O anúncio de que a Grécia fará um referendo para decidir sobre o plano de resgate acertado com a União Europeia derrubou as bolsas de valores em todo o mundo e já ameaça o futuro da zona do euro. A decisão da consulta popular foi do premier Georges Papandreou e deve tomar boa parte das negociações na reunião do G-20, que começa amanhã em Cannes, na França. Apanhados de surpresa, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy, que se empenharam para liberar um segundo pacote de socorro à Grécia no valor de € 109 bilhões, convocaram reuniões de emergência para discutir uma saída para a crise. Especialistas já temem um desgaste político na região que poderia levar até à saída da Grécia do euro, moeda única adotada em 17 países da região. Em Frankfurt, a queda da Bolsa foi de 5%. Em Milão, baixa de 6,8%. O c1ima de desconfiança não poupou o Brasil. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que chegou a cair 3,84% durante o dia, fechou em queda de 1,74%. O dólar também subiu 1,94% e foi cotado a R$ 1,736.
Tragédia grega, segundo ato
Referendo sobre pacote de resgate na Grécia aprofunda crise na zona do euro e abala mercados
Oanúncio do premier grego, Georges Papandreou, de que irá consultar a população, por meio de um referendo, sobre o acordo de seu governo há menos de uma semana com os parceiros europeus provocou um abalo entre os 17 países da zona do euro e pôs em dúvida o resgate da Grécia e o futuro do país na zona do euro. Pegos de surpresa, os governos alemão e francês - principais avalistas do acordo que garantiu a Atenas um segundo pacote de ajuda - reagiram com irritação. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, conversaram ontem por telefone e fizeram reuniões de emergência com os respectivos gabinetes. O anúncio também abalou os mercados em todo o mundo, especialmente as ações de bancos que possuem bônus soberanos de Grécia e outros países da zona do euro mergulhados na crise da dívida.
Hoje, véspera da reunião do G-20 - grupo das 20 maiores economias do mundo -, cujo tema central será justamente a busca de soluções para a crise da dívida da zona do euro, Sarkozy e Merkel tentarão fazer uma reunião de urgência, em Cannes, na França, com instituições envolvidas nas negociações com a Grécia e o próprio Papandreou, para pressioná-lo a cumprir o acordo. "A França está determinada a garantir, com seus parceiros europeus, a implementação completa, no prazo mais rápido possível, das decisões adotadas pela cúpula (realizada no dia 27 de outubro)", anunciou ontem o gabinete francês em nota.
Ontem à noite, porém, o porta-voz do governo grego, Angelos Tolkas, reiterou que Papandreou vai realizar o referendo sobre o pacote de ajuda da União Europeia (UE) e sua contrapartida, as impopulares medidas de austeridade, rejeitadas pela maioria dos gregos e que desencadearam greves e violentos protestos no país. No acordo acertado em outubro, o país levaria a segunda parcela de ajuda, de 109 bilhões e receberia o perdão de 50% de sua dívida nas mãos de credores privados - o que estima-se em 100 bilhões. Em troca, daria continuidade ao plano de cortes de gastos, incluindo redução de salários de servidores, e aumento de impostos. Segundo Tolkas, o premier também vai se submeter a um voto de confiança do Parlamento grego. O porta-voz acrescentou que Papandreou se reuniu com seu gabinete para organizar os dois referendos. Já o jornal grego "Proto Thema" revelou que o ministro da Saúde, Andreas Loverdos, e outros dois membros do gabinete pediram ao premier que desistisse do referendo.
Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, o premier grego quer pressionar líderes da zona do euro com o referendo e conseguir, mais à frente, uma condição melhor de socorro à Grécia. Nas contas de Borges, o calote da dívida privada grega permitiria reduzir de 150% para 120% a relação entra a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2020. Essa proporção permaneceria, portanto, insustentável.
