sábado, 31 de julho de 2021

Hélio Schwartsman - Só provou que não tem palavra

Folha de S. Paulo

E ainda cometeu um crime contra a epistemologia

Não foram só mentiras, ataques gratuitos e crimes de responsabilidade que o presidente Jair Bolsonaro perpetrou no aguardado pronunciamento em que provaria a ocorrência de fraudes eleitorais. Ele também cometeu um crime contra a epistemologia, quando afirmou que é impossível "comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas". Como agravante, ele, numa inversão do ônus da prova, ainda exigiu dos que dizem que o sistema eleitoral é hígido que demonstrem sua infraudabilidade.

Se fosse isso mesmo, estaríamos condenados a viver num mundo ainda mais incerto do que o atual. Em termos puramente lógicos, é, sim, possível confirmar tanto a existência como a inexistência fraudes eleitorais, embora as duas tarefas sejam muito desiguais.

A missão mais fácil é a da parte que precisa demonstrar a existência de burla. Afinal, bastaria apresentar evidência de uma única instância de manipulação para encerrar o caso. Mas, como a ausência de evidência não é evidência de ausência, provar que algo não existe ou não ocorreu, mesmo quando é possível, costuma ser bem mais trabalhoso.

Demétrio Magnoli - A senha dos golpistas

Folha de S. Paulo

Citada por bolsonaristas, liberdade é termo cujo significado depende do contexto

No Império Romano, os primeiros cristãos usavam a marca do peixe como senha para reconhecerem uns aos outros. Os golpistas brasileiros que circulam em torno de Bolsonaro utilizam a sua própria senha: a palavra liberdade.

Registro 1. A nota do ministro da Defesa, general Braga Netto, de falso desmentido de sua ameaça de golpe, “reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição”. Na sequência, oferece uma curiosa interpretação de tais “limites”, garantindo o compromisso das três forças com “a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.

Registro 2. Antes, na nota de repúdio às declarações do senador Omar Aziz, assinada pelo mesmo Braga Netto e pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, os chefes militares proclamam que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

A Constituição atribui às Forças Armadas a “defesa da Pátria”, a “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de um dos poderes, a garantia “da lei e da ordem”. Da segunda missão, pode-se extrair a conclusão legítima de que cabe aos homens em armas a defesa da democracia —mas não a da “liberdade do povo brasileiro”. As notas de Braga Netto devem ser classificadas como revisões constitucionais ou, mais claramente, senhas golpistas.

Cristina Serra - Bolsonaro e as cinzas do Brasil

Folha de S. Paulo

Incêndio na Cinemateca é uma metáfora dramática do Brasil sob Bolsonaro

O incêndio no depósito da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, é uma metáfora dramática do Brasil sob Bolsonaro, sufocado por uma nuvem tóxica de cinzas e escuridão. Cultura, arte, passado, presente e futuro devorados na fogueira da ignorância e da vulgaridade que tomou o país de assalto.

O bolsonarismo é mais destruidor que os cupins. Mas a comparação é até injusta com os insetos. Cupins têm papel fundamental nos ciclos ecológicos. Bolsonaro é praga de elevado potencial devastador, com seu cortejo tenebroso de generais, milicianos, pastores de araque, trambiqueiros de vacina, adoradores do nazifascismo, capitães do mato, jagunços no parlamento, capangas infiltrados nas instituições e aduladores do deus "mercado".

Cristovam Buarque* - O golpe da fraude

Blog do Noblat / Metrópoles

Bolsonaro está agindo em todas direções, enquanto os democratas ficam indignados, reclamam e se dividem

O presidente Bolsonaro está alertando o Brasil para a fraude que ele provocará nas eleições de 2022. Ao dizer que o sistema eletrônico sob a direção do TSE é corruptível, está preparando a grande fraude da recusa do resultado. Cria desconfiança em parte da população. Está construindo a conivência das Forças Armadas, Policias Militares, Milicias e Seguidores Armados. Este comportamento é prova de que ele sabe que perderá nas urnas e terá apoio das armas.

Com esta certeza, está agindo cuidadosamente para preparar o cenário para a grande fraude da anulação dos votos. Insinua sem provas a possibilidade de um suposto risco de fraude; acusa irresponsavelmente que servidores e direção do TSE de terem condições e já terem praticado corrupção eleitoral; cria dúvida na opinião pública; arma seus seguidores, coopta as Forças Armadas e as Polícias e mantém relações com milicianos; além disto, articula apoio da rede internacional direitista para agirem, quando a fraude pré-anunciada for alegada. A deputada neonazista recebida na semana passada no Palácio do Planalto deve ter voltado para a Alemanha avisada do risco de fraude e deve ter avisado que apoiará na Europa o golpe da anulação das eleições, Trump nos EUA dará total apoio, lamentando que ele não teve o suporte de seus militares, quando tentou a mesma fraude em 2020.

