segunda-feira, 17 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Minerais críticos abrem caminho promissor ao Brasil

O Globo

País é rico nos minérios que estão no centro das negociações com a Ucrânia. Precisa saber aproveitá-los

A proposta de Donald Trump para encerrar a guerra na Ucrânia envolve um acordo que garanta aos Estados Unidos acesso a minerais críticos do subsolo ucraniano. Os americanos hoje importam 16 de um grupo de 51 minérios estratégicos para a transição energética, com aplicações nas indústrias de defesa, aeroespacial, na produção de baterias, painéis solares, semicondutores e noutros segmentos do setor eletroeletrônico.

Há aí um recado para o Brasil, que também concentra reservas desses minerais. O solo brasileiro abriga a terceira maior reserva dos 17 elementos químicos conhecidos como “terras raras”. Também contém a maior reserva global de nióbio (94% da disponibilidade no planeta), a segunda maior de grafite, a terceira de níquel e é o quinto maior fornecedor de lítio. No ano passado, o país exportou 2 milhões de toneladas desses minérios, com receita de US$ 6,3 bilhões, e importou 400 mil toneladas, por US$ 4,4 bilhões. Tem saldo positivo nesse comércio, que pode crescer e gerar novos negócios.

É inevitável que o governo americano venha tratar do assunto com o brasileiro em algum momento, segundo disse ao GLOBO o ex-ministro da Defesa e ex-deputado federal Raul Jungmann, hoje presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Os minerais críticos estão no centro da atual corrida tecnológica. Não foi por acaso que surgiram nos embates diplomáticos da guerra entre Ucrânia e Rússia. “Se aumentarmos o conhecimento de nosso território, subiremos posições nesses [os conhecidos] e em outros minerais críticos”, diz Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra (ESG). Por isso o Brasil tem tudo para se tornar um dos principais alvos nessa disputa geopolítica global, aumentando seu poder de barganha em acordos de transferência de tecnologia.

É importante, nos embates diplomáticos que inevitavelmente se sucederão, o Brasil não se limitar à posição de mero fornecedor de matéria-prima. Precisa desenvolver tecnologia para aproveitar ao máximo o acesso aos minerais. Grande exportador de minério de ferro, o país não deixou de desenvolver uma indústria siderúrgica. Da mesma forma, precisa agregar valor aos demais minerais. Quanto mais usar o lítio na produção de baterias e celulares ou nas indústrias automobilística e aeronáutica, melhor será o resultado. Idealmente, deveria fazer o mesmo com silício em semicondutores e vidros especiais, cobre nos geradores eólicos e na transmissão de eletricidade e terras raras nos veículos elétricos.

Para tudo isso, porém, o fator crítico é formar mão de obra especializada e desenvolver conhecimento técnico. Dadas as deficiências crônicas do Brasil na educação, nem sempre será possível. Ao mesmo tempo, os acordos para exportação dos minerais trazem oportunidades de suprir tais deficiências que não devemos deixar passar. Para o governo americano, seria muito mais confortável dispor de um fornecedor de minerais críticos, de preferência beneficiados, na América do Sul do que na Ucrânia, na tensa fronteira com a Rússia. O Brasil precisará saber aproveitar esse caminho promissor que se abre para o futuro do país.

Contratação pela CLT é alternativa para inchaço do setor público

O Globo

É preciso regularizar os temporários, mas sem ampliar o contingente de estatutários, com todas as suas regalias

A quantidade de servidores temporários no funcionalismo tem crescido nos últimos anos. Eles passaram de 38,5 mil em 2003 para 716 mil no ano passado e já representam 7,2% dos funcionários públicos, segundo o Anuário de Gestão de Pessoas do Serviço Público, do Instituto República.org. A expansão se deu sobretudo nos municípios, como revelou reportagem do GLOBO. De 38% do funcionalismo em 2002, os servidores municipais passaram a 62% em 2022. Em vez de problema, contudo, o trabalho temporário regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode ser visto como oportunidade para driblar a rigidez nas regras de contratação no setor público e garantir o uso mais eficiente do dinheiro do contribuinte.

