Folha de S. Paulo
Ideia de diminuir uns reais da conta de
energia até vale, mas veio com bobagem
O governo deve dar um jeito de diminuir a
conta de luz em alguns reais, graças à medida provisória que baixou nesta
terça. Até aí, não haveria nem problema nem solução relevantes.
O governo vai vender o direito de receber uns pagamentos devidos pela Eletrobras privatizada (com algum desconto) e assim vai pagar a dívida das distribuidoras (vendedoras finais de energia). Que dívida? A que fizeram a fim de tapar rombos das crises da Covid de 2020 e da falta d’água de 2021. Essa dívida é paga pela nossa conta de luz. Será liquidada, talvez com algum custo, com aqueles dinheiros a receber da Eletrobras. O governo, enfim, vai antecipar o recebimento de recursos e a contenção da tarifa.
Mas a medida provisória também prorroga
subsídios para produtores de energias renováveis. Isto é, dá descontos de
tarifas para essas empresas, mais um desconto que virá a ser pago pelo
consumidor residencial ou pequeno, como se sabe. Logo, se mais nada mudar, a
redução da conta de luz deve diminuir, talvez desaparecer, no futuro.
E daí? Não vai acontecer nada nem de longe
parecido com o desastre no setor elétrico causado por Dilma Rousseff a partir
de 2012, como se diz por aí. O que temos é um remendo provisório (a redução da
conta de luz) acoplado a favores permanentemente pagos pela mesma conta de luz,
os tais subsídios (além de uma gambiarra para evitar o aumento brutal da tarifa
no Amapá, que tem poder no Senado).
Subsídios são um dos tantos problemas da
grande baderna que é o setor elétrico. Esses subsídios somaram cerca de R$ 40
bilhões no ano passado. Equivaleram em média a uns 13% da tarifa dos
consumidores residenciais, segundo a Aneel.
Cerca de R$ 11,3 bilhões pagaram grosso modo
a conta de fontes de energia poluentes para consumidores que vivem em lugares
remotos da Amazônia Legal, desconectados do sistema nacional (cadê a solução
para essa velharia?). Outros R$ 10,8 bilhões eram incentivos para a produção de
energia com fontes renováveis, que já não precisam mais de subsídios. Mais R$ 7
bilhões foram para o que se chama no jargão de "geração distribuída",
enfim um estímulo para o consumidor instalar energia solar para si. Beneficia
gente de renda alta. Para gente pobre, do Bolsa Família, teve o subsídio da
tarifa social, de uns R$ 5,8 bilhões; para levar luz a gente que vive em
rincão, mais R$ 1,7 bilhão. Etc.
O subsídio social é de interesse óbvio. O
incentivo para criar empresas de fonte renovável era razoável quando tais
negócios não paravam em pé. De qualquer modo, por que tais transferências de
recursos, de um consumidor para outro ou para produtores etc., têm de passar
pela conta de luz?
Trata-se na prática de impostos e de
concessões tributárias maquiados. É um Orçamento secreto. Como se diz faz
décadas, deveriam estar no Orçamento federal, como receita e despesa,
discutidos segundo critérios de eficiência econômica e social (embora a maior
parte do Orçamento não seja assim discutida. Mas temos de tentar, né?). Não
estando lá, abre-se mais uma oportunidade enorme de passar lei dando subsídios
a amigos elétricos, do gás, do carvão etc., como o Congresso tem feito mais e
mais. Um exemplo revoltante ocorreu na privatização porca da Eletrobras, em
2021.
Além do favor e da politicalha, criam-se
ineficiências, o que empobrece o país, como produzir energia em região
inapropriada (cara, longe de centro de consumo).
O governo até agora anunciou algum esforço
sério para lidar com a baderna do setor elétrico? Não. Gosta de gambiarra,
demagogia, como quer fazer de novo na Petrobras, ou é incapaz de pensar algo
maior.
O desânimo é grande.
Um comentário:
Pois é.
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