Marco Antonio Villa - O pós-Bolsonaro

Revista IstoÉ

Hoje, quem está com o presidente compactua com o nazifascismo e com o genocídio

Não é nenhum exagero pensarmos já, imediatamente, no Brasil pós-Bolsonaro. A tarefa de reconstrução nacional será longa, difícil e muito complexa. O desafio inicial será o julgamento e afastamento de todos aqueles que colaboraram com o genocídio. Isso não inclui os que no processo eleitoral de 2018 julgaram encontrar em Bolsonaro uma opção eleitoral. Deve ser recordado os diversos problemas relacionados com os governos do PT — e foram quatro — que acabaram se acumulando e gerando uma profunda insatisfação com a elite política e o funcionamento dos poderes constituídos. O desejo de renovação deve ser louvado. A questão é que, em 2018, oportunistas, extremistas e reacionários, se aproveitaram do momento para travestir seu ideário político e se identificar, provisoriamente, com o sentimento popular. Logo mostraram sua cara. Por outro lado, aliados de Bolsonaro com o passar do tempo, foram se desiludindo, inclusive aqueles que chegaram a fazer parte do seu governo.

Ricardo Noblat - Insanidade de Bolsonaro põe em risco os interesses do Centrão

Blog do Noblat / Metrópoles

Como ficarão os que se elegerem ano que vem se o presidente, uma vez derrotado, denunciar que houve fraude?

O sonho de consumo do Centrão é um presidente da República exangue, a mendigar apoio, disposto a ceder os anéis, os dedos e, se for o caso, um pouco mais para não ir ao chão antes da hora.

Não lhe interessa, porém, sustentar um presidente capaz de tocar fogo no pagode porque os pagodeiros, mesmo que o abandonem a tempo, correrão o risco de sair chamuscados.

Apoio político é um negócio como outro qualquer. Nada tem nada de pessoal. O acordo só é bom quando os dois lados ganham, embora um possa ganhar mais do que o outro.

O presidente Jair Bolsonaro sabe disso. Nasceu no Centrão e ali se criou. Prometeu a Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão e novo chefe da Casa Civil, que se comportaria bem doravante. Mas…

Mas faltou com a palavra antes mesmo de Nogueira tomar posse. Deu mais um passo em falso ao mentir durante duas horas e pouco sobre o voto eletrônico. Assim deixou mal seus avalistas.

João Gabriel de Lima - Pilotos de Fórmula 1 que dirigem sem carteira

O Estado de S. Paulo

Nosso ‘presidencialismo de coalizão’ precisa de um virtuose ao volante para andar bem

Pode-se comparar o sistema político brasileiro a um carro de Fórmula 1. Nosso “presidencialismo de coalizão” é tão complexo que, para andar bem, precisa de um virtuose ao volante. Se elegemos um Lewis Hamilton da política, o país ganha tração e ataca seus inúmeros problemas. Se colocamos no cockpit um piloto sem carteira de motorista, o carro derrapa na zebra, bate na mureta de proteção – e o país corre o risco de ziguezaguear sem perspectivas, como um bólido com a lataria amassada. 

Estabeleceu-se no Brasil um debate sobre a implantação do semipresidencialismo – sistema de governo que vigora em Portugal e na França, no qual presidente e primeiro-ministro dividem poder e responsabilidades. A proposta de emenda à Constituição elaborada pelo deputado Samuel Moreira, do PSDB, foi recebida a pedradas à direita e à esquerda, com o argumento de que serve apenas para limitar a “vontade popular” ao subtrair poderes do presidente eleito. 

Para um de seus principais defensores, o cientista político Octavio Amorim Neto, o semipresidencialismo traria maior coordenação entre Executivo e Legislativo. “O sistema atual funciona bem com presidentes hábeis, moderados e centristas, como Sarney, Fernando Henrique, Lula ou Temer”, diz Amorim Neto, personagem do minipodcast da semana. “E emperra com líderes cesaristas, que tentam se sobrepor aos outros poderes – como Collor e Bolsonaro – ou voluntaristas, como Dilma Rousseff.” Estes seriam como pilotos de Fórmula 1 que dirigem sem carteira.

Bolívar Lamounier* - Dois colossais equívocos

O Estado de S. Paulo

Parlamentarismo está fora de cogitação enquanto classe política acreditar em duendes...

 O peixe não vê a água(ditado espanhol)

É deveras notável como nós, brasileiros, nos recusamos a refletir sobre dificuldades bem previsíveis que nos aguardam.

“Refletir” é dizer pouco: dezenas de milhares recusam-se a colaborar no combate à pandemia. Preferem uma “festinha” clandestina. E milhões parecem não perceber que mais uma década brincando de populismo – Lula x Bolsonaro – significará uma prolongada estagnação de nossa economia. Não percebem que megainvestidores – empresas ou fundos de pensão – não verão com bons olhos um país afundado numa polarização estéril, travejado por malquerenças dos mais variados tipos e que agora tem até insinuações militares contra o nosso principal ativo, que é a regularidade do processo eleitoral.

Dessa persistente obtusidade decorre um colossal equívoco. Tendemos a pensar que nossas várias mazelas permanecerão constantes durante anos e anos de estagnação econômica. Isso absolutamente não é verdade. O mais provável é um retrocesso ou deterioração cada vez mais difícil de reverter. A renda per capita brasileira equivale a um quarto da do Mississippi, o Estado mais pobre da Federação norte-americana. Tente o leitor imaginar este país daqui a 20 anos. É plausível supor que, em tal cenário, os níveis de violência que diariamente nos atormentam poderão ser reduzidos, ou sequer que permanecerão constantes? Que conseguiremos melhorar nossas condições educacionais e nosso nível de bem-estar, de um modo geral?