Ao determinar que todo brasileiro tenha direito a saúde e educação, a Constituição de 1988 incentivou a contratação de profissionais nas duas áreas, ao mesmo tempo que ampliou o número de municípios — eram 3.974 em 1980 e hoje são 5.570. Para não enfrentar dificuldades financeiras ou não agravá-las, prefeitos encontraram na contratação temporária a saída para não ter de arcar com o alto custo do servidor estatutário, cuja estabilidade se torna um peso incontornável nos orçamentos.

A contratação de temporários criou, porém, distorções. É o caso dos professores do ensino básico: mais de 50% trabalham em regime temporário, segundo Cibele Franzese, ex-secretária adjunta de Gestão do governo de São Paulo. Esse tipo de contratação é maior na educação porque a legislação não permite terceirização ou parceria com ONGs, como acontece na área de saúde ou nas creches (essas são outras formas de escapar da rigidez e dos custos do funcionalismo estatutário). Há estados em que 80% dos profissionais na educação são temporários. Esse tipo de contratação cria insegurança jurídica e, portanto, risco de judicialização.

Por isso é evidente a necessidade de regularizar a situação desses servidores. Mas sem que estados e municípios sejam forçados a contratar funcionários estáveis, com todas as suas regalias e custos. Um grupo que reúne República.org, Movimento Pessoas à Frente, Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad) e outras entidades trabalha num levantamento das condições desses servidores para formular uma proposta de regulamentação da contratação temporária. Além de garantir direitos, a ideia é evitar nepotismo e apadrinhamento.

É fundamental lembrar que praticamente todos os programas sociais são conduzidos no nível municipal. Um exemplo citado pelo presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, é o turno integral nas escolas públicas. Não há como pôr em prática esse tipo de política sem contratar mais pessoal. Como os municípios não têm condições financeiras de arcar com mais inchaço entre estatutários, a saída natural é a contratação pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ela garante mais flexibilidade para os orçamentos e um regime de trabalho compatível com aquele que os mesmos funcionários encontrariam na iniciativa privada. Nada mais justo.

Congresso tem de cumprir acordo de emendas com STF

Valor Econômico

O Congresso deu passos importantes para que emendas cumpram o rito constitucional da transparência, publicidade e moralidade públicas após o acordo com o STF, mas falta o último deles: segui-lo à risca

Após um embate de meses entre o Judiciário e o Legislativo, em uma disputa que colocou no limbo o orçamento de 2025, ainda não votado, os líderes do Congresso e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino sacramentaram um acordo para que as emendas parlamentares fossem aquilo que não estavam sendo: públicas e transparentes, com autores, destino e finalidade dos recursos claramente identificados. Aceito o compromisso, o comando do Congresso inventou um novo estratagema para, mais uma vez, impedir a identificação do responsável pela indicação da emenda.

Aprovado a toque de caixa, o novo projeto de resolução do Congresso para dar mais transparência e rastreabilidade às emendas parlamentares viola o acordo firmado e não deve encerrar ainda a malversação de recursos públicos que se arrasta desde 2022, com o início do “orçamento secreto”. O controverso trecho foi incluído durante a tramitação do texto, costurada pelos novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que haviam se comprometido a atender às determinações de Dino. Em um sinal de que pouco mudou com a troca de guarda no comando do Congresso, os raros parlamentares a questionar o projeto reclamaram que tiveram menos de 24 horas para ler a proposta final, aprovada por ampla maioria em ambas as casas: 361 a 33 entre deputados e 64 a 3 entre senadores. Como em outras ocasiões, o PT votou a favor de manobras pouco republicanas com as emendas, das quais igualmente se beneficia.

