganhar com derivativos na expectativa de apreciação do real tiveram grandes prejuízos, amplificando enormemente os possíveis efeitos da crise financeira, desencadeando a redução ou cancelamentos de encomendas de forma generalizada, seguidos de férias coletivas e demissão de trabalhadores em massa, em dezembro. É bom lembrar que esta contração no crédito foi antecedida por uma grande euforia e aumento no crédito. A partir de 2006, tivemos um verdadeiro boom de entradas de capitais do exterior, particularmente através do mercado de capitais, permitindo às empresas captarem recursos a custo muito mais baixo do que aquelas praticadas pelo nosso sistema bancário. Isso permitiu a geração de emprego e expansão da economia brasileira. Este fluxo de capitais se reduziu ao longo de 2008, mas é no final deste ano que, subitamente, o fluxo se reverte e gera uma restrição generalizada de crédito.

Desta forma, a produção industrial não se ajustou a uma queda autônoma da demanda dos consumidores, que não aconteceu, mas à escassez de crédito do exterior e à reação de pânico dos bancos. Economias abertas e dependentes como a nossa estão sujeitas a duas restrições de liquidez, da moeda nacional e da estrangeira - qualquer delas pode desorganizar e paralisar a produção e os investimentos. Foi a parada no fluxo de capitais do exterior, acompanhada de contração no crédito doméstico, a dupla restrição de liquidez que desorganizou a economia, desencadeando paralisação nos investimentos, corte nos pedidos e demissão de trabalhadores.

Desta forma, se as autoridades responsáveis pela política monetária tivessem reagido para compensar a parada no fluxo de capitais e de crédito do exterior, flexibilizando a política monetária e expandindo o crédito doméstico, certamente a contração na produção teria sido muito menor. O mais grave é que esta estreita visão do Banco Central terá consequências profundas para o desenrolar da economia brasileira nos próximos meses.

Em primeiro lugar, as demissões já ocorridas de trabalhadores vão desencadear uma contração na demanda agregada, que no Brasil tem efeitos retardados em função dos benefícios sociais pagos na demissão, mas vai atuar nos próximos meses, desencadeando novas demissões. Assim, podemos esperar, para os próximos meses, novas quedas na produção, desencadeadas agora pela queda na demanda. Em segundo lugar, o cancelamento de investimentos produtivos vai comprometer a futura taxa de crescimento da economia brasileira que, a duras penas, vinha se acelerando. Em terceiro lugar, o problema da economia brasileira, que era fundamentalmente monetário e creditício, pois o crescimento econômico estava baseado na ampliação do mercado interno e puxado pela demanda da "classe média" em expansão, poderá transformar-se em fiscal. Se, a exemplo do que aconteceu no resto do mundo, a nossa política monetária tivesse sido flexibilizada no crédito doméstico, compensando os efeitos da restrição de crédito externo, as medidas fiscais poderiam ser desnecessárias. É ainda tempo para o Banco Central corrigir seus erros, abrir os olhos e entender que, no atual contexto global de contração de liquidez e no PIB mundial, não há espaço para acelerações inflacionárias - ao contrário, vamos enfrentar fortes forças deflacionárias. Se a taxa de juros for reduzida fortemente na quarta-feira e, se os depósitos compulsórios forem reduzidos, adicionalmente, para reduzir os "spreads" dos bancos, as repercussões negativas da contração do nível de emprego e queda nos investimentos poderão, pelo menos, ser parcialmente neutralizados. Se isto não acontecer, a queda brusca na produção do setor real da economia foi tão forte que vai voltar com toda força sobre o setor financeiro, com aumento de inadimplência e quebra de empresas. Daí sim vamos importar, por vias tortas, a crise financeira.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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