No quadro acima esboçado, uma classe política minimamente lúcida e destemida trataria de reforçar as instituições, se possível empreendendo uma reforma política séria. A nossa, infelizmente, dista muito desse padrão, o que a leva a persistir num segundo colossal equívoco. No que toca à organização constitucional, sabemos todos, ou deveríamos saber, que o busílis é o sistema presidencialista de governo, piorado, em nosso caso, por nossa fórmula de sistema eleitoral proporcional e uma legislação partidária estapafúrdia.

Almir Pazzianotto Pinto* - Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas

O Estado de S. Paulo

Ele estimulará a fuga ao pagamento de sentenças condenatórias, deixado para o Tesouro Nacional

No Brasil a Justiça rápida e barata pertence à esfera da utopia. Já nos idos de 1655 o padre Antônio Vieira condenava a morosidade dos juízes no Sermão da Terceira Dominga da Quaresma e, dois séculos depois, assim também o fazia Rui Barbosa na Oração aos Moços, dirigida aos bacharelandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo.

A morosidade se agrava no processo de execução, após o trânsito em julgado de sentença condenatória, para cobrança dos valores devidos ao vencedor da lide. A dificuldade atinge elevada proporção. Em 2002, quando presidia o Tribunal Superior do Trabalho (TST), inconformado com um milhão e meio de sentenças pendentes de liquidação, celebrei com o presidente do Banco Central, dr. Armínio Fraga, o Convênio Bacen-Jud, destinado a disciplinar o bloqueio judicial de depósitos do devedor em contas bancárias.

Decorridos 20 anos a situação se alterou, mas para pior. Analisemos o relatório do Tribunal Superior do Trabalho, sobre o ano de 2019. Nas Varas do Trabalho foi recebido 1,8 milhão de casos novos. Computados os processos entrados nos tribunais regionais e no TST, o total foi de 3,056 milhões. No mesmo período foram julgados 4,007 milhões. O tempo médio gasto entre ajuizamento e encerramento da ação, com o trânsito em julgado da sentença, é de 1,6 ano no TST, dez meses nos Tribunais Regionais do Trabalho, sete meses nas Varas do Trabalho.

Ascânio Seleme - Um país no passado

O Globo

O Brasil, que está parado desde janeiro de 2019, corre o risco de ver sua democracia destruída ao recuar pelo menos 30 anos em direção ao passado se o presidente não for impedido

A imagem que a Secom escolheu para homenagear o agricultor brasileiro, a silhueta de um homem carregando uma espingarda em meio a uma plantação, remete o espectador a um passado sombrio da História do campo brasileiro. Da mesma forma, a live abusiva de Jair Bolsonaro desta quinta-feira mostra o caminho que nos joga de novo nos anos 1980. Trata-se de passos calculados para levar o Brasil de volta às trevas. A ideia absurda mas visível que está por trás de cada um desses movimentos é terminar o ciclo fechando o país, o Congresso e o Supremo, suspendendo direitos políticos, calando a imprensa, baixando o porrete.

O agricultor armado lembra os piores momentos da guerra no campo, com a criação da União Democrática Ruralista, a UDR. Formada em 1985 como grupo de lobby para defender os interesses do setor na Constituinte, a UDR acabou se transformando no principal polo de disseminação da violência. Jagunços armados nas fazendas do interior do país se transformaram na imagem agora revivida pela Secom. Ataques contra líderes do movimento dos sem-terra, padres e sindicalistas rurais deixaram um rastro de mortes no país cujo maior símbolo foi o seringalista Chico Mendes.

A defesa tão intransigente quanto obtusa do voto impresso feita por Bolsonaro também joga luz sobre o Brasil dos coronéis do interior, que carregavam os eleitores em caminhões para votar e depois contavam seus votos, um a um. E ai de quem não votasse em quem o coronel mandou. Os mais velhos vão se lembrar das apurações das eleições que antecederam o voto eletrônico. As urnas eram abertas e as cédulas espalhadas em mesas. Cada uma delas composta por mesários, os contadores oficiais de votos, e representantes de todos os partidos. Uma algazarra, um ambiente para lá de propício para a fraude. Imagine este quadro hoje, com mais de 30 partidos ao redor das mesas de apuração.

Carlos Alberto Sardenberg - Os crimes do presidente: quem vai punir?

O Globo

Como lidar ou, se quiserem, como reagir ao presidente Bolsonaro? É mais fácil dizer o que não se deve fazer: bater boca com ele. Essa é a casa dele.

Alguns sugerem não fazer nada: deixem ele falar sozinho com a turma do cercadinho.

Não é boa ideia. Afinal, o cara é presidente eleito com 57,7 milhões de votos. Não se pode dizer que sejam todos fiéis. Muita gente, a maioria, acredito, votou nele considerando a opção melhor ou menos ruim, de modo que depositaram um mínimo de confiança em sua capacidade.

Nesse pessoal, é possível que cole a questão do voto impresso. Qual o problema, dirão, de tirar um print do voto?

Por isso, fez muito bem o Tribunal Superior Eleitoral ao responder, on-line, em tempo real, às mentiras que Bolsonaro foi espalhando na live da última quinta-feira. O TSE ocupou espaço nas redes sociais — território bolsonarista — e deu argumentos técnicos, detalhados, contra as fake news. Mostrou que uma urna cheia de papeizinhos impressos é mais vulnerável a roubos de toda espécie do que a urna eletrônica.

