Minerais críticos abrem caminho promissor ao Brasil
O Globo
País é rico nos minérios que estão no centro
das negociações com a Ucrânia. Precisa saber aproveitá-los
A proposta de Donald Trump para
encerrar a guerra na Ucrânia envolve um acordo que garanta aos Estados Unidos
acesso a minerais críticos do subsolo ucraniano. Os americanos hoje importam 16
de um grupo de 51 minérios estratégicos para a transição energética, com
aplicações nas indústrias de defesa, aeroespacial, na produção de baterias,
painéis solares, semicondutores e noutros segmentos do setor eletroeletrônico.
Há aí um recado para o Brasil, que também concentra reservas desses minerais. O solo brasileiro abriga a terceira maior reserva dos 17 elementos químicos conhecidos como “terras raras”. Também contém a maior reserva global de nióbio (94% da disponibilidade no planeta), a segunda maior de grafite, a terceira de níquel e é o quinto maior fornecedor de lítio. No ano passado, o país exportou 2 milhões de toneladas desses minérios, com receita de US$ 6,3 bilhões, e importou 400 mil toneladas, por US$ 4,4 bilhões. Tem saldo positivo nesse comércio, que pode crescer e gerar novos negócios.
É inevitável que o governo americano venha
tratar do assunto com o brasileiro em algum momento, segundo disse ao GLOBO o
ex-ministro da Defesa e ex-deputado federal Raul Jungmann, hoje presidente do
Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Os minerais críticos estão no centro
da atual corrida tecnológica. Não foi por acaso que surgiram nos embates
diplomáticos da guerra entre Ucrânia e Rússia. “Se aumentarmos o conhecimento
de nosso território, subiremos posições nesses [os conhecidos] e em outros minerais
críticos”, diz Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra (ESG).
Por isso o Brasil tem tudo para se tornar um dos principais alvos nessa disputa
geopolítica global, aumentando seu poder de barganha em acordos de
transferência de tecnologia.
É importante, nos embates diplomáticos que
inevitavelmente se sucederão, o Brasil não se limitar à posição de mero
fornecedor de matéria-prima. Precisa desenvolver tecnologia para aproveitar ao
máximo o acesso aos minerais. Grande exportador de minério de ferro, o país não
deixou de desenvolver uma indústria siderúrgica. Da mesma forma, precisa
agregar valor aos demais minerais. Quanto mais usar o lítio na produção de
baterias e celulares ou nas indústrias automobilística e aeronáutica, melhor
será o resultado. Idealmente, deveria fazer o mesmo com silício em
semicondutores e vidros especiais, cobre nos geradores eólicos e na transmissão
de eletricidade e terras raras nos veículos elétricos.
Para tudo isso, porém, o fator crítico é
formar mão de obra especializada e desenvolver conhecimento técnico. Dadas as
deficiências crônicas do Brasil na educação, nem sempre será possível. Ao mesmo
tempo, os acordos para exportação dos minerais trazem oportunidades de suprir
tais deficiências que não devemos deixar passar. Para o governo americano,
seria muito mais confortável dispor de um fornecedor de minerais críticos, de
preferência beneficiados, na América do Sul do que na Ucrânia, na tensa fronteira
com a Rússia. O Brasil precisará saber aproveitar esse caminho promissor que se
abre para o futuro do país.
Contratação pela CLT é alternativa para
inchaço do setor público
O Globo
É preciso regularizar os temporários, mas sem
ampliar o contingente de estatutários, com todas as suas regalias
A quantidade de servidores temporários no
funcionalismo tem crescido nos últimos anos. Eles passaram de 38,5 mil em 2003
para 716 mil no ano passado e já representam 7,2% dos funcionários públicos,
segundo o Anuário de Gestão de Pessoas do Serviço Público, do Instituto
República.org. A expansão se deu sobretudo nos municípios, como revelou
reportagem do GLOBO. De 38% do funcionalismo em 2002, os servidores municipais
passaram a 62% em 2022. Em vez de problema, contudo, o trabalho temporário
regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode ser visto como
oportunidade para driblar a rigidez nas regras de contratação no setor público
e garantir o uso mais eficiente do dinheiro do contribuinte.