Segundo técnicos legislativos e ONGs que trabalham pela transparência das contas públicas, o projeto permitirá que continuem ocultos os autores das emendas de comissão, que somam R$ 11,5 bilhões no orçamento de 2025 e são alvo dos principais questionamentos de Dino por terem explodido à medida que o cerco do STF se fechou, primeiro, sobre as emendas de bancada e, depois, sobre as emendas “Pix”. Pelo texto, essas indicações poderão ser assinadas apenas pelos líderes partidários, sem a devida identificação do responsável pelo repasse. A intenção de manter o sigilo se evidencia nos modelos de ata que serão adotados para as emendas de comissão e de bancada: ambos não contêm um campo específico para indicar os autores de cada proposição.

Em nota divulgada antes mesmo da votação, as ONGs Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas já alertavam que a inclusão do trecho equivale à criação de uma nova emenda, a “de líder partidário", que não tem previsão constitucional. Para as entidades, em vez de garantir mais transparência à destinação de recursos públicos pelos parlamentares, a resolução do Congresso nada soluciona, reverte avanços institucionais já consolidados e não atende ao plano de trabalho acordado com STF, nem aos interesses da sociedade.

Os líderes do Congresso fizeram então o que já haviam ameaçado fazer para ampliar seu controle sobre o orçamento da República. Em 2024, chegou-se a cogitar a instituição de emendas das bancadas partidárias, além das que já existem para bancadas estaduais, individuais e de relator - abatidas por serem consideradas inconstitucionais pelo STF em 2022 - e as que ganham mais relevo, as de comissão. Com R$ 52 bilhões destinados para o conjunto das emendas em 2025, o Congresso brasileiro tem a seu dispor, a sua escolha discricionária, uma fatia de recursos orçamentários que raros países ao redor do planeta possuem - algo que também não se vê em nenhuma nação desenvolvida.

O orçamento, que configura as prioridades de gastos para atender às necessidades da nação, foi deixado de lado e baterá o recorde de atrasos caso não seja votado na próxima semana. É possível que a votação aconteça, porque reações eventuais do STF não devem ocorrer até lá. Por enquanto, vigora a regra de utilizar um doze avos da previsão para os gastos até que a peça orçamentária seja aprovada. O governo divulgou a intenção de apertar estes gastos no início, dando vazão a um dezoito avos mensais. Não há dados para saber se cumpriu a promessa, mas ela pode estar na origem do superávit primário de R$ 104 bilhões de janeiro, o maior de toda a série para o mês, que costuma apresentar grandes resultados positivos nas contas públicas.

A intenção da mesa do Congresso, que é presidido por Alcolumbre, um dos mais influentes gestores das emendas do orçamento secreto no governo Bolsonaro, era concentrar poderes sobre as emendas, o que significaria menos luz sobre a destinação e a pertinência dos gastos. Seria criada uma Secretaria de Orçamento Público, que subordinaria os consultores legislativos a determinações do “secretário” sobre o que poderiam ou não divulgar, quando hoje há relativa liberdade de avaliações e elas têm contribuído valiosamente para auxiliar nas decisões orçamentárias. O processo das emendas ainda pode exigir novas ações do STF para que elas cumpram o rito constitucional da transparência, publicidade e moralidade públicas. O Congresso deu passos importantes para isso após o acordo e falta o último: segui-lo à risca.

Caixa de Pandora das emendas tem de ser fechada

Folha de S. Paulo

Avanço do Congresso sobre Orçamento, que completa 10 anos, compromete qualidade do gasto público e relação entre Poderes

Completam-se nesta segunda-feira (17) dez anos da mudança constitucional que tornou impositiva a execução de emendas parlamentares individuais ao Orçamento —e abriu uma caixa de Pandora que hoje compromete a qualidade do gasto público e as relações entre os Poderes republicanos.

Saudada na época como um mecanismo democrático para fortalecer o Legislativo, a aprovação da regra foi consequência do enfraquecimento político da então presidente Dilma Rousseff (PT), que acabaria sofrendo um processo de impeachment.

