terça-feira, 30 de abril de 2024

Míriam Leitão - A política fiscal está sob ataque

O Globo

Governo se depara no momento com cenário internacional pior e sucessivas propostas do Congresso para aumento de gastos

A credibilidade da política econômica está sob ataque. São medidas sucessivas que vão aos poucos corroendo a confiança de que o rumo traçado será seguido. Só para ficar nos últimos acontecimentos: o governo e o Congresso aprovaram a antecipação de um gasto de R$ 15 bilhões, a Fazenda aceitou fazer uma negociação do Perse, com esperança de mitigar os danos, só que agora o parlamento quer elevar o custo da renúncia fiscal. Dependurar prefeituras no projeto de desoneração aumentou o custo do benefício fiscal e, além disso, tirou a lógica da proposta que é estimular o emprego. A Fazenda deu sinais positivos para a renegociação da dívida dos estados, mas agora o Rio, que tem um histórico de mau comportamento fiscal, entrou no STF para suspender o pagamento. O Senado fez andar a PEC do quinquênio, que é uma barbaridade em todos os sentidos. A lista é grande, e os sinais vão se acumulando.

Não é conversa de mercado financeiro, mas a situação internacional piorou de fato. Em setembro do ano passado, integrantes da equipe econômica e do Banco Central que foram ao exterior voltaram com a seguinte informação: havia 85% de probabilidade de os juros americanos começarem a cair em março. Depois, aos poucos, os sinais do Fed foram mudando. Haveria cinco cortes nos juros americanos e agora a dúvida é se haverá algum este ano.

O cálculo é que haveria uma forte desinflação americana, que a China exportaria produtos que derrubariam os preços, e que a desaceleração americana levaria ao corte de juros. Agora, o crescimento previsto nos Estados Unidos é de 2,7%, o desemprego e a inflação contrariaram expectativas, e o Fed está sentado nos juros. A China tem enfrentado cada vez mais barreiras para as suas exportações. Os carros elétricos chineses estão sob investigação na Europa e o presidente Joe Biden já disse que os veículos chineses são ameaça. A questão é que o país asiático nunca saiu completamente da crise imobiliária, e as empresas do setor reconverteram seus investimentos para a indústria de carros elétricos na esperança de exportação.

E o que tem isso a ver com o Brasil? Estados Unidos, Japão e Europa representam 60% da dívida mundial. Quando eles mantêm juros mais altos do que normalmente praticavam (o Japão saiu do juro negativo), eles sugam a liquidez do mundo. Isso faz a questão fiscal voltar para o centro das atenções. Em qualquer país. Em relação ao Brasil, a preocupação começa a ficar maior.

O problema não foi mudar a meta de resultado primário para os próximos anos. Foi ruim o momento da mudança porque havia muitos ruídos internos e externos. Mas a alteração já estava prevista pelo mercado financeiro. A questão é que está passando a ideia de que mesmo a atual meta não é para valer, e os políticos entenderam como espaço para gastar.

Quando a conjuntura internacional está mais instável, os erros custam mais caro em termos de saída de dólares e de juros futuros, por exemplo. Isso realimenta o custo da dívida e pode bater na inflação. Os preços estão sob controle. Depois de atingir a meta no ano passado, o país está vendo a inflação descer devagar, ainda que a sensação de preços em alta tenha irritado o consumidor. Houve uma concentração de elevações no setor de alimentos no começo do ano. Ontem, por exemplo, saiu o IGP-M com uma subida de 0,31%, uma inversão de tendência, mas o acumulado no ano continua marcando deflação de 0,6%, e em 12 meses de -3,04%.

Só que a desaprovação da política anti-inflacionária foi entendida como sinal para intervenção em preço. De combustíveis, por exemplo. Ou como sinal de que é preciso encontrar medidas que compensem o mau humor do consumidor/ eleitor.

O ataque do Congresso através de propostas que aumentam o gasto presente ou futuro, a conjuntura internacional mais complicada, a pressa em agradar o eleitor podem ter efeito exatamente inverso. Se existe algo que ficou provado nesses 30 anos da moeda Real é que o brasileiro não tolera inflação. Expansionismo de gasto e intervencionismo levam sim a mais inflação.

A política econômica de Fernando Haddad anunciada desde o começo é buscar o equilíbrio das contas públicas, depois de dez anos de déficit, e de uma política fiscal populista no último ano do governo passado que deixou várias bombas para estourar. Não é fácil. Mas é mais difícil com tanta gente jogando contra.

 

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