Ao determinar que todo brasileiro tenha
direito a saúde e educação, a Constituição de 1988 incentivou a contratação de
profissionais nas duas áreas, ao mesmo tempo que ampliou o número de municípios
— eram 3.974 em 1980 e hoje são 5.570. Para não enfrentar dificuldades
financeiras ou não agravá-las, prefeitos encontraram na contratação temporária
a saída para não ter de arcar com o alto custo do servidor estatutário, cuja
estabilidade se torna um peso incontornável nos orçamentos.
A contratação de temporários criou, porém,
distorções. É o caso dos professores do ensino básico: mais de 50% trabalham em
regime temporário, segundo Cibele Franzese, ex-secretária adjunta de Gestão do
governo de São Paulo. Esse tipo de contratação é maior na educação porque a
legislação não permite terceirização ou parceria com ONGs, como acontece na
área de saúde ou nas creches (essas são outras formas de escapar da rigidez e
dos custos do funcionalismo estatutário). Há estados em que 80% dos profissionais
na educação são temporários. Esse tipo de contratação cria insegurança jurídica
e, portanto, risco de judicialização.
Por isso é evidente a necessidade de
regularizar a situação desses servidores. Mas sem que estados e municípios
sejam forçados a contratar funcionários estáveis, com todas as suas regalias e
custos. Um grupo que reúne República.org, Movimento Pessoas à Frente, Conselho
Nacional de Secretários de Administração (Consad) e outras entidades trabalha
num levantamento das condições desses servidores para formular uma proposta de
regulamentação da contratação temporária. Além de garantir direitos, a ideia é
evitar nepotismo e apadrinhamento.
É fundamental lembrar que praticamente todos
os programas sociais são conduzidos no nível municipal. Um exemplo citado pelo
presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, é o turno
integral nas escolas públicas. Não há como pôr em prática esse tipo de política
sem contratar mais pessoal. Como os municípios não têm condições financeiras de
arcar com mais inchaço entre estatutários, a saída natural é a contratação pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ela garante mais flexibilidade para os
orçamentos e um regime de trabalho compatível com aquele que os mesmos
funcionários encontrariam na iniciativa privada. Nada mais justo.
Congresso tem de cumprir acordo de emendas
com STF
Valor Econômico
O Congresso deu passos importantes para que emendas cumpram o rito constitucional da transparência, publicidade e moralidade públicas após o acordo com o STF, mas falta o último deles: segui-lo à risca
Após um embate de meses entre o Judiciário e
o Legislativo, em uma disputa que colocou no limbo o orçamento de 2025, ainda
não votado, os líderes do Congresso e o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Flávio Dino sacramentaram um acordo para que as emendas parlamentares
fossem aquilo que não estavam sendo: públicas e transparentes, com autores,
destino e finalidade dos recursos claramente identificados. Aceito o
compromisso, o comando do Congresso inventou um novo estratagema para, mais uma
vez, impedir a identificação do responsável pela indicação da emenda.
Aprovado a toque de caixa, o novo projeto de
resolução do Congresso para dar mais transparência e rastreabilidade às emendas
parlamentares viola o acordo firmado e não deve encerrar ainda a malversação de
recursos públicos que se arrasta desde 2022, com o início do “orçamento
secreto”. O controverso trecho foi incluído durante a tramitação do texto,
costurada pelos novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que haviam se comprometido a atender às determinações
de Dino. Em um sinal de que pouco mudou com a troca de guarda no comando do
Congresso, os raros parlamentares a questionar o projeto reclamaram que tiveram
menos de 24 horas para ler a proposta final, aprovada por ampla maioria em
ambas as casas: 361 a 33 entre deputados e 64 a 3 entre senadores. Como em
outras ocasiões, o PT votou a favor de manobras pouco republicanas com as
emendas, das quais igualmente se beneficia.
