quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Míriam Leitão - Erros alheios e novos equívocos de Lula

O Globo

Presidente eleito conseguiu o que precisava para governar, agora terá que nomear um ministério mais diverso e identificar cortes de despesas

O Brasil vive um tempo espantoso. O fantasma silente de um governo morto tem o comando de todos os órgãos e símbolos de poder, mas não governa. Do futuro governo, tudo é cobrado antes da posse. Para garantir sua inauguração, o presidente Lula teve que conquistar o direito de ter um orçamento, a ser votado hoje “impreterivelmente”, como me disse o relator, mas antes foi necessário aprovar uma mudança constitucional que garantisse recursos. Um espectro ronda Brasília querendo assombrar vencedores que se preparam para as comemorações.

A votação da PEC garantiu a Lula os recursos para recompor despesas, a licença para acabar com o teto por lei complementar. E deu ao governo findo o direito de encerrar suas contas. Porque é fundamental entender que Bolsonaro não fecharia suas contas sem o socorro da PEC que Lula negociou. Esse começo tem sido complexo. Por isso, repetir que Lula precisou da PEC para cumprir as suas promessas de campanha ou chamá-la de “PEC da gastança” não é definição nem explicação correta. Ele precisou disso para ter as condições de administrar o país deixado à deriva por Bolsonaro que, na prática, renunciou ao resto do mandato ao perder a eleição. Dos atos de Bolsonaro só se tem notícia de tentativas de proteger alguns apaniguados, e o último tiro que ele reservou para disparar contra os indígenas.

Lula acabou tendo o que precisava. Na conta de alguns economistas, a PEC lhe deu mais do que precisava de ampliação de despesas. É necessário agora preparar a lista de cortes logo nos primeiros meses de governo. O PT tem excelentes formuladores e gestores de políticas sociais. Eles deveriam se debruçar sobre o Bolsa Família, tentando encontrar as fraudes e regulando melhor os critérios para que a pessoa se credencie a ter acesso a essa política. Isso significa,por exemplo, voltar-se para a lógica do CadUnico. Uma economista que já integrou a administração federal na área econômica calcula que isso poderia poupar de R$ 15 bi a R$ 30 bi. Mais importante que o valor é focalizar novamente o Bolsa Família nos pobres. Outra despesa suprimível é, como tenho dito aqui, o subsídio à gasolina.

Os sinais dados nas últimas sessões do Congresso foram negativos. Primeiro esse aumento generalizado de salários para as cúpulas dos poderes, e para funcionários do legislativo. Claro que terá efeito cascata e o valor total desses aumentos não foi contabilizado. No governo Bolsonaro não houve aumento do funcionalismo civil. Isso não é uma política fiscal muito menos reforma administrativa. É mais um esqueleto que Bolsonaro deixa. Mas todo governo que começou com reajuste generalizado de salários enfrentou dificuldades.

Outro sinal ruim foi o aumento das emendas parlamentares. O governo tinha o direito de remanejar os R$ 19,4 bilhões das RP9, porque elas foram consideradas inconstitucionais. Mas aceitou a pressão para dividir esse dinheiro, elevando ainda mais os recursos para os parlamentares. O Congresso já tem um volume considerável de recursos em mãos através das emendas individuais, de bancada e de comissão. O executivo precisa ter mais espaço para executar seu plano de governo, e isso também foi dito no STF. As emendas parlamentares são, por natureza, fragmentadas e paroquiais.

Foi imposto a Lula um peso excessivo nesta organização inicial do governo, como já disse, mas ele cometeu, por conta própria, alguns erros. Anunciou primeiramente de forma solene e formal cinco homens para o Ministério. Um tapa na cara das mulheres. Informações sobre outros ministros, alguns com representatividade, têm saído informalmente. Em seu primeiro governo, o nome de Marina Silva saiu no mesmo dia que o ministro da Fazenda. A questão ambiental ficou ainda mais urgente vinte anos depois. O ministro Rui Costa avisou que hoje haverá o anúncio de vários nomes. Que eles reflitam o que precisa ser refletido. A diversidade de representação da sociedade, um governo de frente ampla, e pessoas qualificadas.

Ter negros e mulheres no Ministério Lula não é um mero detalhe. É parte do mandato que Lula recebeu. Bolsonaro foi racista e misógino. Essas duas grandes maiorias, mulheres e negros, votaram maciçamente em Lula na expectativa de um governo com valores contemporâneos. Antes de exorcizar o fantasma que ronda Brasília arrastando o governo findo, há tempo para o novo governo acertar o passo.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

"é fundamental entender que Bolsonaro não fecharia suas contas sem o socorro da PEC que Lula negociou."

Aí, gado burro! LULA socorreu o palerma da República.

Anônimo disse...

Mas Lula tem que se socorrer também, colocando ministros capazes e mais mulheres no seu ministério. A colunista está coberta de razão!

ADEMAR AMANCIO disse...

Míriam Leitão sabe do que fala,ou melhor,escreve.