terça-feira, 10 de março de 2009

Vírus na veia

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Efeito direto da crise global na indústria e no crédito foi mais intenso do que o previsto e reduz margem de ação oficial

QUANDO OS bancos americanos explodiram, em setembro de 2008, era comum ouvir de economistas que a asfixia de crédito mundial não provocaria um forte efeito direto no Brasil porque a maior parte da oferta de crédito era doméstica. O problema maior poderia ocorrer, indiretamente, via balanço de pagamentos (falta de dólares devida à redução de investimentos e financiamento externo).

Quanto ao provável e depois confirmado naufrágio do comércio mundial, ouvia-se que tal problema também contaminaria o país de modo indireto, pois a economia brasileira é relativamente fechada (o comércio externo é uma parte pequena do PIB, em contraste com as economias superexportadoras da Ásia).

Mas o que se viu logo depois de setembro foi que a contração do crédito mundial bateu com muita força no Brasil, e não apenas por meio do "choque de confiança" etc. Como empresas e bancos pararam de captar dinheiro lá fora e/ou não conseguiam renovar seus empréstimos, viu-se um estouro da manada corporativa, que procurava passar pela porteira ainda mais estreita dos bancos. Havia menos dinheiro. O que restou era mais caro. "Não vai dar para todo mundo."O caso emblemático dessa história foi a Petrobras pegar dinheiro na Caixa. Mas a história se repetiu em outros setores, é óbvio.

O súbito corte inicial de crédito externo, que parecia pequeno em relação ao tamanho do crédito doméstico, teve seu efeito de certa forma multiplicado. Enfim, a contração mundial de crédito teve efeito direto nas vendas e na produção, vide o caso dos veículos.

No caso do comércio exterior, o efeito agora também parece direto. O país exporta pouco em relação ao PIB, mas bastante em relação ao tamanho da indústria. Não foi preciso esperar que a perspectiva de um crescente déficit em conta corrente detonasse o câmbio e causasse inflação, por exemplo. A brusca redução do comércio mundial, que pode ser a maior em 80 anos, derrubou o valor das exportações de manufaturados (queda de 30% no primeiro bimestre, contra 5% no caso dos produtos básicos). A indústria deve estagnar em 2009 também devido a exportações ruinosamente menores. O desemprego na indústria espalha o contágio pela economia. O caso mais emblemático dessa história é o da exportadora Embraer, que viu seus pedidos caírem e demitiu em massa.

O vírus da crise, pois, foi injetado diretamente na nossa veia. Crédito escasso e comércio global em ruínas são fatores que estão fora do nosso controle. Avariaram-nos de forma muito mais forte do que o previsto. O estímulo estatal à demanda pode ajudar a evitar um ciclo vicioso demasiadamente ruim (o que é necessário), mas é apenas um atenuante frágil, que de resto terá efeito tardio.

Esburacar as contas públicas não parece uma boa ideia em tempo algum, mas nem agora será de grande valia. Melhor deixar o país em ordem para a eventual retomada, cancelar o que for possível de gastos correntes e parar de torrar dinheiro também com juros altos demais (aliás, gastar menos e baixar juros são medidas que podem se retroalimentar de modo positivo).

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