Desde então, as emendas, instrumento pelo qual deputados e senadores direcionam recursos federais, cresceram exponencialmente em volume e influência, reduzindo a capacidade de alocação por parte do Executivo.

Em 2019, o Congresso Nacional determinou que as emendas de bancadas estaduais também seriam impositivas. Instituíram-se ainda as chamadas emendas individuais Pix, que reduziram drasticamente a transparência da execução orçamentária.

Elas permitiram aos congressistas direcionar dinheiro do contribuinte diretamente ao caixa de prefeituras e governos estaduais, sem ao menos indicar a finalidade do gasto. Por causa disso, como noticiou a Folha, é desconhecido o destino de 12% dos investimentos da União nos últimos dois anos, ou R$ 14,3 bilhões.

Outra alteração importante —e nefasta— nas normas foi a ampliação do montante destinado obrigatoriamente às emendas individuais, que passou de 1,2% para 2% da receita corrente líquida da administração federal.

O impacto das mudanças no decênio impressiona. De 2014 para este ano, os gastos determinados por parlamentares saltaram de R$ 11,1 bilhões para R$ 49,2 bilhões, em valores corrigidos.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assim como o de Jair Bolsonaro (PL), reúne parcas condições políticas de conter o apropriação pelo Congresso de vastos recursos do Orçamento. A reação tem cabido principalmente ao STF, que tenta ao menos impor protocolos de transparência na apresentação e na execução das emendas.

Deputados e senadores, no entanto, resistem. Em 2024, votaram uma lei complementar que, embora tenha trazido alguma melhora nos processos, esteve longe de atender às exigências da corte. Já na semana passada, aprovou-se projeto de resolução que também mantém lacunas, como a ausência de identificação individual dos autores de emendas de comissão.

Persistem, assim, anomalias quantitativas e qualitativas. Nas principais economias, não há registro de tamanha ingerência direta de legisladores nos recursos públicos —e ela se dá em mero benefício de redutos eleitorais, sem critérios de prioridade.

É urgente, pois, interromper, disciplinar e, tanto quanto possível, reverter o avanço do Congresso sobre um Orçamento público já amplamente deficitário.

Portugal quer reinventar sua geringonça

Folha de S. Paulo

Presidente dissolve Parlamento e convoca eleição para retomar coalizão partidária; há risco de avanço da extrema direita

Ao dissolver o Parlamento na quinta (13) e convocar eleições para 18 de maio, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, firmou sua aposta na reinvenção da aliança entre a centro-esquerda e a centro-direita para formar um governo com maioria no Legislativo.

Em seus cálculos, um novo pleito garantiria maior estabilidade política e governabilidade.

Desde 2021, é a segunda vez que os portugueses assistem à queda de seu primeiro-ministro —Luís Montenegro, do Partido Social Democrata (PSD)— e a terceira que são convocados a participar de eleições parlamentares.

Há riscos, por óbvio, como o potencial avanço do Chega, partido de extrema direita que, alavancado por seu discurso anti-imigração, obteve 18% dos votos e 48 cadeiras na Assembleia da República em 2024.

A decisão de Rebelo foi tomada depois de a moção de confiança apresentada pelo premiê de centro-direita ser rejeitada pela Assembleia da República. Dado o caráter minoritário de seu governo, o gesto de Montenegro sinalizou ousadia, naturalmente percebida pelo presidente.

Ademais, o primeiro-ministro é alvo central de uma investigação do Legislativo sobre pagamentos de conglomerados portugueses por serviços de uma consultoria criada por ele e atualmente gerida por seus familiares.

Mas a convocação das eleições para maio poderia ser contornada. Bastaria a Rebelo escolher outro nome do PSD de Montenegro, sigla à qual o mandatário fora historicamente filiado. O novo pleito, porém, obteve respaldo do Conselho de Estado, órgão que reúne todos os partidos políticos.

