sábado, 9 de março de 2013

Colapso e caos - Míriam Leitão

É preciso reconhecer: o Brasil está vivendo o caos na prestação dos serviços públicos e um colapso regulatório. Isso é resultado direto da falta de compreensão do que faz o Estado no seu papel de regulador. O governo desprezou as agências como se fosse "terceirização" dos seus poderes, tirou delas autonomia, nomeou apadrinhados, desvirtuou processos.

Hoje, as agências, seja em que área for - água, transporte aéreo de passageiro, energia elétrica, petróleo, telecomunicação -, alternam períodos longos de inação e omissão com fases de fúria arrecadatória. Multam as empresas e ameaçam. Mas o dinheiro acaba virando um novo imposto, que enche os cofres do governo e não resolve o problema de quem consome os serviços.

No domingo à noite, dia 24 de fevereiro, o aeroporto de Brasília viveu uma situação bizarra. Todo o sistema caiu. Os cartões de embarque foram preenchidos à mão. As televisões estavam apagadas e ninguém sabia onde era seu portão. Na sala de embarque, os passageiros tinham que conferir em cartazes pregados em cada portão os números dos voos. Nos dias seguintes, houve mais três quedas de energia no mesmo aeroporto.

No começo, era só equívoco ideológico. O PT achava que o PSDB quando criou novos marcos regulatórios para setores privatizados queria acabar com o Estado. O Estado moderno precisa ter agências que regulem setores. A não regulação é perigosa porque entrega às empresas o mercado como sesmaria. A regulação só governamental já criou muita distorção no passado.

As agências precisam ser independentes, não podem ter diretores nomeados pela chefe da regional paulista do gabinete da Presidência, com poderes que exorbitavam as suas funções. Há empresas privadas dividindo mercado com empresas públicas, autonomia e neutralidade das agências é fundamental.

Há momentos que a gente sente é que o país parou de funcionar. Falo de casos reais: uma conversa precisou de cinco ligações e mesmo assim terminou inconclusa. Uma empresa provedora de internet não consegue há dias explicar aos usuários - que pagam o maior preço para terem a maior velocidade - porque não entrega a mínima estabilidade de conexão. A luz acaba a qualquer chuva e demora tempo inexplicável para voltar. Quem nunca viveu situação kafkiana com as prestadoras de serviço tem muita sorte. A sucursal do GLOBO em São Paulo, ontem, antecipou fechamento porque corria risco de ficar sem luz depois do temporal que caiu à tarde. Só seria possível trabalhar enquanto houvesse diesel nos geradores do prédio. À noite, ainda não chegava energia da concessionária.

As empresas aéreas estão extorquindo viajantes. Trocar passagem mesmo que seja para voo em data futura tem custo tão alto quanto um novo bilhete. O passageiro é induzido a comprar outra passagem e pedir reembolso. As companhias só devolvem quando querem. Pode chegar a 90 dias. Pode levar um ano. Como se chama ficar com o dinheiro alheio sem autorização e sem remunerá-lo? Minha sugestão é que seja usada a palavra furto. Vende-se tarifa a um preço altíssimo para quem tem uma emergência, mas o consumidor pode ser surpreendido com o cancelamento do seu voo.

O Rio - mais de 40 graus - sofreu dias com falta de água em alguns bairros porque a estatal de água culpou a empresa de energia pelos picos de falta de luz que desorganizaram o fornecimento. E não apareceu governo que avisasse às duas litigantes que concessionário tem que prestar o serviço. E ponto final.

A nós consumidores cabe pagar as contas, e isso temos feito. Mas estamos todos fartos dos maus serviços e da completa omissão das agências reguladoras aparelhadas que viraram caixa registradoras do governo. Ou coisa pior. Esqueçamos Copa e Olimpíada, o problema é urgente: a incompetência está se espalhando como metástase pelos serviços públicos.

Fonte: O Globo

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