quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Inflação pode fechar o ano abaixo do piso da meta pela primeira vez

Com alta de 0,19% em agosto, mercado já prevê IPCA de 2,8% em 2017

Marcello Corrêa | O Globo

No início do ano que vem, o Banco Central pode ser obrigado a fazer um esclarecimento que seria improvável há alguns meses: explicar ao Ministério da Fazenda por que a inflação ficou tão baixa. Após o IBGE divulgar, ontem, que os preços subiram 0,19%, menos que o esperado para agosto, aumentaram as apostas de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) termine 2017 abaixo de 3%, o piso da meta para este ano, que é de 4,5%, com variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Esse tipo de prestação de contas seria inédito. A legislação que criou o regime de metas, de 1999, prevê que o presidente do BC envie uma carta aberta ao ministro da Fazenda quando não consegue cumprir o objetivo para o ano. Desde então, a mensagem foi necessária em três ocasiões, sempre porque a inflação ficou acima do tolerado — nunca abaixo.

As projeções de que o IPCA fure o piso ganharam força porque o indicador voltou a surpreender analistas. Em agosto, o índice de preços desacelerou para 0,19%, ante 0,24% em julho. A taxa é bem inferior à mediana das expectativas, de alta de 0,3%, e a menor para meses de agosto desde 2010. Pesou sobre o resultado, principalmente, a deflação de 1,07% dos alimentos, que foi suficiente para anular a alta de 6,67% dos combustíveis no mês passado.

Os destaques dos alimentos em queda foram feijão-carioca (-14,86%), tomate (-13,85%), açúcar (-5,9%) e leite longa vida (-4,26%). Os preços menos salgados são resultado da safra recorde de produtos agrícolas: quanto mais produtos no mercado, mais baratos eles ficam para o consumidor.

RECESSÃO IMPACTA SERVIÇOS
Em contrapartida, a gasolina ficou 7,19% mais cara, enquanto o etanol subiu 5,71%. As altas foram causadas pela elevação das alíquotas de PIS/Cofins sobre os combustíveis, anunciada pelo governo no fim de julho — e, portanto, ainda com impacto nos índices de agosto. O IBGE destacou, ainda, que, dentro do período de coleta do IPCA, a Petrobras fez 19 reajustes de preços, que combinaram para uma alta acumulada de 3,4% no período.

O balanço entre a queda dos alimentos e a alta dos combustíveis foi positivo para o bolso do consumidor. O grupo de transportes, que engloba os combustíveis, teve impacto para cima de 0,27 ponto percentual sobre o indicador. Já o grupo de alimentação e bebidas, mais pesado, teve peso exatamente igual, de 0,27 ponto, porém de sinal trocado, negativo. Ou seja, o recuo a dos alimentos anulou a alta dos combustíveis.

Diante desses resultados, economistas resolveram revisar para baixo suas projeções. A Rosenberg Associados é uma das instituições que espera que o IPCA fure o piso da meta. A consultoria, que esperava que o índice fechasse 2017 em 3,2% antes da divulgação de ontem, vê agora inflação em 2,8%.

Também influenciou nesta conta o comportamento dos preços dos serviços, mais contidos por causa dos efeitos da recessão. Apesar da alta recente do consumo, os efeitos da crise ainda são percebidos no IPCA: a inflação de serviços, que já ficou acima de 7% no ano passado, acumula, em 12 meses, apenas 4,81%, segundo os dados de agosto.

“Os preços dos serviços e dos industrializados repercutem a deterioração do mercado de trabalho e da atividade — que se recuperam no curto prazo, mas ainda devem influenciar a inflação por mais alguns meses. O preço dos alimentos é a maior surpresa no atual ciclo de queda de preços: sem pressão cambial, com a manutenção do clima favorável e com o preço das commodities em baixa, deve seguir desempenho benigno nos próximos meses”.

Em seu relatório, o banco Pine também reduziu sua projeção de 3,1% para 2,8%. O comunicado destaca que existe um “ambiente benigno da inflação corrente”. E cravou: “não há preocupação no front inflacionário”.

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, corrobora as previsões de que a inflação oficial ficará pouco abaixo dos 3%. Segundo ele, não é tão difícil que isso ocorra. Se o IPCA ficar em 0,15% em setembro — como ele e outros analistas esperam —, bastaria que o indicador não passasse de 0,4% nos meses restantes do ano para que o acumulado de 2017 ficasse abaixo de 3%.

— Nenhum mês deste ano chegou a 0,4%. Achar que esses três meses chegarão a 0,4% só se tivesse uma desvalorização cambial, por exemplo — explica Cunha.

O especialista destaca que ter de explicar as razões de uma inflação baixa demais colocaria o Banco Central em posição desconfortável. Segundo ele, seria um sinal de que a autoridade monetária teria demorado para cortar a taxa de juros.

— Seria uma carta diferente da que é escrita quando se fica acima do teto da meta. Quando isso ocorre, o BC explica que houve um choque negativo forte, e a política monetária não pode reagir de forma tão forte para não afetar a atividade. É uma justificativa bem arrumada, e todo mundo entende. A carta para baixo, nas condições atuais, é mais complicada. Significa que o Banco Central atrasou na redução da Selic — afirma o economista.

MEIRELLES: CORTE DE JUROS
Ontem pela manhã, no Rio, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a trajetória de queda da inflação “dá maior flexibilidade” para o processo de corte de juros:

— Não há dúvida de que a inflação baixa seja uma boa notícia, porque aumenta o poder de compra da população. Isso certamente dá maior flexibilidade ao Banco Central.
Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, apesar da inflação mais baixa, não é certo que o BC mantenha o ritmo de corte de juros, o que levaria a Taxa Selic para abaixo dos 7% ao ano:

— Para as reuniões de outubro e dezembro, ainda tenho dúvidas sobre a sustentação do ritmo de queda de um ponto percentual. Por ora, mantemos corte de 0,5 ponto percentual em outubro e de 0,25 em dezembro.

A economista também reviu sua projeção de inflação para baixo, mas ainda manteve a previsão dentro do intervalo de tolerância da meta: alta de 3,1% no fechado de 2017. Ela espera que a inflação volte para o patamar de 4% em 2018, com o preço dos alimentos voltando ao patamar de 3,7%.

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