Segundo técnicos legislativos e ONGs que
trabalham pela transparência das contas públicas, o projeto permitirá que
continuem ocultos os autores das emendas de comissão, que somam R$ 11,5 bilhões
no orçamento de 2025 e são alvo dos principais questionamentos de Dino por
terem explodido à medida que o cerco do STF se fechou, primeiro, sobre as
emendas de bancada e, depois, sobre as emendas “Pix”. Pelo texto, essas
indicações poderão ser assinadas apenas pelos líderes partidários, sem a devida
identificação do responsável pelo repasse. A intenção de manter o sigilo se
evidencia nos modelos de ata que serão adotados para as emendas de comissão e
de bancada: ambos não contêm um campo específico para indicar os autores de
cada proposição.
Em nota divulgada antes mesmo da votação, as
ONGs Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas já
alertavam que a inclusão do trecho equivale à criação de uma nova emenda, a “de
líder partidário", que não tem previsão constitucional. Para as entidades,
em vez de garantir mais transparência à destinação de recursos públicos pelos
parlamentares, a resolução do Congresso nada soluciona, reverte avanços
institucionais já consolidados e não atende ao plano de trabalho acordado com STF,
nem aos interesses da sociedade.
Os líderes do Congresso fizeram então o que
já haviam ameaçado fazer para ampliar seu controle sobre o orçamento da
República. Em 2024, chegou-se a cogitar a instituição de emendas das bancadas
partidárias, além das que já existem para bancadas estaduais, individuais e de
relator - abatidas por serem consideradas inconstitucionais pelo STF em 2022 -
e as que ganham mais relevo, as de comissão. Com R$ 52 bilhões destinados para
o conjunto das emendas em 2025, o Congresso brasileiro tem a seu dispor, a sua
escolha discricionária, uma fatia de recursos orçamentários que raros países ao
redor do planeta possuem - algo que também não se vê em nenhuma nação
desenvolvida.
O orçamento, que configura as prioridades de
gastos para atender às necessidades da nação, foi deixado de lado e baterá o
recorde de atrasos caso não seja votado na próxima semana. É possível que a
votação aconteça, porque reações eventuais do STF não devem ocorrer até lá. Por
enquanto, vigora a regra de utilizar um doze avos da previsão para os gastos
até que a peça orçamentária seja aprovada. O governo divulgou a intenção de
apertar estes gastos no início, dando vazão a um dezoito avos mensais. Não há
dados para saber se cumpriu a promessa, mas ela pode estar na origem do
superávit primário de R$ 104 bilhões de janeiro, o maior de toda a série para o
mês, que costuma apresentar grandes resultados positivos nas contas públicas.
A intenção da mesa do Congresso, que é
presidido por Alcolumbre, um dos mais influentes gestores das emendas do
orçamento secreto no governo Bolsonaro, era concentrar poderes sobre as
emendas, o que significaria menos luz sobre a destinação e a pertinência dos
gastos. Seria criada uma Secretaria de Orçamento Público, que subordinaria os
consultores legislativos a determinações do “secretário” sobre o que poderiam
ou não divulgar, quando hoje há relativa liberdade de avaliações e elas têm
contribuído valiosamente para auxiliar nas decisões orçamentárias. O processo
das emendas ainda pode exigir novas ações do STF para que elas cumpram o rito
constitucional da transparência, publicidade e moralidade públicas. O Congresso
deu passos importantes para isso após o acordo e falta o último: segui-lo à
risca.
Caixa de Pandora das emendas tem de ser
fechada
Folha de S. Paulo
Avanço do Congresso sobre Orçamento, que
completa 10 anos, compromete qualidade do gasto público e relação entre Poderes
Completam-se nesta segunda-feira (17) dez
anos da mudança constitucional que tornou impositiva a execução de emendas parlamentares
individuais ao Orçamento —e abriu uma caixa de Pandora que hoje compromete a
qualidade do gasto público e as relações entre os Poderes republicanos.
Saudada na época como um mecanismo
democrático para fortalecer o Legislativo, a aprovação da regra foi
consequência do enfraquecimento político da então presidente Dilma
Rousseff (PT),
que acabaria sofrendo um processo de impeachment.
Desde então, as emendas, instrumento pelo
qual deputados e senadores direcionam recursos federais, cresceram
exponencialmente em volume e influência, reduzindo a capacidade de alocação por
parte do Executivo.
