sexta-feira, 6 de março de 2015

Vinicius Torres Freire - O ajuste fiscal vai às ruas

• Apenas Cide, conta de luz e IOF vão tirar do consumo o equivalente a um ano e três meses de Bolsa Família

- Folha de S. Paulo

O barraco na praça dos Três Poderes e o listão dos parlamentares dominam as conversas daquilo que um dia se chamou de "formadores de opinião" (formam a opinião uns dos outros). Devem afetar também o povo que assiste a tudo isso bestificado ou enojado, mas que em geral tem mais o que fazer ou acompanha essas turumbambas a uma distância desesperançada ou cínica.

Parece que pelo menos no momento se esquece que a vida fora do universo paralelo de Brasília anda bem prejudicada e piorando, o que, por fim, vai realimentar um dos motivos fundamentais da crise, o desprestígio popular da presidente Dilma Rousseff. Muito se trata das macroeconomias e políticas politiqueiras do ajuste fiscal, mas pouco se tem lembrado que a conta cai no lombo de pessoas reais. Somado aos efeitos da inflação, de outro ano de queda da renda nacional, de juros mais altos e menos empregos, o ajuste fiscal deve ter mais efeitos políticos do que o listão do Janot.

Uns três decretos de aumentos recentes de receitas podem tirar de empresas e consumidores o equivalente ao gasto de um ano e três meses de Bolsa Família. Ou a 75% de toda a massa de salários paga em um mês nas seis maiores regiões metropolitanas do país. Como esses talhos de renda têm efeitos secundários (são "multiplicados"), o estrago é muito maior.

Por exemplo, considere-se a Cide, o impostos dos combustíveis. A gasolina 22 centavos mais cara não causa uma revolução, embora o aumento do diesel tenha contribuído para agitar caminhoneiros. Combustível mais caro causa uma irritação difusa, menor, embora perceptível em redes sociais. Mas, no "agregado", tudo somado, contribui para um talho anual de mais de R$ 17 bilhões no bolso de quem consome esses combustíveis (o governo federal deve arrecadar uns R$ 12,2 bilhões com a volta desse imposto, pois transfere parte dessa receita para Estados e municípios).

Uma paulada mais visível será a das contas de luz, embora a gente ainda nem saiba o tamanho final dos reajustes. Sabe-se que o governo pretende cancelar todos os subsídios que bancava com mais dívida, no final das contas. Ou seja, o governo vai deixar de gastar repassando ao consumidor a conta dos dinheiros que passava às empresas de energia. No ano passado, foram quase R$ 12 bilhões. Neste ano, na estimativa do projeto de Orçamento, o gasto iria a R$ 9 bilhões (a conta total desse fundo de despesas do setor elétrico, CDE, é de R$ 22 bilhões para este ano). Há gente no governo a dizer que a paulada, no final das contas, deve chegar a pelo menos R$ 10 bilhões.

O aumento do IOF, do imposto sobre operações financeiras, parece quase invisível diante da conta de juros aberrante de qualquer financiamento no Brasil. No entanto, no fim das contas tira mais de R$ 7 bilhões do "setor privado".

Cide, IOF e conta extra de luz, somados, dão, portanto, uns R$ 34 bilhões. Uma conta que vai recair sobre uma população que estará na média mais empobrecida (o PIB per capita vai cair outra vez), ainda que um ou outro grupo de trabalhadores ainda empregados possa ter algum aumento real de salário.

Mas a conta não vai parar por aí. Nem a dos impostos, nem a do custo político.

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