- Folha de S. Paulo
Rendimento médio do trabalho está na mesma desde o início de 2019, diz IBGE
O comentarismo econômico não gosta de falar de salários. Preocupa-se com o assunto quando os trabalhadores passam a custar cada vez mais caro em tempos de inflação, por exemplo. Faz sentido, mas a preocupação é enviesada, diga-se, com eufemismo irônico. Quando o salário fica na lona, o pessoal faz cara de paisagem ou até festinha.
Quase não se ouviu por aí que o salário médio no Brasil não cresceu nada, de um ano para cá, mostram os dados de janeiro do IBGE: zero. ZERO.
A estagnação do salário médio tem acontecido com frequência desde que a economia pegou outra gripe, no primeiro trimestre do ano passado. Tem sido tão frequente quanto ouvir empresário, executivo, “analista” ou um bajulador qualquer deste governo dizendo que “é melhor emprego precário do que emprego nenhum” e variantes.
Sim, há “boas notícias”, assim como é boa notícia ficar vivo e inteiro depois de um atropelamento ou de uma outra zika.
A população ocupada (com algum emprego) cresce sem parar desde julho de 2017, é fato. Assim, a massa (soma) de todos os rendimentos também cresce, embora em ritmo lento, em tendência de baixa desde 2018.
Pela primeira vez desde 2014, a carteira assinada lidera a criação de postos de trabalho, embora a participação do trabalho formal no total de empregos ainda esteja abaixo do que era em 2015. A conta de formalização inclui assalariados com carteira e servidores públicos, além de trabalhadores por conta própria e empregadores que tenham CNPJ.
Mas o salário, ó. O salário anual médio vem crescendo cada vez menos desde março de 2019, tendendo a zero.
Rendimentos que crescem de pouco a nada em empregos mais precários não tendem a animar muito o consumo, do que depende essa tentativa de recuperação que dá chabu desde 2017. No mais, a economia apenas não rasteja no chão por causa do aumento do crédito.
Não é só a renda do trabalho que rateia. O benefício médio do INSS (aposentadorias, acidentes, assistenciais etc.) está na mesma desde 2017. Não é uma sugestão de que os benefícios previdenciários devam ser reajustados, mas uma observação de que o povo não tem muito mais o que gastar. A massa dos benefícios do INSS é relevante: equivale a um quarto da massa de salários.
Enfim, essa era a situação do mercado de trabalho antes da gripe, por assim dizer, antes da epidemia do novo coronavírus e do novo acesso de bolsonarite, que causa desarranjo ou nó nas tripas da política.
A Covid-19 vai talhar o crescimento do mundo ao menos no primeiro trimestre, com algum impacto sobre o Brasil, ainda difícil dizer o tamanho. Há bancão prevendo o equivalente a recessão na economia mundial neste primeiro semestre.
O Congresso coloca compressas frias no surto de bolsonarite, até porque a liderança do parlamentarismo branco também tem o que perder com um mergulho na crise político-econômica. Apesar da profunda irritação de Rodrigo Maia, tenta-se fazer um arranjo “segurem seus radicais que seguramos os nossos”, como se dizia na ditadura.
Jair Bolsonaro deve ir à mesa de negociação, tangido pelo seu entorno militar menos imoderado. Quem sabe esse arranjo até desanime a manifestação da extrema direita, que quer a cabeça de Maia, pelo menos, ou trancar o Congresso.
O recente e longo surto de bolsonarite deste verão, afora tantas inoperâncias do governo, já deixou sequelas, porém, pioradas pelo coronavírus. Os salários mal vão conseguir sair da cama depois da gripe.
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