Em 2019, o Congresso
Nacional determinou que as emendas de bancadas estaduais também seriam
impositivas. Instituíram-se ainda as chamadas emendas individuais Pix, que
reduziram drasticamente a transparência da execução orçamentária.
Elas permitiram aos congressistas direcionar
dinheiro do contribuinte diretamente ao caixa de prefeituras e governos
estaduais, sem ao menos indicar a finalidade do gasto. Por causa disso, como
noticiou a Folha, é desconhecido o destino de 12% dos investimentos da
União nos últimos dois anos, ou R$ 14,3 bilhões.
Outra alteração importante —e nefasta— nas
normas foi a ampliação do montante destinado obrigatoriamente às emendas
individuais, que passou de 1,2% para 2% da receita corrente líquida da
administração federal.
O impacto das mudanças no decênio
impressiona. De 2014 para este ano, os gastos determinados por parlamentares
saltaram de R$ 11,1 bilhões para R$ 49,2 bilhões, em valores corrigidos.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), assim como o de Jair
Bolsonaro (PL),
reúne parcas condições políticas de conter o apropriação pelo Congresso de
vastos recursos do Orçamento. A reação tem cabido principalmente ao STF, que tenta
ao menos impor protocolos de transparência na apresentação e na
execução das emendas.
Deputados e senadores, no entanto, resistem.
Em 2024, votaram uma lei complementar que, embora tenha trazido alguma melhora
nos processos, esteve longe de atender às exigências da corte. Já na semana
passada, aprovou-se
projeto de resolução que também mantém lacunas, como a ausência de
identificação individual dos autores de emendas de comissão.
Persistem, assim, anomalias quantitativas e
qualitativas. Nas principais economias, não há registro de tamanha ingerência
direta de legisladores nos recursos públicos —e ela se dá em mero benefício de
redutos eleitorais, sem critérios de prioridade.
É urgente, pois, interromper, disciplinar e,
tanto quanto possível, reverter o avanço do Congresso sobre um Orçamento
público já amplamente deficitário.
Portugal quer reinventar sua geringonça
Folha de S. Paulo
Presidente dissolve Parlamento e convoca
eleição para retomar coalizão partidária; há risco de avanço da extrema direita
Ao
dissolver o Parlamento na quinta (13) e convocar eleições para
18 de maio, o presidente de Portugal,
Marcelo Rebelo de Sousa, firmou sua aposta na reinvenção da aliança entre a
centro-esquerda e a centro-direita para formar um governo com maioria no
Legislativo.
Em seus cálculos, um novo pleito garantiria
maior estabilidade política e governabilidade.
Desde 2021, é a segunda vez que os
portugueses assistem à queda de seu primeiro-ministro —Luís Montenegro, do
Partido Social Democrata (PSD)— e a terceira que são convocados a participar de
eleições parlamentares.
Há riscos, por óbvio, como o potencial avanço
do Chega, partido de extrema direita que, alavancado por seu discurso
anti-imigração, obteve 18% dos votos e 48 cadeiras na Assembleia da República
em 2024.
A decisão de Rebelo foi tomada depois de
a moção
de confiança apresentada pelo premiê de centro-direita ser rejeitada
pela Assembleia da República. Dado o caráter minoritário de seu governo, o
gesto de Montenegro sinalizou ousadia, naturalmente percebida pelo presidente.
Ademais, o primeiro-ministro é alvo central
de uma investigação do Legislativo sobre pagamentos de conglomerados
portugueses por serviços de uma consultoria criada por ele e atualmente gerida
por seus familiares.
Mas a convocação das eleições para maio
poderia ser contornada. Bastaria a Rebelo escolher outro nome do PSD de
Montenegro, sigla à qual o mandatário fora historicamente filiado. O novo
pleito, porém, obteve respaldo do Conselho de Estado, órgão que reúne todos os
partidos políticos.
Nos últimos quatro anos do mandato de Rebelo,
que foi reeleito em 2021, a governabilidade do país provou-se mais complexa sob
a batuta dos gabinetes minoritários de Montenegro e de António Costa, o premiê
anterior filiado ao Partido Socialista. Construir gabinetes centristas
majoritários, entretanto, não é tarefa fácil nem panaceia.