Nos últimos quatro anos do mandato de Rebelo, que foi reeleito em 2021, a governabilidade do país provou-se mais complexa sob a batuta dos gabinetes minoritários de Montenegro e de António Costa, o premiê anterior filiado ao Partido Socialista. Construir gabinetes centristas majoritários, entretanto, não é tarefa fácil nem panaceia.

Desde 2015, a geringonça —como é chamada a aliança liderada pelo Partido Socialista com apoio do PSD serviu ao governo. Mas a coalizão vem sendo erodida por escândalos de corrupção.

A união dos dois maiores partidos de Portugal, que somaram quase 60% dos votos em 2024, num gabinete de centro com maioria na Assembleia só será testada após 18 de maio.

Projetam-se, contudo, poucas chances de sucesso. Talvez tenha faltado a Rebelo considerar que a geringonça pode vir a sair enfraquecida das urnas e, pior, com a extrema direita fortalecida.

O sexto aniversário do inquérito sem fim

O Estado de S. Paulo

O inquérito das ‘fake news’ chega a seis anos sem que haja qualquer perspectiva de conclusão, o que autoriza a suspeita de que se tornou um instrumento de exercício arbitrário de poder

O Inquérito 4.781, conhecido como “inquérito das fake news”, completou seis anos de tramitação na sexta-feira passada. Instaurado em 14 de março de 2019 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o inquérito tinha como objetivo inicial apurar “fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”. De lá para cá, como restou notório, uma investigação legítima foi transformada em um instrumento ilegítimo de exercício de poder monocrático pelo ministro designado relator, Alexandre de Moraes, em afronta aos mais comezinhos princípios do Estado Democrático de Direito que o mesmo STF diz defender.

Este jornal é insuspeito para fazer as críticas que tem feito à duração e, principalmente, ao sigilo imposto pelo sr. Moraes ao inquérito. O Estadão foi o primeiro veículo da chamada grande imprensa a apoiar a decisão de ofício do ministro Dias Toffoli. Afirmamos nesta página que, na condição de presidente da Corte, era dever de Dias Toffoli defender a instituição, pois “velar pelas prerrogativas do Tribunal” é uma das principais atribuições de seu presidente. E “não há dúvida”, sublinhamos, “de que ameaças a seus ministros e familiares são uma tentativa de subjugar a independência do STF” (ver editorial O sigilo do STF, 16/3/2019).

O fato de ainda termos de fazer essa memória, malgrado o ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ter reconhecido, no início de dezembro de 2024, que a conclusão do Inquérito 4.781 “está demorando” porque “os fatos se multiplicaram ao longo do tempo”, diz muito sobre a amplitude de uma investigação que, ao que parece, tem sido conduzida justamente para não ter fim – vale dizer, para ser instrumentalizada como um mecanismo de concentração de poder nas mãos de seu relator, algo que não se coaduna com a mera ideia de uma república democrática. “Fake news” e “desinformação” passaram a ser o que o sr. Moraes acha que é.

Decorrido tanto tempo, convém relembrar por que, afinal, o Inquérito 4.781 foi instaurado de ofício. O STF sofria uma onda de ataques articulados por apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro. Sob o beneplácito, quando não incentivo, do Palácio do Planalto, os ministros do STF e seus familiares passaram a ser atacados e ameaçados pelas hostes bolsonaristas como forma de tolher a independência funcional da Corte e, assim, evitar – pensavam os radicais – a interposição de barreiras legais aos desígnios liberticidas de Bolsonaro, que, à época, ainda em início de mandato, já demonstrava claramente seu inconformismo com as contenções ao exercício do poder que caracteriza qualquer democracia digna do nome.

Mas não demorou para que o STF enxergasse no Inquérito 4.781 um meio de controlar, de forma inconstitucional, o que pode ou não ser publicado na imprensa profissional e nas redes sociais sobre os ministros ou a própria Corte. Em português cristalino: por meio do Inquérito 4.781, o STF, garantidor maior das liberdades constitucionais, tornou-se um órgão de censura. Um mês depois da abertura do inquérito, o ministro relator já impunha censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé porque os veículos publicaram uma reportagem, intitulada O amigo do amigo de meu pai, que implicava Dias Toffoli no acordo de colaboração premiada firmado pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht. Para lhe fazer justiça, Moraes logo reconheceu seu erro e revogou a censura aos veículos, mas o gênio já havia saído da garrafa.

