Quando insistimos na necessidade de uma agenda estratégica, somos contestados pela visão reducionista de que basta ao nosso país uma gerência eficiente. Estamos vendo agora o resultado da separação entre estratégia e gestão: a excelência gerencial que anunciaram naufraga na enchente de problemas derivados da falta de planejamento.
As evidências estão em setores nos quais supúnhamos ter avançado. É o que mostra o relatório do Banco Mundial sobre o Sistema Único de Saúde, noticiado por esta Folha. Analisando mais de duas décadas dessa conquista histórica do povo brasileiro, o SUS, o relatório revela que os problemas da saúde pública não decorrem apenas da falta de verbas. Não esconde essa falta, pois mostra que o investimento público em saúde, de 3,8% do PIB, é inferior à média dos países em desenvolvimento, mas constata que o atendimento pode melhorar com mudanças na gestão.
Vivemos nos extremos. Os grandes hospitais estão superlotados, enquanto as unidades com menos de 50 leitos, que cobrem 65% do sistema, vivem quase sempre vazias, por motivos que incluem a falta de médicos especializados e de condições para atender às populações locais.
Boa parte das emergências poderia ser atendida em unidades básicas, cujo crescimento estagnou nos últimos anos. Conheço o problema na prática, por isso sempre insisti na importância de fortalecer o Programa de Saúde da Família e tornar o sistema mais humano e personalizado. Essa é uma definição estratégica que se traduz em investimentos na formação de médicos generalistas, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários que trabalhem de forma integrada junto da população.
A melhoria na gestão inclui necessariamente o combate à corrupção. Reportagens recentes na TV mostraram o desvio de verbas em acordos de cooperativas e Oscips com várias prefeituras. Precisamos de mecanismos que garantam a visibilidade desses processos e o acompanhamento da população e órgãos de fiscalização.
O SUS é uma conquista nossa, devemos cuidar dele e aperfeiçoá-lo. E isso é parte do esforço para reformar o Estado brasileiro. O mesmo combate deve ser travado em atividades como a produção de alimentos e de energia, nas quais muita riqueza se perde no caminho (ou na falta destes) até o usuário.
No final das contas, o Estado deve tornar-se mais responsável no uso dos impostos. E os governos não podem continuar acenando com o chapéu do contribuinte, em prejuízo de seus direitos, repetindo comportamentos perdulários que se agravam, como sabemos, em períodos eleitorais. Em todos os setores, a mudança exige tratamento continuado. Na saúde, terapia intensiva.
Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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