Desde 2015, a geringonça —como é chamada a
aliança liderada pelo Partido Socialista com apoio do PSD serviu ao governo.
Mas a coalizão vem sendo erodida por escândalos de corrupção.
A união dos dois maiores partidos de
Portugal, que somaram quase 60% dos votos em 2024, num gabinete de centro com
maioria na Assembleia só será testada após 18 de maio.
Projetam-se, contudo, poucas chances de
sucesso. Talvez tenha faltado a Rebelo considerar que a geringonça pode vir a
sair enfraquecida das urnas e, pior, com a extrema direita fortalecida.
O sexto aniversário do inquérito sem fim
O Estado de S. Paulo
O inquérito das ‘fake news’ chega a seis anos
sem que haja qualquer perspectiva de conclusão, o que autoriza a suspeita de
que se tornou um instrumento de exercício arbitrário de poder
O Inquérito 4.781, conhecido como “inquérito
das fake news”, completou seis anos de tramitação na sexta-feira passada.
Instaurado em 14 de março de 2019 pelo então presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o inquérito tinha como objetivo inicial
apurar “fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e
ameaças veiculadas na internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e
familiares”. De lá para cá, como restou notório, uma investigação legítima foi
transformada em um instrumento ilegítimo de exercício de poder monocrático pelo
ministro designado relator, Alexandre de Moraes, em afronta aos mais comezinhos
princípios do Estado Democrático de Direito que o mesmo STF diz defender.
Este jornal é insuspeito para fazer as
críticas que tem feito à duração e, principalmente, ao sigilo imposto pelo sr.
Moraes ao inquérito. O Estadão foi o primeiro veículo da chamada
grande imprensa a apoiar a decisão de ofício do ministro Dias Toffoli.
Afirmamos nesta página que, na condição de presidente da Corte, era dever de
Dias Toffoli defender a instituição, pois “velar pelas prerrogativas do Tribunal”
é uma das principais atribuições de seu presidente. E “não há dúvida”,
sublinhamos, “de que ameaças a seus ministros e familiares são uma tentativa de
subjugar a independência do STF” (ver editorial O sigilo do STF,
16/3/2019).
O fato de ainda termos de fazer essa memória,
malgrado o ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ter reconhecido,
no início de dezembro de 2024, que a conclusão do Inquérito 4.781 “está
demorando” porque “os fatos se multiplicaram ao longo do tempo”, diz muito
sobre a amplitude de uma investigação que, ao que parece, tem sido conduzida
justamente para não ter fim – vale dizer, para ser instrumentalizada como um
mecanismo de concentração de poder nas mãos de seu relator, algo que não se
coaduna com a mera ideia de uma república democrática. “Fake news” e
“desinformação” passaram a ser o que o sr. Moraes acha que é.
Decorrido tanto tempo, convém relembrar por
que, afinal, o Inquérito 4.781 foi instaurado de ofício. O STF sofria uma onda
de ataques articulados por apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro. Sob o
beneplácito, quando não incentivo, do Palácio do Planalto, os ministros do STF
e seus familiares passaram a ser atacados e ameaçados pelas hostes
bolsonaristas como forma de tolher a independência funcional da Corte e, assim,
evitar – pensavam os radicais – a interposição de barreiras legais aos desígnios
liberticidas de Bolsonaro, que, à época, ainda em início de mandato, já
demonstrava claramente seu inconformismo com as contenções ao exercício do
poder que caracteriza qualquer democracia digna do nome.
Mas não demorou para que o STF enxergasse no
Inquérito 4.781 um meio de controlar, de forma inconstitucional, o que pode ou
não ser publicado na imprensa profissional e nas redes sociais sobre os
ministros ou a própria Corte. Em português cristalino: por meio do Inquérito
4.781, o STF, garantidor maior das liberdades constitucionais, tornou-se um
órgão de censura. Um mês depois da abertura do inquérito, o ministro relator já
impunha censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé porque os
veículos publicaram uma reportagem, intitulada O amigo do amigo de meu pai,
que implicava Dias Toffoli no acordo de colaboração premiada firmado pelo
empreiteiro Marcelo Odebrecht. Para lhe fazer justiça, Moraes logo reconheceu
seu erro e revogou a censura aos veículos, mas o gênio já havia saído da
garrafa.