E assim, de abuso em abuso, de censura em censura, chega-se a quase 2,2 mil dias de uma investigação que, a despeito de sua legitimidade inicial, há muito já deveria ter sido encerrada com o indiciamento de suspeitos sobre os quais recaiam indícios de autoria e materialidade de crimes ou o arquivamento. É inaceitável, a menos que não estejamos mais sob a égide da ordem constitucional democrática, que um inquérito perdure indefinidamente – seja por sua inconsistência material, seja pela conveniência de seu relator.

Uma promessa de campanha perigosa

O Estado de S. Paulo

Ao propor isenção de IR a quem ganha R$ 5 mil associada à taxação de quem recebe R$ 50 mil, governo Lula despreza risco de ampliar o desequilíbrio fiscal em um eventual próximo mandato

A equipe econômica reduziu de R$ 35 bilhões para R$ 25 bilhões a estimativa para a renúncia fiscal gerada pela isenção do pagamento de Imposto de Renda a todos que ganham até R$ 5 mil mensais. Os números foram calculados para dar base a um projeto de lei que o Executivo pretende enviar ao Congresso até o fim deste mês, por meio do qual pretende viabilizar, em 2026, o cumprimento da promessa de campanha eleitoral feita pelo presidente Lula da Silva.

Essa perda, segundo o governo, será compensada pela criação de um imposto mínimo de até 10% que incidirá sobre os contribuintes com renda mensal superior a R$ 50 mil, incluindo o recebimento de lucros e dividendos distribuídos por empresas. A apuração será feita na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), quando os acionistas saberão se deverão complementar a contribuição ou se terão direito à restituição dos valores.

No País, lucros e dividendos eram tributados até 1995, mas passaram a ser isentos no ano seguinte sob a justificativa de evitar que, sobre uma mesma renda, houvesse incidência de Imposto de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas. Já seria um caso raro no mundo, mas, ao longo dos anos, benefícios como isenções e abatimentos – ora propostos pelo Executivo, ora pelo Congresso – reduziram a tributação de empresas sem que houvesse contrapartida de cobrança maior sobre a renda pessoal.

Embora, em tese, a alíquota de IRPF incidente sobre quem ganha mais de R$ 4.664,68 mensais seja de 27,5%, a prática tem sido muito diferente. Com base em dados do IRPF, que incluem apenas os brasileiros que prestam contas ao Fisco, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda estimou que a alíquota efetiva de impostos sobre o 0,01% mais rico é de apenas 1,76%, o que garante aos mais privilegiados pagar, proporcionalmente à sua renda, menos impostos do que os mais pobres.

Essa é uma das principais distorções do sistema tributário brasileiro, e é louvável que o governo Lula da Silva queira torná-lo mais justo e menos desigual. Mas o problema de propor a isenção de IR a quem ganha até R$ 5 mil mensais associada ao aumento da tributação de quem aufere mais de R$ 50 mil mensais é o risco de que apenas a primeira proposta seja aprovada – ou seja, de que o governo perca arrecadação e não receba nada em troca.

Considerando que a isenção de IR talvez seja o principal projeto do governo no Congresso neste ano, não é desprezível a chance de que isso venha a ocorrer. Afinal, não é a primeira vez que o Executivo tenta, sem sucesso, taxar lucros e dividendos. No passado recente, iniciativas semelhantes foram apresentadas pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas não avançaram no Congresso, ambiente que é bastante influenciado pelo público potencialmente atingido pela medida.

