sexta-feira, 6 de março de 2015

Merval Pereira - A judicialização da política

- O Globo

Questão jurídica que cria problemas políticos é o que não falta no país nos últimos tempos. A razão da citação à presidente Dilma nos documentos enviados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que aparentemente poderia ser dispensável, seria que Janot entendeu que ao enviar ao ministro Teori Zavascki, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da Operação Lava-Jato, o teor das delações premiadas para serem homologadas, o assunto teria sido judicializado, e mereceria explicações a Zavascki no momento em que pediu a abertura de investigações sobre 54 pessoas.

O mesmo acontece com os sete pedidos de arquivamento, entre eles o do senador Aécio Neves. A rigor, os citados que o procurador julgou desnecessário investigar por considerar que as citações a eles eram frágeis e inconsistentes, poderiam não ser nem nomeados no documento oficial.

A citação seria uma espécie de explicação de Janot a Zavascki, que tomou conhecimento de todos os depoimentos, e sabe exatamente o papel de cada um nos fatos investigados. As defesas estão fazendo esforços para que o ministro Teori Zavascki decida divulgar todos os documentos sobre as 54 pessoas que o Ministério Público quer investigar, e mantenha o sigilo sobre os arquivamentos e, principalmente, a citação sobre a presidente Dilma.

O que criará mais confusão, e aumentará a desconfiança da opinião pública. Provavelmente não prevalecerá essa tese, mas estava sendo analisada ontem à noite. É mais que natural, portanto, a estranheza do Palácio do Planalto, e só a divulgação dos documentos poderá esclarecer em que situação o nome da presidente Dilma aparece, sabendo-se já que seu caso não está entre aqueles sete pedidos de arquivamento, que representam outra estranheza nesse início de procedimentos da Operação Lava-Jato no Supremo.

Se não existem inquéritos abertos, como se pode pedir arquivamento de uma coisa que não existe? No caso de Dilma, a situação é mais esquisita. Se o procurador-geral afirma que não pode investigar as citações à presidente devido ao parágrafo 4 do artigo 86 que diz que "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções", isso pode indicar que os fatos surgidos durante as delações premiadas de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa ocorreram quando Dilma era ministra e presidia o Conselho de Administração da Petrobras.

De fato, o presidente só pode ser processado por crimes comuns (inclusive corrupção) cometidos durante a vigência do seu mandato presidencial. O mesmo artigo 86 da Constituição diz que "admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade".

No caso de um crime cometido antes do mandato, a Constituição veda que ele seja processado por isso durante seu mandato. Nesse caso, seria interrompido o prazo de prescrição do crime, ou seja, não haveria nenhum prejuízo para que ele fosse processado depois de deixar o cargo. Essa eventualidade, é evidente, criaria uma crise política no país e dificilmente um presidente resistiria no cargo tendo sido acusado de um crime, mesmo anterior à posse.

Mas há fatos concretos que podem afetar a presidência de Dilma, na visão de alguns juristas. Ives Gandra já preparou um estudo afirmando que o impeachment da presidente Dilma pode ser pedido por improbidade administrativa com base na sua culpa, por negligência ou irresponsabilidade, quando presidente do Conselho de Administração da Petrobras, e que continuou quando, como presidente da República, não fez a intervenção necessária na Petrobras.

Já o jurista Modesto Carvalhosa afirma que a presidente incide em crime de responsabilidade no viés de prevaricação. Na sua opinião, ela infringiu frontalmente o Estado de Direito ao se negar a aplicar a Lei Anticorrupção contra as empreiteiras, na defesa da tese de que as empresas devem ser protegidas, pois geram empregos e investimentos, e apenas seus executivos deveriam ser punidos. Essas teses, no entanto, não são definitivas, haverá sempre uma tese jurídica oposta para ser apresentada. O decorrer da crise brasileira vai demonstrar que teses prevalecerão. Por enquanto, predomina a proteção à figura da presidente da República.

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