Relação entre Odebrecht e governos petistas era movida a 'vantagens e propinas', diz Palocci
Ana Luiza Albuquerque, Flávio Ferreira | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Em depoimento ao juiz Sergio Moro nesta quarta-feira (6), o ex-ministro Antonio Palocci afirmou que a relação entre a empreiteira Odebrecht e os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff era "movida a propina".
"Bastante movida a vantagens dirigidas a empresa, a propinas pagas pela Odebrecht a agentes públicos, em forma de doação de campanha, benefícios pessoais, caixa 1, caixa 2", disse.
O ex-ministro foi ouvido na ação em que Lula é acusado de ter recebido da Odebrecht um terreno de R$ 12,4 milhões, destinado a ser a nova sede do Instituto Lula (negócio que acabou não se concretizando), e um apartamento de R$ 540 mil em São Bernardo do Campo (SP), vizinho ao que o petista mora com a família.
Segundo Palocci, os fatos narrados na denúncia são verdadeiros e dizem respeito apenas "a um capítulo de um livro um pouco maior" do relacionamento da empresa com os governos petistas.
PACTO DE SANGUE
O ex-ministro falou que, em 2010, com a eleição de Dilma Rousseff, houve uma mudança no relacionamento com a empreiteira. Palocci afirmou nunca ter estabelecido, até então, valores com Marcelo Odebrecht. "Porque tudo que eu pedia eles atendiam."
Com Dilma, entretanto, a construtora teria se mostrado "muito tensa". "Quando Dilma foi tomar posse a empresa entrou num certo pânico."
"Foi nesse momento que o doutor Emilio Odebrecht fez uma espécie de pacto de sangue com o presidente Lula", narrou Palocci. Nos últimos dias do mandato de Lula, Emilio teria procurado o ex-presidente, para quem teria levado um "pacote de propinas".
O pacote, segundo Palocci, envolvia o terreno que teria sido comprado para o Instituto Lula, o sítio para uso de sua família e R$ 300 milhões à sua disposição.
"Fiquei bastante chocado com esse momento porque achei que não era assim o relacionamento da empresa." Segundo Palocci, foi aí que surgiu a planilha da "conta" que a empreiteira tinha com o PT.
Neste encontro, de acordo com o ex-ministro, Emilio não apresentou uma pauta de desejos específica, mas uma vontade de manter uma "relação fluida" com o governo. "A Odebrecht atuava nas hidrelétricas, na Petrobras, no Ministério da Defesa, era responsável pelo projeto de submarinos..."
O ex-ministro contou, ainda, que na manhã do dia seguinte Lula o chamou no Alvorada para falar da reunião. "Ele também se mostrou um pouco surpreso. Ele falou: 'Olha, ele só fez isso porque tem muito receio da Dilma'".
Palocci disse que, em seguida, procurou Marcelo Odebrecht para perguntar o que estava acontecendo. Marcelo teria afirmado que o pai achava melhor estabelecer uma relação mais clara naquele momento porque tinha medo do comportamento da presidente colocar em risco os projetos da empresa. O ex-ministro teria dito que não gostava da ideia da conta-corrente.
No dia 30 de dezembro de 2010, segundo Palocci, houve uma reunião entre Lula, Emilio Odebrecht e Dilma. Dilma teria sido chamada para que Lula dissesse a ela sobre as relações que mantinha com a Odebrecht e que queria que todos os aspectos fossem preservados. "Lícitos e ilícitos", disse o ex-ministro.
PETROBRAS
O ex-ministro ressaltou que a Odebrecht, em particular, tinha uma "relação fluida com o governo em todos os aspectos", desde a realização de projetos até a participação em campanhas. "Que se dava de todas as maneiras. A maior parte com caixa 1, mas o caixa 1 muitas vezes originário de contratos ilícitos."
Segundo Palocci, a Petrobras foi um importante palco para esses contratos. "Os da Petrobras quase todos geraram crédito. Na área de serviços, abastecimento e internacional eram bastante conhecidos."
O ex-ministro afirmou que foi por meio dessas diretorias que se estabeleceu um "intenso financiamento partidário". "Essas diretorias foram nomeadas e ao longo do tempo se desenvolveu através delas... Na de serviços o PT, na internacional o PMDB, na de abastecimento o PP... Uma relação de intenso financiamento partidário, de políticos, pessoas, empresas."
Palocci deixou claro que Lula sabia da corrupção na Petrobras e pensou em "tomar providências" porque "a coisa estava repercutindo de forma muito negativa". O ex-ministro contou que Lula o chamou no Palácio do Alvorada em 2007, quando reeleito, para conversar sobre o assunto.
