O Globo
Sistema mundial de alimentação, com suas
complexas cadeias de suprimento, não é fácil de domar
Graças à divisão de trabalho doméstica, há
muitos anos vou à feira uma vez por semana. Às vezes, comparo com as compras no
exílio europeu. A manga era cara, era preciso ter um pequeno excedente para
comprá-la. Agora, ao comprar manga no Brasil, constato que custa R$ 10 a
unidade e percebo que os preços se aproximam.
Muita coisa mudou ao longo destas décadas no
país, e, sinceramente, não acho correto culpar o governo. O sistema mundial de
alimentação, com suas complexas cadeias de suprimento, não é fácil de domar,
ainda mais por um só país, ainda que seja uma superpotência alimentar como o
Brasil.
Lembro-me do nome de um restaurante onde comi algumas vezes no início do século: Food for Thought. Isso me estimula nos próximos meses a escrever alguns artigos e esquentar o tema nas eleições de 2026.
Na campanha de 2022, a temática esteve
presente de alguma forma no discurso de Lula, que encaminhou uma aliança contra
a fome, defendeu financiar a agricultura familiar e apresentou uma proposta
popular de picanha para todos. Lula enfocou o consumo da carne pelo ângulo do
prazer, associando-o a uma cervejinha. A verdade é que também é um tipo de
proteína importante para a saúde.
Para produzir 1 quilo de carne, porém, é
preciso também produzir 2 quilos de grãos. O consumo universal da carne traria
imenso problema de mais áreas aráveis, inclusive as hoje disputadas para a
produção de biocombustível.
No momento, discutimos principalmente preços.
Mas eles podem ser apenas a face visível do problema. Antes de chegar a eles, é
preciso também considerar três variáveis que impactam a produção: energia,
clima e água.
Estamos ainda no início da transição
energética. O petróleo tem ainda grande importância no transporte dos
alimentos, na impulsão de máquinas e até mesmo nos fertilizantes. Seria
importante discutir isso de uma perspectiva nacional, cobrar a rapidez da transição
e buscar a autossuficiência em fertilizantes. A guerra na Ucrânia mostrou
nossas lacunas. Temos potássio, e há uma produção interessante de fertilizantes
naturais no sul de Minas.
As mudanças climáticas precisam ser abordadas
com urgência. A safra do ano passado sofreu um baque por causa disso. É
necessário preservar os rios voadores da Amazônia, combatendo queimadas e
desmatamentos e, ao mesmo tempo, investir em pesquisas sobre a resistência das
plantas ao calor.
A água é um elemento superdelicado. Alguns
países deixam de produzir alimentos para não gastar seus recursos hídricos. A
agricultura usa muita água. Mas não só ela. Quem visitar — como fiz algumas
vezes — criações industriais de frango e carne de porco verá como consomem
grandes quantidades de água. Na verdade, exportamos frangos e porcos, mas
também milhões de litros de água de nossos rios, como o Uruguai.
Com uma transição energética lenta, intensas
mudanças climáticas e crises hídricas em muitos pontos do planeta, não há muito
espaço para alimentos baratos e abundantes.
Daqui para a frente, será preciso abordar
alguns temas-chave, como segurança sanitária, e ir um pouco mais a fundo em
certos dilemas. Um deles: há uma parte da humanidade com fome, outra mal
alimentada, a julgar pela obesidade, pelo diabetes, pelas doenças cardíacas e
por alguns tipos de câncer. A
produção industrial baixou preços, mas trouxe gastos em áreas que não são dela,
como a saúde.
Nesse horizonte de crise, alimento para
pensar não pode faltar em nossa cabeça.
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