Momento político difícil o atual em que a presidente Dilma Rousseff enfrenta sua primeira crise no cruzamento de várias questões importantes. A crise Palocci, o conflito do Código Florestal, a exigência do PMDB por mais nomeações, a pressão por mais gastos dos restos a pagar, a inflação. Ela precisará agora entrar diretamente na administração das diversas frentes de combate.
O enfraquecimento diário do ministro que ocupa posição-chave no seu governo escala o tamanho das crises. É exatamente essa desidratação de Antonio Palocci que gerou ou ampliou os outros problemas. A demora das suas explicações para o salto do seu patrimônio elevou a dimensão da crise, em vez de dissolvê-la como os seus estrategistas calcularam.
Temas de natureza diversa se cruzaram, agravando cada um dos problemas. Com Palocci na berlinda, ficou reduzida sua capacidade de administrar a fragmentada base política. O governo estava segurando nomeações de políticos e tentando anular as emendas parlamentares que estão nos restos a pagar. Como o governo está mais fragilizado, aumentam as pressões por nomeações políticas. Para combater o risco inflacionário, uma das armas seria conter gastos públicos, e o governo já deu sinal de que cederá nos restos a pagar. Palocci havia comandado a reação do governo às pressões pelas propostas mais nocivas na reforma do Código Florestal. O governo agora está sem capacidade de resistir e vendo sua base inteiramente partida nesse assunto.
A pneumonia dupla da presidente não foi adequadamente comunicada ao país, o que alimentou, nos últimos dias, temores de que houvesse notícias ainda não reveladas sobre sua saúde. Obviamente era preferível ter dado toda a informação sobre a gravidade da pneumonia em vez de incorrer no velho erro dos políticos de divulgar uma versão light sobre a saúde das autoridades.
Tudo isso se juntou nos últimos dias para dar uma sensação de governo precocemente enfraquecido e na berlinda, tendo que escolher entre opções igualmente ruins. Crises sempre acontecem em qualquer governo, esta acontece cedo e com um enorme grau de complexidade. A presidente será testada na sua capacidade de desfazer os nós.
Uma boa forma a evitar uma sequela irreversível da crise é trabalhar para adiar a votação das propostas de mudanças no Código Florestal. O ambiente está contaminado por inúmeras questões políticas, não é a hora de decidir questão tão fundamental para o nosso destino.
O país viu ontem um fato político expressivo, inédito: todos os dez ministros que ocuparam a pasta do Meio Ambiente em governos, partidos e regimes diferentes assinaram uma carta aberta à presidente da República. Oito deles deram uma entrevista coletiva em que expressaram de forma contundente sua convicção de que aprovar a mudança no Código Florestal de 1965 como foi proposto pelo relatório do deputado Aldo Rebelo é um retrocesso. Pior ainda ficará o projeto se for aprovada uma emenda que se prepara no PMDB ruralista.
Anistia a quem desmatou até 22 de julho de 2008, transferência de alguns poderes de definição da Áreas de Preservação Permanente para os estados, enfraquecimento do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Essas são algumas das medidas que, na comparação forte do ex-ministro do Meio Ambiente e da Amazônia no governo Itamar Franco, Rubens Ricupero, se o país adotar será como aprovar uma lei antiabolição.
O avanço na área ambiental foi passo a passo. Cada ministro a seu tempo lutou sua luta e agregou um dado a mais na legislação ambiental brasileira. Paulo Nogueira Neto foi chefe da Secretaria de Meio Ambiente, antes de haver ministério, de 1973 a 1985. Naquele tempo, a ala forte do governo veiculava em anúncio a promessa: "vamos vencer o inferno verde". A Amazônia era o que eles consideravam o "inferno verde". Paulo Nogueira com uma visão completamente adiante do seu tempo criou várias APAs, Áreas de Preservação Ambiental, e instituiu o Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama. Seria uma contradição, disse a ex-ministra Marina Silva, na cerimônia do Viva a Mata, no Ibirapuera, em São Paulo, enfraquecer durante a democracia um conselho deliberativo para a participação da sociedade, que Paulo Nogueira Neto conseguiu criar em pleno governo militar. Mas é isso que corre o risco de acontecer.
Nunca, em nenhuma área, houve a reunião de todos os ministros que ocuparam uma pasta na defesa do mesmo conjunto de valores. Faltou apenas a assinatura de José Lutzenberger. Ele já é falecido, mas se vivo estivesse, mais barulho ainda faria, como era de seu estilo.
A presidente Dilma ficou de recebê-los hoje, dia também previsto para a votação da mudança no Código. Já disse que não aceitará anistia a quem desmatou ilegalmente até 22 de julho de 2008, como está na proposta de Rebelo. Também defendeu que as concessões a pequenos agricultores sejam feitas em texto à parte. É a melhor forma de evitar que os médios e grandes se aproveitem de mudanças feitas para beneficiar a pequena propriedade.
O ambiente político está muito poluído. Não é hora de votar algo tão decisivo.
FONTE: O GLOBO
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