E assim, de abuso em abuso, de censura em
censura, chega-se a quase 2,2 mil dias de uma investigação que, a despeito de
sua legitimidade inicial, há muito já deveria ter sido encerrada com o
indiciamento de suspeitos sobre os quais recaiam indícios de autoria e
materialidade de crimes ou o arquivamento. É inaceitável, a menos que não
estejamos mais sob a égide da ordem constitucional democrática, que um
inquérito perdure indefinidamente – seja por sua inconsistência material, seja
pela conveniência de seu relator.
Uma promessa de campanha perigosa
O Estado de S. Paulo
Ao propor isenção de IR a quem ganha R$ 5 mil
associada à taxação de quem recebe R$ 50 mil, governo Lula despreza risco de
ampliar o desequilíbrio fiscal em um eventual próximo mandato
A equipe econômica reduziu de R$ 35 bilhões
para R$ 25 bilhões a estimativa para a renúncia fiscal gerada pela isenção do
pagamento de Imposto de Renda a todos que ganham até R$ 5 mil mensais. Os
números foram calculados para dar base a um projeto de lei que o Executivo
pretende enviar ao Congresso até o fim deste mês, por meio do qual pretende
viabilizar, em 2026, o cumprimento da promessa de campanha eleitoral feita pelo
presidente Lula da Silva.
Essa perda, segundo o governo, será
compensada pela criação de um imposto mínimo de até 10% que incidirá sobre os
contribuintes com renda mensal superior a R$ 50 mil, incluindo o recebimento de
lucros e dividendos distribuídos por empresas. A apuração será feita na
declaração de ajuste anual do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), quando
os acionistas saberão se deverão complementar a contribuição ou se terão
direito à restituição dos valores.
No País, lucros e dividendos eram tributados
até 1995, mas passaram a ser isentos no ano seguinte sob a justificativa de
evitar que, sobre uma mesma renda, houvesse incidência de Imposto de Renda
sobre pessoas físicas e jurídicas. Já seria um caso raro no mundo, mas, ao
longo dos anos, benefícios como isenções e abatimentos – ora propostos pelo
Executivo, ora pelo Congresso – reduziram a tributação de empresas sem que
houvesse contrapartida de cobrança maior sobre a renda pessoal.
Embora, em tese, a alíquota de IRPF incidente
sobre quem ganha mais de R$ 4.664,68 mensais seja de 27,5%, a prática tem sido
muito diferente. Com base em dados do IRPF, que incluem apenas os brasileiros
que prestam contas ao Fisco, a Secretaria de Política Econômica do Ministério
da Fazenda estimou que a alíquota efetiva de impostos sobre o 0,01% mais rico é
de apenas 1,76%, o que garante aos mais privilegiados pagar, proporcionalmente
à sua renda, menos impostos do que os mais pobres.
Essa é uma das principais distorções do
sistema tributário brasileiro, e é louvável que o governo Lula da Silva queira
torná-lo mais justo e menos desigual. Mas o problema de propor a isenção de IR
a quem ganha até R$ 5 mil mensais associada ao aumento da tributação de quem
aufere mais de R$ 50 mil mensais é o risco de que apenas a primeira proposta
seja aprovada – ou seja, de que o governo perca arrecadação e não receba nada
em troca.
Considerando que a isenção de IR talvez seja
o principal projeto do governo no Congresso neste ano, não é desprezível a
chance de que isso venha a ocorrer. Afinal, não é a primeira vez que o
Executivo tenta, sem sucesso, taxar lucros e dividendos. No passado recente,
iniciativas semelhantes foram apresentadas pelos governos de Michel Temer e
Jair Bolsonaro, mas não avançaram no Congresso, ambiente que é bastante
influenciado pelo público potencialmente atingido pela medida.