Portanto temos aqui uma linha de resposta. Não cair na armadilha do bate-boca, mas responder com serenidade, mostrando fatos, sem exclamações.

Isso vale especialmente para a imprensa independente. E é o que temos procurado fazer aqui, no Grupo Globo. Os leitores não imaginam o tempo e os recursos que usamos para checar e rechecar as falas do presidente e sua turma.

Lógico, há uma parte dos eleitores de Bolsonaro — os fiéis dos cercadinhos — que nem sequer se inteira do que se publica na imprensa independente. Vive, como seu chefe, no mundo das fake news da internet.

Pablo Ortellado – Tragédia anunciada

O Globo

O incêndio de um edifício da Cinemateca Brasileira é tragédia anunciada, fruto do abandono deliberado do governo Bolsonaro. Movida por uma mistura de fanatismo ideológico e ignorância arrogante, a Secretaria Especial da Cultura suspendeu os recursos necessários para a manutenção da mais importante cinemateca da América Latina.

A Cinemateca Brasileira é uma instituição de preservação e difusão do audiovisual que foi fundada em 1956 pelo crítico Paulo Emílio Salles Gomes e incorporada pelo governo federal em 1984. Seu acervo inclui uma parte muito expressiva da produção audiovisual brasileira, em que se destacam os arquivos da extinta TV Tupi, produções dos estúdios Vera Cruz e Atlântida e o acervo do diretor Gláuber Rocha. Ela divide seu acervo em dois edifícios, um que abriga a maior parte dos filmes, no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, e outro, onde ocorreu o incêndio, no bairro da Vila Leopoldina, que abriga documentos e equipamentos antigos guardados para a constituição de um museu.

Com o incêndio, pode ter sido perdida toda a documentação histórica dos últimos 50 anos das políticas de audiovisual do país, do Instituto Nacional de Cinema, de 1966, até a Secretaria do Audiovisual, passando pela Embrafilme (1969-1990). O edifício abrigava cerca de quatro toneladas de documentos.

Marcus Pestana* - A saúde, o veto e as inovações tecnológicas

Na última terça-feira, saiu publicado no DOU o veto do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei no. 6330/2019, de autoria do senador Reguffe (PODEMOS/DF), que pretendia estabelecer a incorporação automática dos medicamentos antineoplásicos de uso oral a partir do simples registro na ANVISA, sem a devida “Avaliação de Tecnologias em Saúde” (ATS) pela ANS, para todos os usuários de planos e seguros de saúde.

Sempre considerei que a aprovação de qualquer medida legislativa deveria se dar a partir da avaliação criteriosa de seu conteúdo e não de sua origem ou da postura governista ou oposicionista do parlamentar. Não há sentido em uma oposição sistemática do tipo “quanto pior, melhor”. Ouso dizer, na linha de Rodrigo Maia, que o veto presidencial está correto.

Filiação de 41 prefeitos aliados a Doria leva a novo impasse no rito de votação das prévias do PSDB

Aliados do governador dizem que novos integrantes do PSDB poderão votar na eleição interna que escolherá candidato do partido à Presidência. Adversários contestam e acusam paulista de inflar colégio eleitoral das primárias com liberação de recursos

Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - A filiação de uma leva de 41 prefeitos paulistas tem provocado polêmica no PSDB. Aliados do governador João Doria querem que esses novos tucanos tenham direito a voto nas prévias que escolherão em 21 de novembro o candidato do partido à Presidência da República. Outra ala do partido, no entanto, acha que quem aderiu à sigla recentemente não deve participar das primárias.

Adversários de Doria ainda acusam o governo do estado de cooptar os prefeitos com liberação de recursos para suas cidades. Do grupo de novos filiados, pelo menos 24 anunciaram nas redes sociais nos últimos dois meses terem sido contemplados por programas do governo estadual, seja por meio de promessa de repasses para obras, recebimento de equipamentos ou benefícios para seus moradores.

No último dia 14, o PSDB realizou uma cerimônia na sede do diretório de São Paulo para anunciar a chegada de 41 prefeitos e 24 vices ao partido. Desde então, o departamento jurídico nacional da legenda foi consultado diversas vezes sobre as regras de votação das prévias e a permissão de participação de políticos com cargos que se filiarem até 30 dias antes da disputa.

Prioridade na eleição de parlamentares e cenário presidencial fazem partidos projetarem menos candidatos a governador em 2022

PT, PSB e MDB estão entre as legentas que projetam uma redução de postulantes aos Executivos estaduais em relação a 2018

Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - A necessidade de priorizar a eleição para a Câmara dos Deputados, que serve como parâmetro para o cálculo dos fundos partidário e eleitoral, deve ditar a estratégia dos partidos para lançar candidatos aos governos estaduais na eleição do próximo ano. Legendas como PT, PSB e MDB projetam uma redução de postulantes aos Executivos estaduais em relação a 2018. Além de fortalecer as bancadas federais, e assim garantir uma fatia maior de recursos, a construção de alianças para a disputa presidencial também deve ser levada em conta.

O veto ao aumento do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso, prometido novamente ontem pelo presidente Jair Bolsonaro, pode impactar diretamente a estratégia dos partidos. Ao aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), os parlamentares elevaram de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões o valor destinado para as legendas bancarem as campanhas. Bolsonaro já indicou apoio a um fundo de R$ 4 bilhões. Ontem, em uma mudança de posição, afirmou que só vai permitir a correção do valor do fundo de 2018 ( R$ 1,7 bilhão) pela inflação. Ele não explicou o período de cálculo do aumento nem o índice que seria seguido. Se a promessa for cumprida, o valor ficaria em torno de R$ 2,2 bilhões. Eventual veto ainda tem que ser submetido ao Congresso, que pode derrubá-lo.