A proposta de isentar de IR quem ganha até R$ 5 mil mensais, por outro lado, tem apelo popular, ativo que tende a ganhar mais força entre os parlamentares com a proximidade das eleições. Pesquisa realizada entre os dias 11 e 12 de fevereiro pelo Instituto Ranking dos Políticos mostrou que 49,1% dos deputados apoiam a proposta, enquanto 45,4% a rejeitam. Entre os senadores, 50% foram favoráveis e 34,6% se disseram contrários.

Independentemente de a renúncia ser de R$ 25 bilhões ou R$ 35 bilhões, não são receitas desprezíveis, ainda mais para um país que vive em desequilíbrio fiscal crônico há mais de uma década. O Brasil não pode se dar ao luxo de abrir mão dessa arrecadação tão facilmente e sem a garantia de que ela seja reposta. Liberar esses valores para o consumo de uma parcela da população que não costuma poupar pode, ainda, aquecer a demanda e impor mais desafios ao controle da inflação.

O governo, portanto, deveria ter mais cautela ao fazer da isenção do IR sua bandeira eleitoral. Na hipótese de que ela seja aprovada pelo Congresso neste ano e que a compensação por meio da tributação de lucros e dividendos seja novamente rejeitada, pode ser o próprio presidente Lula da Silva quem se verá em apuros quando tiver de lidar com contas públicas ainda mais depauperadas em 2027.

A exótica gincana da PF

O Estado de S. Paulo

Corregedoria lança ‘jogo’ entre equipes por produtividade, o que já deveria ser um dever

A Corregedoria da Polícia Federal (PF) lançou o “Desafio PF 2025” para estimular o aumento da produtividade. A iniciativa visa a “premiar” as superintendências regionais (27 em todo o Brasil) que obtiverem os melhores resultados, segundo os critérios de avaliação traçados pelo comando da corporação. A bem da verdade, mais parece uma gincana.

A ideia, de acordo com seus criadores, é incentivar agentes a reduzir a duração de inquéritos e aumentar o número de indiciamentos. Ora, todos querem inquéritos mais céleres, mas não se pode tratar o trabalho da polícia dessa maneira leviana: cada investigação tem seu tempo e não pode estar submetida a uma pressão por resultados e prêmios.

A quantidade de indiciamentos tampouco deveria balizar a eficiência da PF. Os indiciamentos precisam se pautar na materialidade das práticas delitivas e na individualização das condutas para que, na existência de crimes, os até então suspeitos, dentro do devido processo legal e do amplo direito de defesa, sejam indiciados, denunciados, acusados e, por fim, condenados ou inocentados.

Mas não só esses critérios soam o alerta para essa “competição”. Com dimensões continentais, o Brasil enfrenta desafios distintos na luta contra o crime, que cada vez se organiza mais e melhor. Isso quer dizer que a atuação da PF também é distinta de uma superintendência para outra. A realidade da PF no Rio de Janeiro, por exemplo, não é a mesma da atuação dos agentes nas fronteiras, e, enquanto o contrabando e o tráfico se espalham por todo o território, na Amazônia a criminalidade potencializa seus negócios ilícitos com o desmatamento e o garimpo ilegais.

Segundo a apuração do Estadão, delegados federais, não sem razão, estão bastante desconfortáveis com esse desafio, chamando-o até de “gamificação ridícula” e vendo risco de banalização de inquéritos. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) enviou mensagem aos filiados na qual pede que a competição seja desconsiderada, uma vez que, segundo a entidade, “já existem diversas metas e indicadores” para a categoria.

Ademais, não parece razoável premiar as superintendências regionais com viaturas, celulares e participação de agentes em missões institucionais. Para a ADPF, esses regalos, digamos assim, “constituem obrigações naturais do órgão” e “causam constrangimentos e desconforto na maior parte dos servidores”. À reportagem do Estadão, um delegado, com razão, não conteve a ironia: “Prêmio: uma viagem para a fronteira”. Ora, aparelhar bem a PF e reconhecer os seus bons agentes é uma obrigação do governo.

