quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mubarak fala em negociar, mas multidão volta às ruas

Centenas de milhares de pessoas - estimou-se em até 250 mil - reuniram-se na Praça Tahrir, na maior manifestação no Cairo desde que os protestos contra o ditador Hosni Mubarak começaram. Foi uma resposta às garantias do governo de que já tem plano para uma saída negociada.

Egípcios voltam em massa às ruas e aliados debatem saída para Mubarak

Lourival Sant"Anna

Centenas de milhares de pessoas - uma das estimativas fala em 250 mil - reuniram-se ontem na Praça Tahrir, talvez na maior manifestação no centro do Cairo desde que os protestos contra o presidente Hosni Mubarak começaram, há duas semanas.

A massa compacta de pessoas de todos os estilos - religiosos, liberais, trabalhadores, classe média, jovens, velhos, mulheres e crianças - foi uma resposta eloquente às garantias do governo de que já tem um plano para uma saída negociada e de que não vai punir os manifestantes.

Os organizadores haviam anunciado na segunda-feira que tentariam concentrar o maior número de pessoas ontem e na sexta-feira, dia do descanso semanal muçulmano, para expressar a rejeição às ofertas do governo pelos manifestantes. A oposição afirma não aceitar nada a menos do que a saída imediata de Mubarak, no poder há 30 anos.

O novo impulso dado às manifestações parece ter vindo de uma emocionada entrevista na noite de segunda-feira do diretor de marketing do Google para o Oriente Médio, Wael Ghonim, para o canal privado egípcio Dream TV. Ghonim ficou 12 dias preso e falou na TV horas depois de ter sido solto.

O funcionário do Google, que diz ter passado todo tempo com os olhos vendados, depois de ter sido preso na Praça Tahrir, declarou: "Não sou um símbolo ou um herói. Eu apenas usei o teclado. Heróis são aqueles que estão em campo. Mas o que aconteceu comigo foi um crime. Temos de derrubar esse sistema, cuja base é impedir de falar o que se pensa".

Ghonim, que nasceu no Cairo e vive em Dubai, criou a página no Facebook usada pelos manifestantes para organizar o protesto iniciado no dia 25. Cerca de 130 mil pessoas se registraram no link.

O diretor do Google fez um rápido discurso ontem à noite na praça: "Este país é nosso. Não é momento para divisões nem ideologias. É o momento de dizer que o Egito é para todos nós", disse ele para a variada multidão, que o saudou uma ovação que ressoou pela imensa praça lotada. "Não abandonaremos nossa exigência, que é a saída do regime."

Os rumores, que já circulam há vários dias, de que Mubarak poderia deixar o país, sob pretexto de tratamento médico, intensificaram-se ontem. Em março, o presidente passou três semanas no hospital da Universidade de Heidelberg (Alemanha), quando teve removida a vesícula e um pólipo intestinal. Na época, especulou-se que ele teria câncer.

Agora, a cúpula militar egípcia e o governo americano estariam discutindo a possibilidade de enviar Mubarak, de 82 anos, para uma clínica em Baden Baden, também na Alemanha, de acordo com o jornal The New York Times. Segundo uma fonte ouvida pelo Estado, o vice-presidente Omar Suleiman e o primeiro-ministro Ahmed Shafik estariam tentando convencer o presidente, conhecido pelo seu orgulho, a aceitar essa saída honrosa.

Garantias do regime. Em público, Suleiman demonstra confiança no diálogo com a oposição. "Um mapa da estrada claro foi desenhado, com um cronograma para realizar a transferência de poder pacífica e organizada", disse ontem o recém-nomeado vice-presidente, que antes chefiava o temido serviço secreto egípcio.

Procurando aplacar um receio dos manifestantes, Suleiman prometeu que não haverá represálias contra eles depois que deixarem a praça: "O presidente enfatizou que a juventude do Egito merece o apreço da nação e assinou uma medida impedindo que eles sejam perseguidos, assediados ou tenham seu direito à liberdade de expressão tolhido".

Essas promessas são recebidas com ceticismo pelos manifestantes e pela oposição, depois de 30 anos de ditadura, sob leis de emergência - que Suleiman também promete rever.

Num sinal dos tempos, pela primeira vez o jornal Al-Ahram, pró-governo, publicou ontem uma entrevista com um representante da Irmandade Muçulmana, dissolvida pelo Cairo em 1948. Nela, o vice-presidente do movimento, Rashad al-Bayoumi, diz que a irmandade não fez nada para derrubar Mubarak, não tem o direito de apropriar-se das conquistas dos manifestantes, não vai atacar a polícia e o Exército e se distancia tanto dos EUA quanto do Irã (mais informações nesta página). Ele pede o fim das leis de emergência, conforme prometido por Suleiman, e diz que a irmandade quer se tornar um partido.

PONTOS-CHAVE

Estado de sítio

Vice-presidente Omar Suleiman diz estar disposto a revogar imediatamente os artigos 76 e 77 da Constituição, que dão poderes especiais à polícia para agir contra opositores

Liberdade de imprensa

Regime também suspenderia todo tipo de restrição legal a jornais, rádios, TVs, blogs e sites que criticam o governo. Hoje, o governo tem poder de calar a imprensa a qualquer momento

Investigação de crimes

Comissão multipartidária investigaria acusações de corrupção envolvendo o regime e os motivos que levaram ao caos nas ruas, com saques e depredações, após o 3º dia de protestos

Eleições livres

Governo deixaria de "filtrar" candidatos com base em sua opinião em relação ao regime. ElBaradei (foto), diplomata e líder opositor, exige que votação de setembro tenha supervisão direta da ONU

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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