— Vou vetar tudo que exceder... Você leva em conta o que foi usado na campanha de 2018. Isso é lei. Sou obrigado a cumprir a lei. Valor “x”. Aplica a inflação de lá para cá. Será “x” mais “y”. O que exceder, vou vetar — disse o presidente à rádio 89FM, de São Paulo.

Com desemprego de 14,6%, Guedes faz crítica ao IBGE. Analistas destacam o peso da informalidade

Dados do instituto mostram que trabalhadores sem carteira e conta própria representam 40% do mercado de trabalho

Carolina Nalin e Raphaela Ribas / O Globo

RIO - Pouco mais de um ano após o início da pandemia, a crise no mercado de trabalho ainda ensaia recuperação, de acordo com dados divulgados pelo IBGE.  Em maio, a taxa de desemprego ficou estável, em um patamar elevado, de 14,6%, com 14,8 milhões de pessoas em busca de uma oportunidade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua.

Perguntado sobre o resultado, o ministro da Economia, em evento no Rio, criticou a metodologia do IBGE dizendo que ele está “na idade da pedra lascada”.

Na avaliação de especialistas, a pesquisa do IBGE mostra um retrato de recuperação gradual, com aumento da procura por vagas, puxada pelo avanço da vacinação e da retomada da atividade econômica.

Como o aumento da oferta de postos de trabalho não é suficiente para atender a demanda, o brasileiro busca uma saída no emprego sem carteira assinada ou no trabalho por conta própria.

A taxa de informalidade vem subindo desde maio do ano passado e atingiu 40%, o equivalente a 34,7 milhões de pessoas.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro insulta o Brasil

O Estado de S. Paulo

É muito provável que Jair Bolsonaro continue sua campanha para minar a democracia, ao lançar dúvidas sobre a lisura das eleições

O presidente Jair Bolsonaro insultou o Brasil inteiro ao mobilizar as atenções do País para o espetáculo imoral e degradante que protagonizou na noite de quinta-feira. Usando recursos públicos, com transmissão pela TV Brasil e pelas redes oficiais da Presidência, desde o Palácio da Alvorada, residência oficial, e ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro disseminou mentiras escandalosas para minar a confiabilidade do sistema de votação brasileiro. Foi um ataque direto e inequívoco à democracia.

Bolsonaro passou a semana prometendo apresentar “provas” – uma “bomba”, segundo definiu – de que as urnas eletrônicas foram fraudadas para prejudicá-lo na eleição passada. Faz três anos que Bolsonaro anuncia ter as tais “provas”, mas nunca as mostrou. Chegado o momento, o presidente passou mais tempo ofendendo o Tribunal Superior Eleitoral – em particular seu presidente, ministro Luís Roberto Barroso, acusado por Bolsonaro de impedir que haja eleições “limpas”, para favorecer o petista Lula da Silva – do que demonstrando a alegada vulnerabilidade do sistema.

Quando afinal resolveu exibir as tais “provas”, limitou-se a mostrar vídeos com falsas denúncias que circulam há anos na internet, um deles produzido por um astrólogo que diz fazer acupuntura em árvores, e a dar crédito a análises estatísticas claramente distorcidas.

Por fim, admitiu candidamente que “não temos prova” e que “não tem como comprovar que as eleições foram ou não foram fraudadas”. Bolsonaro disse haver “indícios”, mas nem isso foi apresentado pelo presidente.

As agências de checagem de informações e a Justiça Eleitoral trabalharam dobrado para verificar, em tempo real, todas as mentiras de Bolsonaro. Mas, na prática, é ocioso esperar que a exposição da patranha seja suficiente para constranger o presidente, pois a mentira é a essência de Bolsonaro e do bolsonarismo.

Poesia | Manuel Bandeira - Cotovia

 

Música | Maria Bethânia - Prudência

 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Vera Magalhães - Bolsonaro já nem finge que trabalha

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro desistiu até de tentar fingir que governa, que trabalha. Daqui às eleições, será alguém voltado apenas à tentativa cada vez mais desesperada de se reeleger. A live desta quinta-feira pode ser considerada a peça inaugural de um vale-tudo cada vez mais perigoso para permanecer no poder.

Bolsonaro montou uma “surperprodução” no Palácio da Alvorada. Fez um rapapé para aumentar a audiência da transmissão que faz todas as quintas-feiras abrindo, via Secom, credenciamento para a imprensa.

Apresentaria, finalmente, as “provas” da fraude da eleição de 2014, algo que vem apontando há anos de forma leviana, juntamente com o mentiroso “roubo” de sua própria eleição em primeiro turno.

Nos primeiros minutos, fraudes viraram “indícios”. E Bolsonaro enfileirou ataques: ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral, ao ministro Luís Roberto Barroso, aos senadores da CPI.

Com o rosto transfigurado pelo pânico diante da perda de popularidade e pela evidência de que a classe política não embarcará em seu delírio, Bolsonaro, sem conexão nenhuma, misturou armamento da população, Cuba, Argentina, PT, Lula, Tarcísio Freitas e outras tantas platitudes para se fazer de vítima de um complô de quem não quer eleições democráticas.

