terça-feira, 22 de outubro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Como perder a guerra

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O PSL é belicoso e midiático, na primeira crise interna, o que se vê são gravações feitas sem autorização, ameaças de denúncias e muito bate-boca entre seus deputados nas redes sociais”

Usada à farta no Brasil para caracterizar uma atitude fadada ao fracasso, não existe uma explicação para a existência da expressão “Foi assim que Napoleão perdeu a guerra”, sobre a qual não há referências em alemão, francês, russo ou inglês. Alguns atribuem a expressão aos portugueses, uma espécie de vingança sarcástica devido à invasão de Portugal pelo exército francês e a consequente fuga de D. João VI e sua corte para o Brasil, em 1808.

As especulações vão da desastrosa retirada de Napoleão da Rússia, em 1812, depois da ocupação de Moscou, pois a cidade fora evacuada e, depois, incendiada (o exército russo evitou o confronto aberto e perseguiu as tropas francesas em pleno inverno, até Paris) a uma suposta crise de hemorroidas que o impedira de montar durante a Batalha de Waterloo, em 1815, quando foi definitivamente derrotado pelos ingleses.

O chiste lusitano é sob medida para a crise do PSL, cujo último lance foi a renúncia do líder da bancada na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), e sua substituição pelo deputado Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente da República. Jair Bolsonaro se encontra no Japão, primeira etapa de sua viagem à Ásia, mas de lá monitora a operação que levou seu filho à liderança do PSL.

Apesar de ter a maior bancada governista da Câmara, com 53 deputados, o PSL nunca foi o partido hegemônico na Casa, embora seja muito estridente na tribuna e nos apartes, além de agitar as redes sociais. Agora, com essa divisão, corre o risco de ser tornar irrelevante, a não ser que haja um acordo interno que apazígue a disputa. Falta à bancada do PSL cultura parlamentar para o entendimento e a composição, num ambiente com ritos de convivência consolidados.

O modus operandi do partido é belicoso e midiático. Na primeira crise interna, o que se vê são a divulgação de gravações feitas sem autorização, ameaças de denúncias sobre os podres partidários e muito bate-boca pelas redes sociais, às vezes em linguagem completamente estranha à vida parlamentar, como a guerra de emojis entre a ex-líder do governo no Congresso Joice Hasselmann (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente da República, que nem da bancada é.

Decantação
A reviravolta de ontem, quando Eduardo Bolsonaro conseguiu finalmente o número de indicações para se tornar o líder, não encerra a crise, apenas restabelece a lei da gravidade, pois seria um aborto da natureza o presidente da República ser derrotado na sua própria bancada, como aconteceu na sexta-feira. Entretanto, é um jogo de perde-perde: se 29 deputados apoiam o novo líder e 24 são contra ele, em certas circunstâncias, isso reduz o peso da bancada a cinco deputados, principalmente em questões interpares. Vamos supor, por exemplo, que a eleição para a presidência da Câmara fosse hoje.

A confusão na bancada do PSL faz parte de um processo de decantação, após o tsunami eleitoral que renovou a Câmara. Começa a separar os parlamentares eleitos para brilhar e que se destacam entre as principais lideranças daqueles que vão permanecer no baixo clero. Alguns serão deputados de um só mandato.

A aposta do clã Bolsonaro é que os adversários internos não sobreviverão sem o apoio do presidente da República, porque chegaram ao Congresso na aba do seu chapéu. Além disso, ficarão a pão e água, conforme a narrativa usada para pressionar os rebeldes a apoiarem o novo líder. Tem lógica, mas muita água ainda vai rolar sob a ponte.

O primeiro ato de Eduardo Bolsonaro foi destituir os 12 vice-líderes da legenda, cargos importantes no funcionamento da Câmara, porque seus ocupantes substituem o líder nas comissões e no plenário, além de terem direito à partilha dos cargos da liderança. O líder é poderoso quanto ao funcionamento da Casa, pois indica os integrantes das comissões e relatores, comanda as negociações e intermedeia a ocupação de espaços e liberação de recursos nos ministérios.

Para o presidente Bolsonaro, controlar a liderança é uma forma de confrontar o poder da cúpula do partido, principalmente do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), com quem entrou em rota de colisão por causa dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, que somam mais de R$ 200 milhões. O papel de líder, principalmente nos grandes partidos, exige capacidade de diálogo e negociação. Esse não é o forte de Eduardo Bolsonaro, cujo perfil é mais agressivo. Pode ser que a estratégia de Bolsonaro pai seja mesmo essa, porque a agenda econômica do governo vai bem sem o PSL. O grande negociador das reformas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O papel do filho seria fazer um contraponto e demarcar território.

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