Na ocasião, Lula teria dito que ficou sabendo "que na área de serviços e abastecimento estava havendo muita corrupção". "Eu falei: 'É verdade'. Ele falou: 'E que que é isso?' Eu falei: 'É aquilo que foi destinado para esses diretores, operar para o PT em um caso e para o PP no outro'. E ele falou: 'Você acha que isso está adequado?' Eu falei: 'Não, acho que isso está muito exagerado'".
Segundo Palocci, a descoberta do pré-sal enterrou a pretensão do ex-presidente de frear o esquema. "O pré-sal pôs o governo numa atitude frenética em relação a Petrobras e esses assuntos de ilícitos de diretores ficaram para terceiro plano. As coisas continuaram correndo do jeito que era."
PRÉ-SAL
No depoimento, Palocci vinculou Lula diretamente à arrecadação de recursos para o PT por meio de projetos específicos da Petrobras.
Um dos pontos da defesa do ex-presidente até o testemunho de Palocci era o de que a acusação não havia demonstrado a ligação do líder petista com negócios da estatal de petróleo.
O ex-ministro da Fazenda disse que em meados de 2010 foi realizada uma reunião na biblioteca do Palácio da Alvorada, com a presença dele, de Lula, do então presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli e da então candidata à presidência da República, Dilma Rousseff.
Palocci afirmou que na ocasião Lula falou sobre a importância dos programas do pré-sal para o país e que os contratos de sondas dos projetos deveriam ajudar na arrecadação de recursos para o PT. "Foi a primeira vez que ele [Lula] falou dessa maneira tão direta", declarou o depoente.
Segundo o ex-ministro, Lula disse a Gabrielli: "O Palocci está aqui porque ele vai lhe acompanhar nesse projeto, para que ele tenha total sucesso e para que ele garanta que uma parcela desses projetos financie a campanha desta companheira aqui, a Dilma Rousseff, que eu quero ver eleita presidente do Brasil".
"Ele [Lula] encomendou para o Gabrielli que através das sondas pagasse a campanha da presidente Dilma de 2010, obviamente pedindo às empresas os valores que seriam destinados à campanha", completou Palocci.
GOVERNO DILMA
Palocci disse a Moro que a relação com a Odebrecht no governo de Dilma não foi tao fluida como no governo Lula, mas que, ainda assim, foi grande. "O presidente Lula era um amigo da empresa de forma mais intensa."
Um exemplo de favorecimento da construtora no governo Dilma teria acontecido no contexto da privatização de aeroportos. Segundo Palocci, a Odebrecht ficou para trás na primeira leva de privatizações e tentou derrubar a decisão na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). A empresa teria procurado o ex-ministro para que ele intercedesse a seu favor, porque Palocci havia nomeado o presidente da agência.
O ex-ministro teria negado a ajuda. Segundo Palocci, Dilma disse à Odebrecht para que ficasse calma, "porque em uma nova licitação ela cuidaria desse assunto". Assim, a empreiteira teria sido beneficiada na licitação do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.
De acordo com o ex-ministro, foi inserida a pedido da Odebrecht uma cláusula que impedia o vencedor de Cumbica de participar da licitação do Galeão.
GUIDO MANTEGA
Palocci afirmou que Marcelo Odebrecht disse a ele que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega pediu R$ 50 milhões à empresa no contexto da criação de um programa de refinanciamento de dívidas. Esse valor teria sido descontado da planilha destinada ao PT. A informação já havia sido dita por Odebrecht em sua delação premiada.
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
O ex-ministro afirmou que pediu à empreiteira recursos para campanhas em algumas ocasiões. "Praticamente só atuava em campanhas presidenciais e para campanhas minhas."
Ele disse ao juiz Sergio Moro que antes de chegar para o depoimento conferiu no site do TSE se havia recebido doações legais da Odebrecht em 2006, quando concorreu a deputado federal. "Não tinha. Se não tinha doação legal, lhe garanto que teve doação ilegal, porque a Odebrecht não deixaria de doar para uma campanha minha."
Palocci disse que na eleição de 2014 foi adotada uma estratégia de fazer repasses de dinheiro ilícito por meio de doações eleitorais oficiais.
"A campanha de 2014 foi a que mais teve caixa um, e foi uma das campanhas que mais teve ilicitudes. O crime se sofisticou no campo eleitoral. As pessoas viram que o problema era o caixa dois e transformam progressivamente tudo em caixa um", afirmou.
OUTRO LADO
Em nota, a defesa de Lula disse que o depoimento de Palocci "é contraditório com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e com as provas apresentadas".
"Preso e sob pressão, Palocci negocia com o MP acordo de delação que exige que se justifiquem acusações falsas e sem provas contra Lula. Como Léo Pinheiro e Delcídio, Palocci repete papel de validar, sem provas, as acusações do MP para obter redução de pena", afirma o texto.
Procurada pela reportagem, a assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff disse que só se manifestará após terminar de assistir ao depoimento de Palocci.
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