Ficou flagrante o uso da máquina do Executivo em favor de uma obsessão autoritária: foi produzida às pressas uma logomarca com um “garoto-propaganda” do tal “voto auditável”.

Na melhor técnica de um mentiroso contumaz e descompromissado com a democracia, Bolsonaro enunciou perguntas conspiratórias para as quais, é claro, não apresentou respostas. Não era esse o objetivo: era plantar alguma ponta de dúvida na cabeça dos eleitores.

Bernardo Mello Franco - Ouro em desinformação

O Globo

O Brasil ainda luta por medalhas em Tóquio, mas já garantiu o ouro na Olimpíada da desinformação. Na última década, nenhum país da América Latina caiu tanto nos rankings que medem o respeito à liberdade de expressão. A queda se agravou nos primeiros dois anos do governo de Jair Bolsonaro.

Em relatório divulgado ontem, a organização britânica Artigo 19 mostra que o Brasil despencou para a 86ª posição numa lista de 161 países. Agora aparece atrás de nações como Albânia, Afeganistão e Haiti.

No documento, Bolsonaro desponta como um mentiroso contumaz. Só no ano passado, disparou 1.682 declarações falsas ou enganosas. Isso equivale a mais de quatro cascatas por dia, sem descontar domingos e feriados.

O mentirômetro do Planalto registrou novos recordes na pandemia. Em vez de enfrentar o coronavírus, o capitão sabotou as medidas de distanciamento, fez propaganda de remédios ineficazes e tentou maquiar o número de mortos pela doença.

Fernando Abrucio* - O Centrão vai suportar o ‘Custo Bolsonaro’?

O Estado de S. Paulo

A live do presidente Bolsonaro sobre as supostas fraudes nas urnas eletrônicas mostra que se casar com ele significa levar todo o combo bolsonarista junto. O Centrão imagina que possa ficar só com o lado bom desse casamento: o comando de grande parte do Orçamento federal, peça-fundamental para reeleger deputados e senadores desse grupo. Porém, existe um outro lado: as teses malucas e autoritárias defendidas pelo bolsonarismo.

No fundo, a aposta política do Centrão envolve incorporar o que se poderia chamar de ‘Custo Bolsonaro’. Os políticos de partidos tradicionais da centro-direita que agora aliam-se ao presidente da República poderão ser, em alguma medida, identificados com os atos golpistas e extremistas do bolsonarismo. Três efeitos negativos podem advir disso. Primeiro e mais importante: alguns parlamentares do Centrão têm processos no STF e serão acompanhados pelo TSE durante a eleição de 2022. Aparecerem como incendiários da democracia os ajudará nestas arenas judiciais?

Entrevista | Sergio Fausto: ‘É importante dar um sinal de unidade no campo democrático’

Sergio Fausto, cientista político e diretor executivo da Fundação FHC

Cientista político é cético quanto à competitividade dos nomes do centro; ele defende um canal de diálogo entre PT e PSDB

Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

Diretor executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso e um dos dirigentes do projeto Plataforma Democrática, o cientista político Sergio Fausto defende que o PSDB e o PT mantenham um canal de diálogo para que os partidos possam estar juntos em um eventual 2° turno da eleição presidencial de 2022 caso o adversário seja o presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, ao se encontrarem em maio, “deram um sinal claro de que, em que pese muitas diferenças entre as forças que representam, ambos estão no campo democrático.” Ao Estadão, Sergio Fausto disse ainda ser “cético” em relação à viabilidade de um candidato que represente uma terceira via na disputa pelo Planalto. 

Existem pré-candidaturas presidenciais já apresentadas por partidos do centro político. Qual a chance de alguma delas liderar a chamada terceira via?

Aos olhos de hoje, a probabilidade de surgir uma candidatura competitiva que aglutine todas as forças de centro, que vão do Ciro Gomes (do PDT) ao (Luiz Henrique) Mandetta (do DEM), é remota. 

Entre as opções apresentadas, acredita que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é um nome viável?

Sou cético sobre o Doria ser esse nome, em que pese que, ao meu juízo, ele vem fazendo um bom governo em São Paulo. Ele não conseguiu até o momento agregar as forças políticas e ser visto como um ponto de convergência. Doria tem dificuldade em ultrapassar as fronteiras de São Paulo, e mesmo no Estado é um candidato que encontra resistências. Ele terá que fazer seus cálculos.

Ricardo Noblat - Justiça Eleitoral inova e rebate mentiras em tempo real

Blog do Noblat / Metrópoles

Em sua conta oficial no Twitter, o Tribunal Superior Eleitoral apontou 17 mentiras pregadas por Bolsonaro em live no Facebook

Jair Bolsonaro faltou com a palavra que deu ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão, de que pararia de bater duro no Supremo Tribunal Federal e em seus ministros.

Nogueira sequer tomou posse na chefia da Casa Civil da presidência e Bolsonaro, em conversa com seus devotos no Palácio da Alvorada, atacou outra vez o ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso não é só ministro do Supremo, é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral. À noite, em live no Facebook, Bolsonaro não resistiu à tentação e voltou a espicaçar o ministro.

Não esperava revide, mas houve revide e em tempo real. Pelo menos 17 afirmações feitas por Bolsonaro foram apontadas como falsas em posts publicados na conta oficial do tribunal no Twitter.

