sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Claudia Safatle - O exemplo que vem do Chile

Valor Econômico

Só com reponsabilidade fiscal é que s pode pensar em responsabilidade social, como ensina Lagos

Ricardo Lagos, presidente do Chile entre 2000 e 2006, eleito pelo Partido Socialista, mostrou uma compreensão incomum entre os seus pares latino-americanos, ao dizer, logo no início do seu mandato, que seria ortodoxo na política fiscal para poder ser ousado na política social. Durante o seu governo, que terminou com elevada popularidade, em 2005 tinha mais de 70% de apoio popular, criou o seguro-desemprego, assinou tratados de livre-comércio com os Estados Unidos, China e União Europeia, conduziu um vigoroso programa de concessões de obras públicas de infraestrutura e implementou diversas reformas concebidas por alguns de seus antecessores.

Tal como o Brasil, o Chile viveu períodos de alta inflação e desajuste nas contas do setor público, até que em 1973 houve um golpe militar liderado por Augusto Pinochet - que depôs Salvador Allende, socialista, que se matou - e implantou uma ditadura terrível. Quando a junta militar assumiu o poder, a inflação estava na casa dos 700% e o déficit era de 23% do PIB, caindo para cerca de 7% do PIB já no ano seguinte.

O Chile produziu superávits fiscais estruturais entre 1987 e 2010, demonstrando um consenso do sistema político em relação à responsabilidade fiscal. Neste ano, segundo o relatório da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) com base no artigo IV do estatuto do Fundo, está previsto um superávit fiscal de 1,6% do PIB, o primeiro em uma década, frente a um déficit de 7,7% do PIB no ano anterior. A dívida pública do país porém, é de 35,4% do PIB, segundo dados de junho deste ano. No Brasil, a dívida corresponde a 77% do PIB, mais que o dobro da chilena.

Lula, também, no primeiro mandato sinalizou ortodoxia ao indicar Antonio Palocci para a pasta da Fazenda, Henrique Meirelles para o Banco Central e Joaquim Levy para a Secretaria do Tesouro. O receio de uma ruptura na condução da política econômica elevou o risco-país para mais de 1.500 no fim de 2002.

Arminio Fraga, então presidente do Banco Central no governo de FHC, elevou a taxa de juros de 18 % para 25% ao ano, de forma paulatina, antecipando o aperto monetário que teria que ser feito por Meirelles para trazer a inflação para a meta.

No início do governo Lula, a equipe econômica deu sinais de que seguiria com rigor na execução do tripé macroeconômico, entendido como meta para a inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit primário das contas públicas. Houve aumento adicional dos juros, que foram para 26,5% ao ano, e um reforço da meta de superávit primário, que passou de 3,75% para 4,25% do PIB em 2003.

No Brasil a política fiscal tem sido marcada por componentes procíclicos. Faz-se uma gastança nos momentos de abundância e corta-se as despesas quando não dá para passar a conta para o futuro. Há uma longa tradição de populismo fiscal no país.

Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República em 2011 e deu início ao que se convencionou chamar de Nova Matriz Econômica, que era marcada pela redução da taxa de juros, desvalorização da taxa de câmbio e redução das metas de superávit primário. Justamente quando o país estava vivendo o pleno emprego e certa pressão sobre a inflação, dado que havia, ali, uma situação de aquecimento da demanda. Ou seja, enquanto a conjuntura exigia certa austeridade fiscal e monetária, adotou-se no governo uma fase expansionista de ambas, gerando mais inflação e deterioração do quadro fiscal.

Um novo ciclo de aumento do juros coincidiu com a determinação da Presidência da República para que os bancos federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazônia (Basa) aumentassem a oferta de crédito a juros mais módicos. Foram dois sinais distintos de política fiscal e monetária.

Foi com a crise da dívida externa que o Brasil começou a olhar com lupa para os números das contas públicas, mediante acordo com o FMI.

Começou, em 1983, uma discussão sobre como medir o déficit público, pelo conceito nominal, operacional ou primário. Foram necessárias mudanças fundamentais na elaboração do Orçamento da União que convivia com o orçamento monetário; foi o fim da conta movimento que o Banco do Brasil mantinha junto ao Banco Central, que irrigava de recursos o caixa do BB para que ele atendesse às demandas por financiamentos. Criou-se a Secretaria do Tesouro Nacional, que passou a administrar a dívida pública, dentre diversas outras mudanças necessárias para dar maior transparência e melhor gestão às contas públicas.

Com a transição civilizada entre Fernando Henrique Cardoso e Lula, parecia que a responsabilidade fiscal havia se incorporado aos usos e costumes do sistema político e seria parte de um consenso entre governo e oposição.

Não foi, porém, o que Lula apresentou nos primeiros pronunciamentos depois de eleito para um terceiro mandato. Aliás, Lula começou mal e espera-se que o Congresso defina os limites das pretensões do presidente eleito na PEC da Transição. E que as palavras de Lagos sirvam de exemplo para os mandatários latino-americanos. Só com responsabilidade fiscal é que se pode pensar em responsabilidade social. Não há um país com desequilíbrio fiscal que possa estar pensando em aumentar o salário mínimo em termos reais, pagar R$ 600 por auxílio aos mais desfavorecidos e mais R$ 150 por criança até os seis anos de idade, dar aumento para o funcionalismo, corrigir a tabela do Imposto de Renda, etc...

Afinal, no Brasil, são quase 40 anos desde que o FMI veio aqui e mostrou para a sociedade brasileira que, do jeito que estavam as contas públicas, um caminho para uma solução seria a hiperinflação.

É a inflação que resolve os conflitos distributivos quando ninguém mais quer resolvê-los. E sabe-se bem quem é que costuma a pagar mais por ela: é o povo mais pobre, que não tem como se defender da escalada dos preços.

Essa é uma história bem conhecida dos brasileiros.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que a tia que escreve essa bobagem acima já foi visitar as pessoas que moram perto da USACH e da rodoviária de Santiago? Falar da riqueza do Chile e ficar somente ao norte da Praça Itália é igual ver riqueza no Brasil e ficar somente na Faria Lima.