- Correio Braziliense
Estamos
diante de uma nova ofensiva do presidente Bolsonaro para aumentar seu poder,
desta vez voltada para controlar o Congresso e impor sua agenda política,
social e ambiental regressiva
Uma
das variáveis fortes das eleições municipais passadas – com exceção da disputa
de Macapá, cujo segundo turno será domingo próximo, mas que ainda pode
confirmar a regra — foi a atuação de forças centrífugas que fragilizaram a
participação do presidente Jair Bolsonaro no pleito. O grande número de
candidatos, o fim das coligações e as dimensões continentais do país atuaram
nessa direção. O presidente Jair Bolsonaro subestimou esses aspectos e misturou
o impacto do auxílio emergencial nas famílias de mais baixa renda e o peso
específico da União como se fossem uma mesma coisa que o seu carisma pessoal, o
que o levou a apostar suas fichas abertamente em Celso Russomano (Republicanos),
em São Paulo, e no prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio,
julgando-se o grande eleitor do país. O primeiro sequer foi ao segundo turno; o
segundo, perdeu a reeleição. Essas derrotas, como as da maioria das demais
cidades onde interferiu no pleito, caíram no seu colo.
Entretanto,
é um erro avaliar que as eleições municipais transformaram Bolsonaro num pato
manco. Seria uma transposição mecânica do resultado eleitoral para o pleito de
2002. Pode ser até que isso ocorra, mas por outros motivos, que não são
propriamente as eleições municipais: a desastrada atuação do Ministério da
Saúde na pandemia do novo coronavírus, mitigada graças ao abono emergencial,
mas cuja conta já está chegando; a falta de empatia em relação às vítimas da
pandemia, que está provocando ojeriza em todo o pessoal da saúde e em parcelas
da população que o haviam apoiado em 2018. Em plena segunda onda, vamos entrar
o ano sem abono emergencial nem vacinação em massa, com déficit fiscal
astronômico, inflação em alta e a economia ainda sem rumo.
Contraditoriamente, porém, o mesmo fator que levou à fragmentação da base eleitoral de Bolsonaro nas eleições municipais, agora, atua a seu favor, ao desagregar as forças de oposição, que continuam dispersas, em razão do mesmo pragmatismo que impera na política local. Além disso, abre-se novo ciclo de centralização política, cujo eixo é a força da União junto aos estados e municípios. Essa é uma tradição da política brasileira marcada por ciclos longos, como já foi demonstrado por Alberto Torres, no começo do século; Oliveira Viana, no Estado Novo; e general Golbery do Couto e Silva, em célebre palestra na Escola Superior de Guerra, em 1980, intitulada Sístoles e Diástolesl. A metáfora da contração e dilatação do coração serviu de base para a estratégia adotada por Geisel para que os militares se retirassem da política em ordem e tutelassem a transição à democracia. A Revolução de 1930, com a posterior implantação do Estado Novo (1937), e o golpe militar de 1964, com a fascistizaçao do regime militar a partir do Ato Institucional no. 5, em 1968 (que hoje completa 52 anos), foram grandes sístoles do período republicano.
Coincidentemente,
esses dois ciclos foram encerrados em momentos de grandes mudanças na política
mundial: a derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial (1945) e o fim da
guerra-fria, com a derrubada do Muro de Berlim, em 1989. Acontece que o
federalismo brasileiro, consagrados nas Constituições de 1891, 1946 e 1988,
sempre esteve sobre pressão da União. O mestre José Honório Rodrigues
(Conciliação e Reforma no Brasil, 1965), grande estudioso das raízes do
pensamento reacionário e das elites conservadoras sempre destacou que a tensa
relação entre a União com estados e municípios como vetor um permanente da
política brasileira. Em plena vigência do regime democrático, promoveu, desde
eleição de Tancredo Neves, para o mal (Plano. Cruzado) e para bem (Plano Real),
sucessivas ondas de centralização política e financeira.
Agora,
estamos diante de uma nova ofensiva de Bolsonaro para aumentar seu poder, desta
vez voltada para controlar o Congresso, com objetivo de impor a sua agenda
política, social e ambiental regressiva, o que surpreendeu aqueles que tratavam
Bolsonaro como um pato manca. Nunca é demais lembrar que o governo é sempre a
forma mais concentrada de poder, mesmo quando é um mau governo; quando nada,
porque porque arrecada, normatiza e coage. Mas o que está fazenda a diferença
não é a truculência verbal de Bolsonaro, é a velha política de conciliação, que
Bolsonaro opera com sinal trocado: desta vez, a vanguarda é o baixo clero do
Congresso, que conhece na palma da mão, porque dele fez parte.
Ao atrair para o campo do governo os setores oligárquicos mais fisiológicos e patrimonialistas da política brasileira, principalmente do Norte e Nordeste, Bolsonaro anabolizou o atraso na Câmara, a partir da candidatura de seu principal aliado, o deputado Arthur Lira (PP-AL), que articula um arrastão parlamentar, com farta distribuição cargos e distribuição de verba. No Senado, já estava tudo dominado. Engana-se, porém, quem imagina que mira apenas a reeleição. Seu projeto é inaugurar um ciclo longo de centralização do poder e resgate da tutela militar sobre a democracia brasileira, a partir do controle do Congresso. Para isso, porém, é preciso também subjugar as instituições de Estado, principalmente as que têm o monopólio da força, o Judiciário e os órgãos de comunicação de massa, além de intimidar agentes econômicos e a sociedade civil. Entretanto, ainda não existe correlação de forças favorável, interna e externa.
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