A proposta de isentar de IR quem ganha até R$
5 mil mensais, por outro lado, tem apelo popular, ativo que tende a ganhar mais
força entre os parlamentares com a proximidade das eleições. Pesquisa realizada
entre os dias 11 e 12 de fevereiro pelo Instituto Ranking dos Políticos mostrou
que 49,1% dos deputados apoiam a proposta, enquanto 45,4% a rejeitam. Entre os
senadores, 50% foram favoráveis e 34,6% se disseram contrários.
Independentemente de a renúncia ser de R$ 25
bilhões ou R$ 35 bilhões, não são receitas desprezíveis, ainda mais para um
país que vive em desequilíbrio fiscal crônico há mais de uma década. O Brasil
não pode se dar ao luxo de abrir mão dessa arrecadação tão facilmente e sem a
garantia de que ela seja reposta. Liberar esses valores para o consumo de uma
parcela da população que não costuma poupar pode, ainda, aquecer a demanda e
impor mais desafios ao controle da inflação.
O governo, portanto, deveria ter mais cautela
ao fazer da isenção do IR sua bandeira eleitoral. Na hipótese de que ela seja
aprovada pelo Congresso neste ano e que a compensação por meio da tributação de
lucros e dividendos seja novamente rejeitada, pode ser o próprio presidente
Lula da Silva quem se verá em apuros quando tiver de lidar com contas públicas
ainda mais depauperadas em 2027.
A exótica gincana da PF
O Estado de S. Paulo
Corregedoria lança ‘jogo’ entre equipes por
produtividade, o que já deveria ser um dever
A Corregedoria da Polícia Federal (PF) lançou
o “Desafio PF 2025” para estimular o aumento da produtividade. A iniciativa
visa a “premiar” as superintendências regionais (27 em todo o Brasil) que
obtiverem os melhores resultados, segundo os critérios de avaliação traçados
pelo comando da corporação. A bem da verdade, mais parece uma gincana.
A ideia, de acordo com seus criadores, é
incentivar agentes a reduzir a duração de inquéritos e aumentar o número de
indiciamentos. Ora, todos querem inquéritos mais céleres, mas não se pode
tratar o trabalho da polícia dessa maneira leviana: cada investigação tem seu
tempo e não pode estar submetida a uma pressão por resultados e prêmios.
A quantidade de indiciamentos tampouco
deveria balizar a eficiência da PF. Os indiciamentos precisam se pautar na
materialidade das práticas delitivas e na individualização das condutas para
que, na existência de crimes, os até então suspeitos, dentro do devido processo
legal e do amplo direito de defesa, sejam indiciados, denunciados, acusados e,
por fim, condenados ou inocentados.
Mas não só esses critérios soam o alerta para
essa “competição”. Com dimensões continentais, o Brasil enfrenta desafios
distintos na luta contra o crime, que cada vez se organiza mais e melhor. Isso
quer dizer que a atuação da PF também é distinta de uma superintendência para
outra. A realidade da PF no Rio de Janeiro, por exemplo, não é a mesma da
atuação dos agentes nas fronteiras, e, enquanto o contrabando e o tráfico se
espalham por todo o território, na Amazônia a criminalidade potencializa seus
negócios ilícitos com o desmatamento e o garimpo ilegais.
Segundo a apuração do Estadão, delegados
federais, não sem razão, estão bastante desconfortáveis com esse desafio,
chamando-o até de “gamificação ridícula” e vendo risco de banalização de
inquéritos. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
enviou mensagem aos filiados na qual pede que a competição seja desconsiderada,
uma vez que, segundo a entidade, “já existem diversas metas e indicadores” para
a categoria.
Ademais, não parece razoável premiar as
superintendências regionais com viaturas, celulares e participação de agentes
em missões institucionais. Para a ADPF, esses regalos, digamos assim,
“constituem obrigações naturais do órgão” e “causam constrangimentos e
desconforto na maior parte dos servidores”. À reportagem do Estadão, um
delegado, com razão, não conteve a ironia: “Prêmio: uma viagem para a
fronteira”. Ora, aparelhar bem a PF e reconhecer os seus bons agentes é uma
obrigação do governo.
