• Partindo apenas das declarações à imprensa da presidente, teríamos que ela atentou contra a probidade administrativa por omissão
- Folha de S. Paulo – 5/3/2015
Antes do enfrentamento do tema, duas desmitificações:
1) impeachment não é golpe, e jurista que pede sua aplicação não é plantonista de soluções antidemocráticas. O impeachment é instrumento expressamente previsto na Constituição (art. 52, I e II), cabível quando certas autoridades --entre elas o Presidente da República-- cometem crime de responsabilidade;
2) mídia não é sinônimo de oposição; quem as iguala não faz mais do que expressar a convicção de que se deva adotar o controle da imprensa (e o amordaçamento da liberdade).
Há, sim, condições jurídicas amplas para deflagrar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A denúncia de um presidente por crime de responsabilidade é iniciativa do cidadão (lei nº 1.079/50). Deve a denúncia ser acompanhada de documentos que constituam início de prova ou indício de prática criminosa. A denúncia não tem de carrear prova definitiva; há, no processo, fase probatória para esse fim.
No plano material, a configuração dos crimes de responsabilidade repousa no artigo 85 da Constituição. Mas se complementa com a tipificação consagrada na lei nº 8.492/92 --a qual diz claramente que se comete ato de improbidade administrativa não só por ação mas também por omissão (art. 10, dentre outros)-- e na Lei Anticorrupção.
Se tomássemos como elemento de prova apenas as declarações à imprensa da presidente, teríamos que, ao menos por omissão --grave e repetitiva--, atentou ela contra a probidade administrativa e a integridade do patrimônio público.
A presidente já ocupou cargo na administração superior da Petrobras (votou, por exemplo, em favor da ruinosa aquisição da refinaria de Pasadena), foi ministra de Estado em áreas afetadas pela petrolífera (e por seu sistema empresarial), designou executivos hoje comprovadamente larápios da grande empresa; nomeou uma presidente para a empresa que não coibiu o desastre.
E, enquanto o erário sangrava e a Petrobras perdia valor, nada se fez, até que, afinal, tudo explodiu nos noticiários e no Congresso.
Em suma, conquanto tenha talvez faltado ao Ministério Público vontade política para apontar o dedo à presidente, saem seu partido e ela seriamente atingidos do mero relato das falcatruas apuradas.
O que temos em mãos não são artifícios oposicionistas: as denúncias apresentadas confirmam que dinheiro público foi sistematicamente utilizado para subornos milionários. A isso não se pode responder com o silêncio ou com a evasiva.
Não temos dúvida em afirmar que jamais houve na história do presidencialismo brasileiro, nem mesmo na época do mensalão, tanta imoralidade e deterioração. E de nada adianta a presidente dizer que a corrupção da Petrobras começou ao tempo do presidente Fernando Henrique Cardoso --assim fosse, era dever ainda maior dos posteriores presidentes, ela incluída, bloquear desmandos, corrigir, punir e mostrar decisão. Nada disso se fez até aqui.
Note-se: o que se condena é a omissão repetida por anos a fio, permitindo o advento da catástrofe.
Vive o Brasil um momento crítico, em que a credibilidade nas instituições públicas baixou a patamares jamais entrevistos. A falta de decoro desgasta instituições e alimenta sementes do autoritarismo. A isso soma-se o fantasma da impunidade. Perdeu o país a compostura?
A recuperação da compostura é o que nos deve animar. Daí a rejeição da inviabilidade da iniciativa de impeachment. A nosso ver, o Brasil merece essa oportunidade de resgate.
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Sergio Ferraz, 78, advogado, é membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas
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