Nunca antes nesse país se viu nada parecido. Os tribunais só se manifestam por meio de notas oficiais ou pela boca dos seus ministros. O tribunal inovou e surpreendeu Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde - Governo vira comitê de campanha

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro mexe as peças com objetivo de salvar o pescoço e garantir sua reeleição em 2022.

Goste-se ou não de Roberto Jefferson, o polêmico político do PTB e do Centrão que detonou a crise do mensalão no governo Lula, ele tem razão: a reforma ministerial do presidente Jair Bolsonaro lembra a manobra de Fernando Collor para salvar o pescoço em 1992, quando mudou o seu governo para ampliar a base de apoio no Congresso. No caso de Collor, foi tarde demais. E no de Bolsonaro?

O fato é que foi uma decisão drástica entregar a “alma do governo” para o senador Ciro Nogueira, do PP, líder do Centrão e aliado do PT em 2018, quando chamava Bolsonaro de “fascista”. O Centrão está com tudo, os militares vão escorregando para o segundo pelotão e Paulo Guedes perde de nacos de poder para Onyx Lorenzoni construir sua campanha durante curtos – ou longos? – oito meses, até se desincompatibilizar para disputar o Governo do Rio Grande do Sul.

Carlos Melo* - No fim, uma live eleitoral

O Estado de S. Paulo

Como tantas lives, foi instrumento eleitoral onde o presidente esconde a realidade do País. Investiu na fantasia do complô e não entregou nada além do que está no zap das suas redes.

Verdade que nada disso importa ao negacionismo nacional, mas os dados do TSE são transparentes, estudiosos os acompanham em detalhe, há fiscalização de candidatos e partidos, observadores internacionais; tudo pode ser auditado, sim. A acirrada concorrência na imprensa não facilitaria silêncios e conluios. Eventos isolados não constroem um fato; nunca se constatou algo relevante. Ainda assim, depois de muito cobrado, Jair Bolsonaro se dispôs a apresentar sua “bomba” contra a Justiça Eleitoral.

A expectativa era mais de forma que de conteúdo: a versão acima dos fatos. E não foi bomba, foi traque. Como tantas lives, foi instrumento eleitoral onde o presidente esconde a realidade do País. Exibiu falsos brilhantes, silogismos, falou em nome de um povo que supostamente o apoia, mas que as pesquisas não comprovam. Investiu na fantasia do complô e não entregou nada além do que está no zap da sua rede.

Bruno Boghossian - Centrão e extremistão

Folha de S. Paulo

Não há ilusão de normalidade na contratação de um operador político para o Planalto

novo chefe da Casa Civil chegou ao Planalto com a missão de azeitar relações com o Congresso, reduzir tensões com o STF e preparar terreno para a reeleição de Jair Bolsonaro. A contratação de um profissional para cumprir essas funções deixa o presidente livre para continuar exercendo sua especialidade: trabalhar na direção contrária.

Ao mesmo tempo em que abria as portas do governo para o centrão, Bolsonaro espalhou novas mentiras sobre a atuação do Congresso na aprovação do fundo eleitoral, acusou integrantes do Supremo de conspiração e voltou a divulgar informações falsas para tumultuar a realização das próximas eleições.

Não há nenhuma ilusão de normalidade na contratação de um nome como Ciro Nogueira para administrar as articulações e gerenciar o trabalho do Planalto. O centrão pode até tentar reduzir danos políticos provocados pelos ataques de Bolsonaro às instituições, mas a linha mestra do governo continua sendo executada no gabinete presidencial, controlado pelo líder do extremistão.

Ruy Castro - Por trás da boçalidade

Folha de S. Paulo

Os palavrões, grosserias e agressões são só uma frente. O perigo está no que isso esconde

Você já viu pelo menos um pronunciamento oficial de Jair Bolsonaro. Ele fala sentado a uma mesa numa sala, tendo ao fundo uma indefesa bandeira nacional e uma simulação de biblioteca. Os livros, comprados pelas cores das lombadas, estão ali para sugerir compostura e reflexão. Inútil, porque o que sai pela boca do orador, em forma, conteúdo, expressão, timbre e dicção, revela um analfabeto funcional —aquele que, tecnicamente alfabetizado, capaz de reconhecer as letras, despreza o pensamento abstrato, por não lhe servir para nada. Segundo pesquisas, o brasileiro médio lê 4,96 livros por ano. Já é pouco, mas Bolsonaro deve levar 4,96 anos por livro.

Nesses pronunciamentos, Bolsonaro se faz acompanhar de um dois de paus, que não abre a boca, e de um tradutor ou tradutora de libras, cuja função é levar os palavrões e grosserias de Bolsonaro aos deficientes. Há dias, quando ele evacuou sua imortal declaração "Caguei! Caguei pra CPI!", a intérprete de libras era uma patusca senhora de óculos. Conhecendo Bolsonaro, e pelo desembaraço com que traduziu o desaforo —nem sombra de titubeio—, já deve ter um estoque de porras, não f.... e PQPs em seu vocabulário. A não ser que emita uma tradução asséptica, caso em que merecerá um sonoro esporro por desfigurar o estilo do patrão.

Hélio Schwartsman - Precisamos de mais impeachments

Folha de S. Paulo

O impeachment é uma instituição em evolução

impeachment é um processo traumático que não pode ser banalizado. Não digo que essa afirmação esteja errada, mas penso que precisa ser relativizada.

