Todas as políticas públicas tem poderosas interfaces incidindo sobre o centro de sua configuração (caput). É aí que entram os jabutis. Há pelo menos seis temas que atravessam transversal e politicamente todos os projetos de lei - energia, trabalho, equidade, multiculturalidade, saúde, educação e meio ambiente - com reflexos diretos no PIB- Produto Interno Bruto: R$ 9,9 trilhões, ou US$2,6 trilhões, em 2022.
Daí que legislar ou gerenciar as políticas setoriais no campo energético, por exemplo, é uma das coisas mais complexas. Envolve a exploração interna dos combustíveis fósseis (petróleo e subprodutos), com efeitos imediatos sobre todo parque industrial brasileiro.
Explorar
as imensas reservas de potássio dentro de uma terra Indígena para produzir
fertilizantes agrícolas, envolve todo campo agropecuário dentro da balança
comercial (1/3), impactando a vida de populações indígenas tradicionais. A
política de mineração (2,5% do PIB), afeta as grandes empreiteiras da
construção civil (9,7 % do PIB) e da siderurgia, inclusive as exportações (18
milhões de toneladas e perto de US$ 10 bilhões). O Brasil conta com 1/3 das
reservas mundiais de grafite e 97% do nióbio, que junto com o grafeno, ampara à
revolução mundial dos chips nas áreas da eletrônica e da medicina., da
construção civil e outros, ajudando lá fora a traçar um novo destino para a humanidade.
Por razões como essas nunca existe no Brasil
unanimidade para aprovação de leis, nem para a Constituição. Os políticos
divergem, os empresários divergem, a sociedade diverge. É a democracia: o
direito de divergir. Cada parte tem um ponto vista, às vezes apenas
ideologizado (“O ópio dos intelectuais": R. Aron), mas que confundem as opções de quem está com a responsabilidade de governar o País. A
política é um instrumento de adequação das diferentes opiniões, e supostamente pretende
facilitar a governabilidade, amparando a alavancagem dos diferentes segmentos
públicos. Mas pode atrapalhar, conduzidas no mundo dos partidos, com seus
programas voltados para interesses próprios.
O “marco temporal" (PL 490/07) é um tema
relacionado com a Política Indigenista, mas entre os interessados diretos estão,
não apenas as populações indígenas (800 mil indivíduos), também os políticos,
empresas de mineração, a indústria siderúrgica, de papel e celulose, a
automobilística, o agronegócio, os ambientalistas, segmentos culturais, e
outros que cobrem um universo superior a dez milhões de trabalhadores.
Vivido nesse meio, o Presidente parece aceitar o princípio da propriedade
da terra das comunidades indígenas ou pessoas que nelas habitam. Correção de
uma injustiça realmente com comunidades indígenas desaparecidas como os charruas
e guaranis mbya, no Rio Grande do Sul; kaigangs e xoclengs do Paraná e Santa
Catarina, expulsos de suas terras, apropriadas por estranhos. No mesmo caso
estão os parakanãs e dezenas de outras nações atropeladas pelos grandes
projetos rodoviários e agropecuários na Amazônia e no Mato Grosso, na década de
1970. No Nordeste dizimaram-se os grupos tupinambás que habitavam a costa, e
tomaram suas terras.
No cenário de hoje, o projeto do “marco
temporal” atravessa, entretanto, interesses de segmentos produtivos que dão
corpo ao PIB, e que se consideram vitimizados pela Lei. Mas, ao mesmo
tempo, os vetos deixam, entretanto, em aberto a possibilidade de exploração
econômica em terra indígena - evidente que em acordo com eles - que, para antropólogos e ambientalistas, são áreas de preservação natural
e sagradas para os índios. Existem trinta e seis reservas indígenas
regularizadas (cerca de 64,5 mil ha); 15 em processo de regularização (60 mil
ha) e o dobro disso engatinha dentro do Governo. A maioria foi ocupada, total
ou parcialmente, por empreendedores privados na área da agricultura. Por outro
lado, institucionalizar o "marco temporal" significa legitimar um
grande número de terras indígenas invadidas. Populações inteiras ficariam mesmo,
em definitivo, sem as terras de origem.
Com esses vetos parciais ao projeto de lei do
"marco temporal" aprovado no Congresso, o Executivo traz, para o
cenário econômico, a possibilidade de o Brasil não apenas aprovar a exploração
de matérias primas importantes dentro das terras indígenas, como o potássio, o
petróleo, o ouro, o nióbio, a hematita e outros. Ganha, entretanto, em
soberania ao possibilitar ao País adotar posições mais coerentes no campo internacional,
e libertar-se das amarras de dependências políticas incômodas como
os fornecimentos de fertilizantes da Rússia (Mais de 60 % para a agricultura).
Fica-se desimpedido eticamente para condenar as ditaduras e guerras
fratricidas e covardes iniciadas por essas nações contra outras populações amigas.
A Índia tenta fazer isso.
Há tempos foi detectado na Amazônia, em terra
indígena (11%), enormes reservas de potássio, um mineral do composto NPK
(nitrogênio, fósforo e potássio) para fertilizantes agrícolas, de que o Brasil
importa 95%. Do mesmo modo, o Brasil, com grandes reservas de petróleo e gás natural,
não apenas nas costas do Rio de Janeiro, mas também na Bahia, no Nordeste é
obrigado a importar sistematicamente uma grande quantidade desses produtos (8
milhões de toneladas), parte vem dos árabes, em guerra eterna com o estado de
Israel (1948), instalado naquela faixa do Oriente Médio pela ONU para contornar
os males do nomadismo e o holocausto do povo judeu.
O governo do Brasil que, nos últimos meses,
assumiu a presidência de algumas organizações internacionais, alega preocupação
com a descarbonização da economia e em introduzir um novo modelo energético,
capaz de dispensar os combustíveis fósseis e a exploração econômica na
Amazônia. Lula tergiversa, contudo - e não está sozinho: China, Portugal e outros.
Sabe-se que, por acordos externos, o País é obrigado a manter suas reservas naturais
inexploradas em benefício do comércio e da vida no Planeta, o que
resulta na punição de suas populações internas: fome, desemprego, e
políticas sociais deficientes. Daí a democracia relativa ser
aparentemente negociável, inclusive o petróleo, o gás e o potássio amazônicos.
Os vetos presidenciais ao PL 490/07 retornam ao Congresso para nova votação. Os
defensores do PL original têm a maioria. Há muita confusão ainda aí pela
frente. Desta vez, contudo, quem decidirá em definitivo é o Parlamento e
os interesses que os sustentam. Se assim for, livram a cara do Presidente.
* Jornalista e professor
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Sei.
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