quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Tereza Cruvinel: Mateus, primeiro os meus

Anunciada a posse de três ministros do PT na segunda-feira, o Planalto captou uma irritação subterrânea no PMDB, onde o que se ouve, em resumo, é o seguinte: ela resolveu rapidamente a substituição dos petistas nas pastas mais importantes do governo, mas deixou o PMDB pendurado no pincel. Prometeu retomar a conversa com os peemedebistas sobre a reforma logo que voltasse da viagem a Davos e Havana, mas, até ontem, não lhes havia dado satisfação. Dilma, que até já preparava o discurso para a solenidade em que empossará os petistas Aloizio Mercadante na Casa Civil, José Henrique Paim no MEC e Arthur Chioro na Saúde, agora tenta mover alguma pedra no tabuleiro para incluir na posse algum ministro de outra sigla. De preferência, do PMDB.

A relação com o partido passa por um dos piores momentos desde que o PMDB passou a integrar a base de apoio a Lula, em 2006, fornecendo depois o candidato a vice na chapa de Dilma em 2010. Antes da viagem dela, os peemedebistas reagiram, tocando tambores num jantar, ao recado dela de que não seria possível atender ao pedido por uma sexta pasta no governo porque precisava contemplar outros aliados, como o PSD e o PTB. Diante da reação exaltada, ela pediu calma, por meio de Michel Temer, prometendo retomar a conversa logo que chegasse do exterior. O PMDB, segundo um de seus próceres, achou que isso aconteceria ontem, primeiro dia de trabalho da presidente após o retorno, deparando-se, porém, com os preparativos para a posse dos petistas. Dilma pode não dar ao partido mais um ministério, como a cobiçada Integração Nacional, mas poderá fazer oferecer uma troca vantajosa: a entrega da pasta desejada em troca de uma menos expressiva, como Turismo ou Portos, para ser destinada ao PSD ou ao PTB. Essa seria uma proposta aceitável, mas duas outras situações não seriam admissíveis, diz o cacique: ficar o PMDB apenas com o que já tem, ou trocar seis por meia dúzia. Turismo por Portos, por exemplo.

No plano eleitoral, as coisas também vão mal. É grande o mal-estar no Maranhão, onde o não apoio do PT ao PMDB ofenderia o principal fiador da aliança, o senador José Sarney, que tanto se expôs em defesa do governo petista e do ex-presidente Lula nos piores momentos. No Rio, os petistas desembarcam amanhã do governo de Sérgio Cabral, tornando irreversível a candidatura do senador Lindbergh Farias. Cabral vem dando sinais contraditórios. Ele vai entregar as duas secretarias ocupadas pelo PT a apoiadores de Aécio Neves, do Solidariedade e do PSD. Mas ontem afirmou que, no plano nacional, continuará apoiando Dilma. Isso ainda terá de ser conferido.

Afora a repercussão negativa da escala em Lisboa, Dilma retornou tendo que enfrentar um verdadeiro pepinal: a reforma ministerial e seus espinhos, a crise cambial que já afeta o real, os protestos contra a Copa, o risco de derrubada de seu voto à criação de municípios. Parece ruim, não? Nada disso tisna-lhe o desejo de se reeleger. Nada disso demove os que querem a cadeira dela. Eles, que provam do poder, é que podem explicar o que tem de tão bom.

A viagem de Dilma não foi um "rolezinho", como diz o PSDB. A missão em Davos foi bem cumprida e a agenda em Cuba, não apenas bilateral. Houve uma reunião continental. O erro do governo com a escala em Lisboa não se prende ao preço do hotel em que ela pernoitou ou do restaurante em que jantou, segundo ela, pagando a própria conta. O problema foi a tentativa de ocultar, antes do fato consumado, o destino da presidente. O desejo de alguma privacidade é compreensível, mas a exposição permanente e o assédio da imprensa também são ossos do poder.

Novos tempos, velhos tempos
Se o PTB ganhar um ministério, estará na aliança nacional que apoiará Dilma, declarou na semana passada o senador petebista Armando Monteiro. Ele diz, com pernambucana franqueza, o que os outros partidos dissimulam. Foi o PTB que reinstaurou, no fim da ditadura, o primado do que para alguns é o raso fisiologismo, para outros, construção da governabilidade por meio de coalizões. Em outras democracias, quando o partido governante não tem maioria parlamentar, recorre também às alianças. A diferença está no que cada um faz com o naco de Estado que abocanha: aparelhamento com fins eleitoreiros ou boa execução de políticas públicas, ainda que buscando aprovação e voto. Agradar para representar e reinar, é o que buscam todos os partidos.

Na eleição de 1982, o PDS, partido da ditadura, perdeu a maioria na Câmara. O governo do presidente Figueiredo aproximou-se do PTB, recriado por Ivete Vargas na reforma partidária de 1979, passando a perna em Brizola, que teve então de criar o PDT. Numa tarde de 1983, Ivete reuniu a bancada em seu apartamento para relatar a conversa com o ministro-chefe do Gabinete Civil, Leitão de Abreu. Jovem repórter atrás de furos, subi pela escada de serviços e ouvi a conversa atrás da porta, conduta hoje discutível, mas corrente naqueles tempos bem mais difíceis para a imprensa. O acordo era escandaloso, num tempo em que o regime premiava aliados, mas não negociava no balcão. Em troca do apoio dos 42 deputados petebistas, Ivete exigiu e ganhou a Cobal de porteira fechada, afora outros cargos. Até hoje, os partidos brigam pela Conab, sucessora da Cobral. Com a maioria refeita, o governo conseguiu derrotar a emenda das Diretas um ano depois.

Feita a reminiscência, voltemos ao PTB no contexto atual. O PT vem admitindo o apoio à candidatura do senador petebista ao governo de Pernambuco. Ele é o melhor colocado nas pesquisas e, com o apoio do PT, terá mais chances de derrotar o candidato da Frente Popular, liderada pelo governador e presidenciável Eduardo Campos, do PSB. Para aumentar seu tempo de tevê e ter o apoio de um candidato que ameaça o adversário no próprio terreiro, Dilma dará ao PTB muito mais do que a Cobal: a Secretaria de Portos ou o Ministério do Turismo. Tudo como antes e sempre.

Fonte: Correio Braziliense

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