Em regimes presidencialistas, as eleições ocorrem em prazos predeterminados e espera-se que os eleitos concluam seus mandatos. Se a ideia é tornar a dissolução de governos um processo mais simples e de fácil digestão política, aí seria melhor adotar de vez o parlamentarismo.

Na América Latina, onde desde o século 19 vicejam os presidencialismos, o impeachment costumava funcionar como uma espécie de bomba atômica —uma arma concebida para jamais ser utilizada. Grupos interessados em promover mudanças de governo preferiam recorrer diretamente a militares e seus tanques.

Reinaldo Azevedo - O perigo é o centrão perder para o PM

Folha de S. Paulo

Risco de rompimento do equilíbrio instável não está no acordo com Nogueira e Lira

A "prova matemática" que Jair Bolsonaro apresenta de que houve fraude em 2018 é, ela mesma, uma fraude já desmoralizada pelos... matemáticos. O truque, a exemplo do que se dá com o cloroquinismo, consiste em chamar de mera opinião a ciência, e de ciência a mera opinião ou o proselitismo ideológico. Uma postura corrói a democracia; a outra mata pessoas. O momento é delicado. Bolsonaro já sabota seu recém-indicado ministro da Casa Civil.

A trapaça se opera com a mesma sem-cerimônia com que o crime é chamado de liberdade de expressão, e a liberdade de expressão, de crime. E tudo se dá sob o silêncio cúmplice do procurador-geral da República, Augusto Aras, ele próprio empenhado em criminalizar os que têm uma opinião desabonadora não a respeito de sua pessoa privada —talvez seja um cara bacana—, mas de seu desempenho à frente da PGR, a exemplo do que faz com Conrado Hübner Mendes, colunista deste jornal.

Dora Kramer - De galho em galho

Revista Veja

Há um ano e oito meses Jair Bolsonaro governa sem filiação partidária. Desde que a República é República não se tem notícia de algo parecido

Há um ano e oito meses Jair Bolsonaro governa sem filiação partidária. Ele saiu do PSL em novembro de 2019, tentou criar sem sucesso o Aliança para o Brasil e, de lá para cá, entabulou negociações com nove legendas, chegou a pensar em ressuscitar a UDN, mas nada deu certo. Desde que a República é República não se tem notícia de algo parecido.

Ainda que nos últimos 132 anos o Brasil não tenha tido na Presidência ninguém nem de longe parecido com Bolsonaro — não por falta de concorrentes no quesito picaresco —, a situação é inusitada. O poder é um atrativo para partidos. Presidentes da República, então, representam uma oportunidade única de crescimento para qualquer agremiação.

Partidos crescem na Presidência. Basta ver o que foram PMDB e PFL no governo José Sarney, o PSDB na passagem de Fernando Henrique Cardoso pelo Planalto, o PT na era Lula e observar a ascensão do PSL à condição de segunda maior bancada da Câmara no abrigo dado à candidatura de Bolsonaro.

Ricardo Rangel - Os generais não sabem quem é o inimigo

Revista Veja

Bolsonaro humilha e desmoraliza generais constantemente, mas os generais preferem reclamar dos senadores

Bolsonaro disse que o general Luiz Eduardo Ramos não é um ministro “nota 10”. Disse isso poucos dias depois de defenestrar o general para pôr em seu lugar alguém que os militares detestam: um cacique do Centrão — esse, sim, nota 10. Tempos atrás, o presidente nada fez quando Ramos foi chamado de “maria fofoca” por Ricardo Salles.

Bolsonaro disse também que o general Mourão “atrapalha um pouco”, é como aquele cunhado do qual a gente não pode se livrar, tem que aturar. Antes disso, mandou o vice-presidente — que não é seu subordinado — passar o vexame de ir a um país estrangeiro para cuidar de interesses particulares de uma igreja, expondo-o a sofrer denúncia criminal e até processo de impeachment.

Bolsonaro desautorizou e humilhou o general Pazuello várias vezes, constrangeu-o a cometer atos ilegais e até criminosos, e o sujeitou ao vexame de dizer o “ele manda, eu obedeço”. Ao chamar o general ao palanque de seu comício, o presidente o levou a infringir a lei e o regulamento militar.

Murillo de Aragão - Em busca de novos caminhos

Revista Veja

O Brasil precisa tomar o rumo da racionalidade para ter sucesso

Na tese do copo d’água meio cheio, o Brasil só não fracassou em termos. Estamos entre as maiores economias do mundo e somos o segundo maior produtor de alimentos, entre outras façanhas. Mas existe o meio copo d’água vazio, que, em algum momento, terá de ser preenchido. Ou nos afogaremos em um país de fato fracassado.

Aos que têm recursos é fácil imaginar uma vida amena fora do Brasil. E, de lá, meter o pau no país, entre uma taça e outra de vinho. Mas a questão importa para os mais de 200 milhões de brasileiros, pelo menos, que não vão sair daqui, e nem sequer sabem o que é um passaporte. Devemos pensar neles. 

Qual seria o caminho para incorporar milhões de brasileiros em uma nação potencialmente virtuosa? Devemos começar pensando que as soluções do passado não funcionaram. O tenentismo nos trouxe a estatização e terminou reforçando a supremacia do Estado sobre a sociedade.