Se a cúpula da corporação quer melhorar o desempenho, basta elaborar um plano de trabalho que, com a imposição de metas de qualidade e a entrega de resultados, considere a diversa realidade brasileira e a complexidade dos delitos praticados, sobretudo, por facções criminosas.

Quanto mais casos a PF resolver, dentro de um prazo razoável, melhor para o País, mas a qualidade do combate à criminalidade não se confunde com quantidade.

Falhas no combate ao crime organizado

Correio Braziliense

O Brasil precisa direcionar seu radar para decisões que atinjam a raiz financeira do tráfico, dos assaltos, dos golpes e de toda a gama de ataques delituosos que causam prejuízos materiais e destroem famílias

A violência no Brasil é um fenômeno estrutural, que cada vez mais tira a paz da população. O medo constante e as perdas materiais afetam a qualidade de vida nas metrópoles e nas pequenas cidades, que também entraram na rota da bandidagem. Nesse contexto histórico, desmantelar o crime organizado é a missão das autoridades na batalha para estabelecer a segurança pública no país.

Na última terça-feira, uma operação no Rio de Janeiro derrubou, literalmente, uma facção com vasta lista de delitos. Agentes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) invadiram o “Resort Green”, local com lago privado para a criação de carpas, piscinas, academia de ginástica com equipamentos modernos, área de churrasqueira e areia de praia — tudo demolido durante a batida policial. O luxo servia para proveito de integrantes do Terceiro Comando Puro. O “complexo de lazer” era bancado com o lucro de ações ilícitas variadas, especialmente tráfico e assaltos.

Segundo informação da própria Polícia Civil, foram quase dois anos de investigações para reunir os elementos que possibilitassem a conclusão do caso e levassem à consequente tomada do espaço. Um tempo longo demais para colocar fim a tamanha ousadia e afronta em uma construção que destoava das demais ao redor em Paradas de Lucas, na Zona Norte da capital fluminense.

A questão é que o poder financeiro do crime organizado atingiu patamares assustadores e desafia governos, instituições e cidadãos. Com as contas cheias, as quadrilhas têm expandido suas áreas de atuação e, hoje, estão infiltradas em diversos setores. A ostentação dos criminosos — com mansões, carros milionários, joias e outros itens — parece não ter limites. Diante desse cenário, a descapitalização das facções é uma das principais estratégias para vencer essa guerra.

O bloqueio bancário, a apreensão de bens, o confisco de ativos de alto valor e a interdição de mercadorias ilegais são medidas apontadas por especialistas para surtir o efeito necessário no combate às quadrilhas que operam, inclusive, com ordens de condenados dentro de presídios.

Com tanta tecnologia disponível, a movimentação de recursos entre contas de membros de facções sem levantar suspeitas das autoridades é inadmissível. Planos coordenados entre as forças de segurança e as instituições financeiras precisam ser adotados para prevenir e impedir a lavagem de dinheiro. Em 2024, conforme dados da Polícia Federal, um prejuízo de R$ 5,6 bilhões foi imposto às facções, impactando diretamente na redução da capacidade de ação dos criminosos.

Investir na estrutura de investigação para a descapitalização das organizações criminosas é fundamental. As artimanhas da bandidagem não podem superar a inteligência dos órgãos de combate. O emprego de empresas de fachada, a ocultação de dinheiro e o uso de pessoas físicas para esconder a origem dos montantes têm de ser anulados pelas autoridades competentes.

Sem minar a capacidade de movimentação do dinheiro que financia as atividades ilícitas, especialmente por meios virtuais, fica praticamente impossível sair vitorioso desse embate. O Brasil precisa direcionar seu radar para decisões que atinjam a raiz financeira do tráfico, dos assaltos, dos golpes e de toda a gama de ataques delituosos que causam prejuízos materiais e destroem famílias. Os brasileiros não podem mais viver acuados enquanto veem o crime organizado conservar seu poder de circulação de dinheiro ilegal, que mantém a capacidade de ação das facções.

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