Se a cúpula da corporação quer melhorar o
desempenho, basta elaborar um plano de trabalho que, com a imposição de metas
de qualidade e a entrega de resultados, considere a diversa realidade
brasileira e a complexidade dos delitos praticados, sobretudo, por facções
criminosas.
Quanto mais casos a PF resolver, dentro de um prazo razoável, melhor para o País, mas a qualidade do combate à criminalidade não se confunde com quantidade.
Falhas no combate ao crime organizado
Correio Braziliense
O Brasil precisa direcionar seu radar para
decisões que atinjam a raiz financeira do tráfico, dos assaltos, dos golpes e
de toda a gama de ataques delituosos que causam prejuízos materiais e destroem
famílias
A violência no Brasil é um fenômeno
estrutural, que cada vez mais tira a paz da população. O medo constante e as
perdas materiais afetam a qualidade de vida nas metrópoles e nas pequenas
cidades, que também entraram na rota da bandidagem. Nesse contexto histórico,
desmantelar o crime organizado é a missão das autoridades na batalha para
estabelecer a segurança pública no país.
Na última terça-feira, uma operação no Rio de
Janeiro derrubou, literalmente, uma facção com vasta lista de delitos. Agentes
da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) invadiram o “Resort Green”,
local com lago privado para a criação de carpas, piscinas, academia de
ginástica com equipamentos modernos, área de churrasqueira e areia de praia —
tudo demolido durante a batida policial. O luxo servia para proveito de
integrantes do Terceiro Comando Puro. O “complexo de lazer” era bancado com o
lucro de ações ilícitas variadas, especialmente tráfico e assaltos.
Segundo informação da própria Polícia Civil,
foram quase dois anos de investigações para reunir os elementos que
possibilitassem a conclusão do caso e levassem à consequente tomada do espaço.
Um tempo longo demais para colocar fim a tamanha ousadia e afronta em uma
construção que destoava das demais ao redor em Paradas de Lucas, na Zona Norte
da capital fluminense.
A questão é que o poder financeiro do crime
organizado atingiu patamares assustadores e desafia governos, instituições e
cidadãos. Com as contas cheias, as quadrilhas têm expandido suas áreas de
atuação e, hoje, estão infiltradas em diversos setores. A ostentação dos
criminosos — com mansões, carros milionários, joias e outros itens — parece não
ter limites. Diante desse cenário, a descapitalização das facções é uma das
principais estratégias para vencer essa guerra.
O bloqueio bancário, a apreensão de bens, o
confisco de ativos de alto valor e a interdição de mercadorias ilegais são
medidas apontadas por especialistas para surtir o efeito necessário no combate
às quadrilhas que operam, inclusive, com ordens de condenados dentro de
presídios.
Com tanta tecnologia disponível, a
movimentação de recursos entre contas de membros de facções sem levantar
suspeitas das autoridades é inadmissível. Planos coordenados entre as forças de
segurança e as instituições financeiras precisam ser adotados para prevenir e
impedir a lavagem de dinheiro. Em 2024, conforme dados da Polícia Federal, um
prejuízo de R$ 5,6 bilhões foi imposto às facções, impactando diretamente na
redução da capacidade de ação dos criminosos.
Investir na estrutura de investigação para a
descapitalização das organizações criminosas é fundamental. As artimanhas da
bandidagem não podem superar a inteligência dos órgãos de combate. O emprego de
empresas de fachada, a ocultação de dinheiro e o uso de pessoas físicas para
esconder a origem dos montantes têm de ser anulados pelas autoridades
competentes.
Sem minar a capacidade de movimentação do dinheiro que financia as atividades ilícitas, especialmente por meios virtuais, fica praticamente impossível sair vitorioso desse embate. O Brasil precisa direcionar seu radar para decisões que atinjam a raiz financeira do tráfico, dos assaltos, dos golpes e de toda a gama de ataques delituosos que causam prejuízos materiais e destroem famílias. Os brasileiros não podem mais viver acuados enquanto veem o crime organizado conservar seu poder de circulação de dinheiro ilegal, que mantém a capacidade de ação das facções.
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