Inexiste qualquer possibilidade de a reforma do sistema eleitoral, uma formulação que andou mais no Senado que na Câmara, sem vantagens por isso, ter um desfecho provável. A Câmara pensa e discute mais a questão, o que dá aos que torcem pela reforma efetiva, mais esperança. O Senado resolveu que a prioridade é aprovar qualquer coisa, desde que rapidamente. Aí está: ontem, concluiu um conjunto de propostas de mudanças para oferecer à formalidade de uma tramitação.
O pacote de projetos não guarda uma coerência que possa lhe dar forma ou sistematização. Está mais para samba do crioulo doido do que para samba enredo, embora este, de aparência mais concatenada, também tudo permita.
Está alí a camisa de força do dono e mandante do partido, com a criação do voto proporcional em lista fechada. O quimérico financiamento público exclusivo foi aprovado. A candidatura avulsa para... vereador, apenas um registro de homenagem a quem propôs essa saída para driblar os proprietários das agremiações, o senador e ex-presidente Itamar Franco. O fim da reeleição, também aprovado. O fim das coligações, mas apenas nas eleições proporcionais.
A obra não contemplou o que poderia dar um toque de modernidade às eleições brasileiras, um sistema que fosse, na política, tão avançado quanto o é na técnica de votação em país continental. Não se conseguiu a remoção da figura do suplente de senador, mas apenas um remendo: suplente não pode ser parente. O voto continuou obrigatório. Sequer foram debatidas duas questões que poderiam superar alguns riscos de colapso do sistema em vigor: o voto distrital, este nem colocado como opção às eleições proporcionais com lista fechada (essas disputaram com uma invenção pemedebista, o distritão); e as prévias eleitorais obrigatórias, que poderiam ter contribuído mais para o fortalecimento dos partidos do que todas as medidas de fidelidade impostas pela Justiça.
O voto distrital está muito relacionado ao projeto de um partido, o PSDB, e por esta razão tem caído no buraco negro da disputa política, que não deixa o sistema sair do lugar. Quanto ao segundo tema, capaz de levar algum equilíbrio aos problemas que emperram as organizações, aumentam as divisões internas dos partidos, provocam as lutas fratricidas, multiplicam e fragmentam o quadro partidário, nem de longe foi tocado. Fugiram os políticos brasileiros da instituição das eleições primárias, as prévias, que relutam a implantar por desapreço à democracia interna, mesmo que restrita.
Vistas hoje como salvação, as prévias não só não foram consideradas uma solução importante para os partidos como estão em risco de retrocesso na única legenda que a adota de forma regulamentar, o PT.
O ex-presidente Lula, invejoso do autoritarismo partidário que vê à sua volta, trabalha para o PT evitar as prévias na escolha dos candidatos das eleições municipais de 2012. Na verdade, Lula quer ficar livre de qualquer restrição para fazer o que quiser na sucessão em São Paulo, prefeitura e Estado, que definiu como prioritários na sua cruzada eleitoral pós-governo. Mas o partido ainda não aquiesceu e tem discutido o contrário, o aperfeiçoamento do mecanismo.
A prévia, vista como a única forma de dar bom senso e racionalidade à escolha dos candidatos e de aplacar as disputas internas entre os que consideram inalienável o direito à candidatura, é o que pode evitar a destruição de biografias e reputações, as lutas fratricidas, a fragmentação do partido e a multiplicação de legendas instituídas só para abrigar uma candidatura.
Ao contrário do que defendem os grandes partidos, a forma de resolver o problema não está na cláusula de barreira. O ideal é a eleição primária.
O PT, apesar da força do ex-presidente e a óbvia aceitação de suas teses, vai tentar preservar as prévias em seu novo Estatuto e Código de Ética, conjunto de princípios em fase de análise e revisão por uma comissão de 17 membros do Diretório Nacional.
Já está decidido que as prévias serão mantidas nas regras, com alguns novos critérios. Essas, ensina o partido que melhor as conhece e pratica, no Brasil, não podem ser uma decisão individual. Não pode haver um candidato de si mesmo. Por enquanto, as discussões apontam a exigência de apoio de 40% do partido para que um candidato desafie outro. Ou seja, praticamente tem que a agremiação estar dividida ao meio para justificar-se a disputa.
O Estatuto, feito quando o partido ainda se organizava em núcleos, está anacrônico. A estrutura interna já mudou e outras correções pontuais da legislação eleitoral, já aprovadas ou em processo de aprovação no Congresso Nacional, indicam a necessidade de novas reformulações.
O debate vem sendo travado há dois, três meses, e continuará até o congresso partidário, em setembro, quando os novos princípios serão aprovados. Está certo o PT. Se for esperar pela reforma política, não avança.
Outras regras que o destacam como organização também serão aperfeiçoadas pelo PT. Ainda em discussão, e muito polêmica, por exemplo, há a norma de registro online, em tempo real, de todas as doações de campanha, para todos os candidatos, em todos os níveis. Discute-se a fixação de um tempo máximo de permanência na direção do partido: dois mandatos seguidos, ou três alternados. Lula e José Dirceu, por exemplo, ficaram muito mais tempo do que isso.
O regimento já não está dando conta, também, de determinados processos eleitorais. Em todas as disputas, impugnações as vésperas dos pleitos vão atravessando as instâncias partidárias municipais e estaduais até parar no diretório nacional, sem possibilidade de julgamento antes das eleições. São minúsculas querelas que lotam o espaço nacional do partido.
O PT, considerado o mais orgânico partido do Brasil, está buscando um regimento resumido quanto aos princípios e genérico no processo, para dar modernidade e agilidade à organização e ação. Experiência que poderia servir às demais agremiações que queiram dar realismo e objetividade à reforma do sistema eleitoral, apesar do que se encena no Senado e na Câmara.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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