terça-feira, 22 de outubro de 2019

Pedro Cafardo - Concessões dos liberais e o sofrimento de voar

- Valor Econômico

Economia deu discreto sinal de vida, mas ainda faltam estímulos

O governo Bolsonaro já não é tão ultraliberal na economia quanto no seu início. O discurso da equipe econômica não admitia ressalvas à política de austeridade e à sua obcecada disposição de promover antes de tudo a reforma da Previdência, para poupar gastos de R$ 1 trilhão em dez anos.

O Senado titubeia na aprovação final da reforma, em razão de ingerências políticas de governadores. Mesmo assim, o Banco Central avançou em sua política de redução dos juros e baixou a Selic para 5% ao ano, a menor taxa da história. Caixa e Banco do Brasil também reduziram seus juros, numa tentativa de puxar para baixo as taxas de todo o sistema financeiro. Algo parecido foi feito no governo Dilma Rousseff, com resultados negativos.

A Caixa abandonou a ideia de privatização defendida no início do governo e voltou a assumir seu tradicional papel na aplicação de políticas públicas, o que seria uma heresia dez meses atrás. Decidiu cortar os juros do cheque especial de 15% ao mês para 3% ao mês. Liberou, por decisão presidencial, cerca de R$ 42 bilhões do FGTS e do PIS/Pasep para estimular o consumo.

Medidas como essas não combinam muito com ideias ultraliberais. Representam um estímulo à demanda, num reconhecimento tácito de que o pavor da volta da inflação não faz mais sentido e de que o aumento do consumo fará bem à atividade econômica e criará empregos.

Embora essas doses de adrenalina ainda sejam “homeopáticas”, a economia já deu discretos sinais de vida. Índices de atividade do terceiro trimestre revelam que o risco de queda do PIB neste ano está afastado. A confiança de empresas e consumidores melhorou um pouco e a geração de empregos formais aumentou, assim como as concessões de crédito à pessoa física. O PIB do segundo trimestre cresceu 0,4% em relação aos três meses anteriores e outro resultado próximo desse é esperado para o terceiro trimestre.

Por que a economia teve essa ligeira melhora? Será por causa da confiança injetada a partir das reformas, inclusive a trabalhista, no governo Michel Temer? Ou será em razão dos estímulos ao consumo, ainda que tenham sido modestos?

As duas coisas certamente têm algum efeito. No início da atual gestão, o governo jogou todas as fichas na reforma da Previdência, na esperança de que ela salvaria a economia brasileira. A ideia era que a reforma e outras contenções de gastos acabariam com a incerteza sobre a solidez das contas públicas. A redução da incerteza permitiria a queda dos juros e o aumento do crédito na economia. Assim, seria criado um círculo virtuoso com mais demanda, mais emprego, mais investimento e mais crescimento.

Parte desse efeito se deu, porque o governo conseguiu vender à sociedade a ideia de que era urgente a reforma que, mesmo sem sua aprovação final, espalhou raios positivos. Mas está claro que ela não é suficiente para recolocar a economia em crescimento. Perdeu-se muito tempo apostando nessa ideia. Ambos os impulsos - reforma e adrenalina - poderiam ter sido dados ao mesmo tempo. Além das responsabilidades fiscais, governantes têm as sociais.

A volta ao crescimento não é certa. Mais estímulos são necessários, como transferir ao consumidor e às empresas o benefício da queda dos juros e retomar o crédito público. Fundamental seria recolocar o BNDES em seu papel de financiador do desenvolvimento, com primazia à infraestrutura. E um impulso importante poderia vir do aumento real do salário mínimo, junto com uma fórmula para poupar os cofres da Previdência. Por que não?

Pior que nos anos 70
Vamos voar para outro tema. Há dias, a jornalista Daniela Chiaretti escreveu uma excelente coluna sobre “vergonha de voar”. Falava de uma nova tendência, ditada pela Suécia, um movimento que encoraja a pessoa a deixar de viajar de avião para reduzir as emissões de gases-estufa.

É uma nobre proposta, mas pretende-se tratar aqui do “sofrimento de voar”. Viajar de avião, principalmente no Brasil, virou uma sofrida experiência. A despeito dos avanços tecnológicos, voar hoje é muito mais desagradável que há 40/50 anos. As companhias aéreas têm inúmeras explicações para essa piora. A mais importante se refere a custos. Mas nada justifica que as condições de hoje sejam piores que nos anos 1970.

Há 50 anos, em viagens nacionais, as empresas aéreas já pediam aos passageiros que chegassem ao aeroporto duas horas antes do horário do voo. Exatamente como agora, mesmo com o check-in antecipado, pela internet. Isso, naturalmente, agiliza o embarque, certo? Errado. Falta despachar a mala e isso muda tudo. O ilustre passageiro vai esperar mais uns 40 minutos para se livrar dela.

As companhias inventaram a fila única para o despacho das bagagens, também para acelerar o processo. Mas a fila virou um tormento cômico. O passageiro que vai embarcar duas horas mais tarde pode estar à frente daquele que decolará em uma hora. Então, um funcionário estridente se esforça para pinçá-lo da fila gritando o nome dele. Ou ele é surdo, ou ainda não chegou à fila única ou está lutando no check-in eletrônico. E não aparece. O funcionário chama então pelo voo: “Passageiros para Manaus!”. “Aqui, aqui!”, grita um senhor de gravata, que logo é retirado da fila e passa direto para o despacho.

O capítulo das malas não termina aí. As novas normas que limitam o peso das bagagens complicaram ainda mais a operação. Quando o limite de peso era maior, a maioria das pessoas despachava quase tudo na mala e ia para o avião com uma mochila ou uma bolsa. Agora, não. Com o despacho limitado a uma mala de 23 quilos, muita coisa foi transferida para a bagagem de mão, quase sempre maletas de até 55 cm de altura por 20 cm de profundidade. Como os bagageiros da cabine são pequenos para tantas maletas, instala-se a confusão quando os passageiros chegam a seus lugares e, antes de se sentar, tentam colocar os volume nos disputados e altos bagageiros. Quem chega por último não encontra lugar.

Enfim, sentado comodamente em sua poltrona, o passageiro espera a decolagem. Comodamente? Poltrona? Quase nunca é assim. Se o cidadão é um pouco mais alto do que a média do brasileiro, vai sofrer. Eventualmente, como os demais, vai passar fome. É o progresso.

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