- O Globo
A instantaneidade da internet, ampliada pelos sistemas de recomendação, abalaram o mercado de ideias
Esta era difícil de imaginar uns meses atrás: Alex Jones, um dos mais rábicos teóricos da conspiração da neodireita on-line americana, deu para trás. “Vivi uma forma de psicose”, explicou, “e passei a acreditar que tudo era uma encenação. Minhas opiniões estavam erradas.” Jones construiu entre Facebook, Twitter e YouTube uma legião de seguidores de seus delírios, que incluíam o envolvimento de Hillary Clinton numa rede de pedofilia, que Barack Obama nascera no Quênia, e que os massacres de crianças em escolas não aconteciam, era tudo trabalho de atores. Sua glória foi entrevistar Donald Trump ao vivo. Olavo de Carvalho chegou a considerá-lo “a melhor fonte de informações sobre a política americana”. Perante um processo no qual está ameaçado a ter de pagar indenização na casa dos milhões, saiu-se com a psicose.
A história de Jones, somada a outros dois casos também desta semana, merece uma reflexão sobre o efeito das redes na democracia.
Uma investigação da Bloomberg revelou que, logo após o massacre da escola secundária de Parkland, na Flórida, um grupo de funcionários do YouTube procurou a chefia. Estava preocupado com o crescimento em audiência de vídeos raivosos como os de Jones. Quanto mais gente os via, mais o sistema de recomendação os recomendava. Bola de neve. Os executivos ouviram a preocupação e mandaram nada fazer. Ocorreu em fevereiro de 2018. Jones terminaria banido do YouTube em julho do mesmo ano, e a preocupação com a qualidade do conteúdo começou a aparecer no discurso oficial do sistema de vídeos do Google.
E calhou de, domingo último, Mark Zuckerberg publicar um longo artigo no qual pede maior regulamentação governamental. Zuck quer regras, preferencialmente uniformes e globais, para temas como propaganda política, privacidade, conteúdo que cause dano — pelo ódio que provoca, por crimes que incita. Ele sabe que o debate já está intenso, na União Europeia e em Washington, a respeito dos monopólios formados pelas redes sociais.
O problema é complexo. As redes sociais desmontaram uma premissa fundamental de todo debate liberal que tem origem no desenho das democracias. Elas abalam, nada menos, do que o argumento que sustenta a liberdade de expressão.
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