- Qualquer proporção entre dívida e PIB acima de 90% é preocupante. A situação da Grécia continuaria insustentável, ao mesmo tempo em que o país teria que fazer os grandes cortes de gastos que têm provocado a pressão popular interna - diz Borges.
Para ele, o caminho para a Grécia seria renegociar o calote de sua dívida para 80%, o que significaria deixar de pagar algo como 160 bilhões a credores. Isso reduziria para 70% a proporção entre dívida e PIB do país. Ele lembra que seria um calote semelhante ao aplicado pela Argentina, que deixou de pagar 78% da sua divida em 2001:
- Isso permitiu à Argentina, após uma forte recessão, voltar a crescer. A Grécia precisa sair pelo mesmo caminho. Só não poderia ser um calote desordenado, sem negociações com outros governantes e credores, o que provocaria fortes perdas nos mercado de ações.
O premier grego também enfrentou resistência em casa. Além de divisões nos partidos da base governista, o líder da oposição, o conservador Antonis Samaras, defendeu a antecipação das eleições. Até mesmo o ministro de Finanças, Evangelos Venizelos, não foi avisado da decisão de Papandreou acerca do referendo. Ele não participou da reunião emergencial de gabinete, tendo sido hospitalizado com dores estomacais.
Bovespa cai 1,74% e dólar sobe 1,94%
Muitos gregos viram a iniciativa do referendo como uma chantagem política de Papandreou para aprovar as duras medidas de austeridade. Uma pesquisa realizada no fim de semana mostrou que quase 60% dos gregos são contra o acordo de resgate externo, sugerindo que os eleitores no possível referendo dirão "não" ao pacote de ajuda financeira.
- Este referendo é um blefe. Eles estão apenas zombando de nós - disse Emanuel Papadopoulos, um gari de 50 anos.
Com o alto teor de insatisfação na Grécia após as duras medidas de austeridade, analistas temem que os gregos votem contra a ajuda externa e empurrem o país para o buraco.
- É um absurdo. Agora eles colocaram a bola na nossa quadra, mas decidir não é a responsabilidade deles? - questionou Haris Velakoutakou, um guia turístico de 64 anos. - O que é isso? Eles deveriam ter feito esse referendo desde o princípio, antes que todas essas medidas de austeridade fossem tomadas.
O efeito nos mercados foi devastador. O Ibovespa, índice de referência da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), registrou queda de 1,74%, aos 57.322 pontos. As bolsas da Europa desabaram: Londres caiu 2,11%, Paris recuou 5,38%, Frankfurt tombou 5%; e Milão, 6,8%. Os bancos europeus, com grande exposição aos títulos da dívida grega, puxaram as baixas. Em Paris, BNP Paribas caiu 13,06% e o Société Générale, 16,23%. Em Frankfurt, o Deutsche Bank perdeu 7,97%. Nos EUA, o Dow Jones recuou 2,48%, o S&P 500 caiu 2,79% e o Nasdaq, 2,89%.
O Ibovespa chegou a cair 3,84% na mínima do dia. Rumores de que o referendo poderia ser engavetado, após declarações de um integrante do partido governista grego à agência Dow Jones Newswires, contribuíram para reduzir perdas no meio da tarde, mas o porta-voz Angelos Tolkas confirmou as intenções do governo pouco antes do fechamento dos pregões. Com investidores estressados, o dólar se valorizou nos mercados de câmbio. O euro recuou 1,12% perante a moeda americana, segundo a agência Bloomberg News. No Brasil, o dólar comercial avançou 1,94%, a R$1,736, após subir 3,46% na máxima da manhã.
- O mercado subiu em outubro embalado pelas negociações sobre a Grécia e a aprovação de um acordo por líderes da zona do euro. E agora, de repente, tudo pode ir por água abaixo - diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco WestLB do Brasil.
Colaboraram Vinícius Neder e Bruno Villas Bôas, com "El País", Bloomberg News e agências internacionais
FONTE: O GLOBO
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