• No plano estratégico, governo de Israel não dá a menor chance a qualquer acordo de paz que contemple minimamente as aspirações nacionais dos palestinos
- O Globo
A "guerra assimétrica" de Israel com os palestinos, na sua mais recente rodada provocada pelo Hamas mas no contexto da opressão, repressão e desesperança cultivada por Bibi Netanyahu, contém uma coleção de paradoxos. Israel não alveja, deliberadamente, civis em Gaza, mas está matando-os aos montões. Hamas dispara foguetes de forma indiscriminada — até porque têm limitada precisão — e só conseguiu matar três civis, mas a invasão lhe deu a oportunidade de infligir, até agora, três dezenas de baixas militares a Israel. A rede de túneis ofensivos do Hamas justifica uma operação terrestre para neutralizá-los. A resposta aérea contra foguetes pouco efetivos em função do sistema antimísseis Iron Dome é, de fato, excessiva, uma vez que não há como efetuar esses bombardeios no tecido urbano mais denso do mundo sem atingir não combatentes, mulheres e crianças em grande quantidade.
Um governo de Israel minimamente preocupado em explorar uma chance de paz exerceria uma ação militar mais contida, priorizando a ameaça dos túneis. Sobretudo já teria tomado, preventivamente, iniciativas políticas em relação às horríveis condições de vida da população de Gaza: proibição de portos e aeroportos, fechamento de fronteiras, proibição da pesca, etc. Teria evitado as prisões na Cisjordânia de centenas de pessoas sem nenhuma ligação com o assassinato de três adolescentes judeus. No plano tático, Netanyahu adota os princípios de castigo coletivo e generalizado à população palestina e de uma resposta bélica desproporcional. No plano estratégico não dá a menor chance a qualquer acordo de paz que contemple minimamente as aspirações nacionais dos palestinos. A política de Israel é manter o status quo, de fato, do Grande Israel, do Mediterrâneo ao Jordão, com um regime de apartheid na Cisjordânia, de cidadania de segunda classe em Israel e de uma opressão remota em Gaza.
Ao expandir incessantemente os assentamentos na Cisjordânia, Netanyahu inviabiliza a cada dia um pouco mais uma solução de dois estados, cujos contornos estão claros e minuciosamente detalhados desde o Protocolo de Genebra, em 2003, "negociados" por Yossi Beilin e Yasser Abed Rabbo e que também podem ser encontrados nos chamados Parâmetros Clinton. Ao não aceitar um governo de unidade palestina que poderia permitir ao presidente Mahmoud Abbas fazer evoluir o Hamas — que já há algum tempo aceita uma hudna, uma trégua de longa duração com Israel, em determinadas condições —, Netanyahu só enfraquece politicamente o presidente Abbas e só fortalece a ala mais radical do Hamas e as organizações ainda mais extremadas, como a Jihad Islâmica e os grupos vinculados à al-Qaeda.
O maior erro de avaliação de Netanyahu e seus aliados de direita e extrema-direita é acreditarem que o tempo joga a seu favor. O futuro desse Grande Israel, de fato, com uma futura maioria demográfica palestina, sem direito algum, oprimida pelos colonos e confinada em bantustões num contexto regional cada vez mais favorável ao extremismo religioso, é assustador para qualquer pessoa minimamente lúcida. Mas o governo de Israel praticamente não possui mais gente assim, com a exceção — relativa — da ministra da Justiça, Tsipi Livni.
Por tudo isso, a crítica do governo brasileiro à política de Netanyahu é correta, embora a medida de convocar nosso embaixador seja questionável pela falta de simetria e coerência com atitudes (ou não atitudes) em relação a outras situações, algumas ainda piores, como o caso da Síria, por exemplo. Lá Bashar al Assad matou não 800, mas 150 mil civis! Vladimir Putin é responsável, em última análise, pela criminosa derrubada de um avião de passageiros, já que equipou seus rebeldes na Ucrânia com as armas mais modernas. Foi recebido como grande estadista na recente reunião do Brics. Já na Venezuela, a repressão come solta e dezenas de jovens foram mortos sem a menor reprimenda. Falemos claro: o governo de Netanyahu, coveiro de qualquer esperança de paz, merece condenação pelo conjunto da obra. Mas já que agora, ao contrário da nossa tradição, queremos exercer uma diplomacia ativista, não devemos cultivar dois pesos e duas medidas. Vale para Netanyahu? Deve valer para Putin, Assad e Maduro.
Alfredo Sirkis é deputado federal (PSB-RJ)
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