Valor Econômico
Assim como no novo crédito consignado, gestão atual deveria ser mais ousado em apoiar projetos inovadores
O governo Lula levou a sério o slogan
assumido pela sua administração assim que tomou posse, “União e Reconstrução” -
pelo menos em relação à sua segunda parte.
Se de um lado não houve ações significativas para pacificar um país que saiu das urnas dividido, por outro a atual gestão petista passou os últimos dois anos recolocando de pé projetos que foram as vitrines de suas passagens anteriores pelo Palácio do Planalto. Assim, desde a posse Lula turbinou o Bolsa Família, reinstituiu os reajustes reais do salário-mínimo, ressuscitou o PAC, lançou uma nova rodada do programa Minha Casa Minha Vida, entre outras medidas requentadas.
Ainda que muitas dessas ações tenham
contribuído para garantir um crescimento do PIB de mais de 3% em 2023 e 2024,
com emprego e rendimentos médios reais beirando a máxima histórica, mesmo assim
a popularidade do presidente vem caindo.
Algumas razões vêm sendo apontadas para esse
paradoxo vivido por Lula. O próprio presidente e seu entorno atribuem seu baixo
desempenho nas pesquisas a um problema de comunicação. Colocaram então um
marqueteiro no Palácio do Planalto, mudaram a linguagem nas redes sociais,
botaram o Aerolula para sobrevoar o Brasil, mas aparentemente o ponteiro que
mede a aprovação do governo não se moveu.
Uma interpretação mais elaborada argumenta
que o eleitorado brasileiro mudou. Além de o Brasil ter dobrado à direita (vide
Jairo Nicolau), houve uma forte conversão da população às religiões evangélicas
na última década - em 06/03, César Felício fez um apanhado das pesquisas
recentes sobre esse fenômeno na ótima coluna “Pergunte aos Dados”, aqui
no Valor.
Outro importante componente é a significativa
transformação ocorrida no mercado de trabalho, em função da reforma
trabalhista, da pejotização e da proliferação dos aplicativos. Seja por um
revanchismo em decorrência de sua prisão, pelas origens católicas do PT ou pelo
ranço de um passado sindicalista, o governo não tem sido capaz de dialogar com
esses públicos.
De forma complementar, há quem aponte que
Lula ainda não conseguiu entregar nada de novo para seu eleitor. Segundo esse
raciocínio, os segmentos que tradicionalmente votam nele - os mais pobres, as
mulheres, os negros e os nordestinos, com toda a interseccionalidade presente
nesses grupos - já tinham a expectativa de restabelecimento das políticas dos
dois primeiros mandatos, e agora expressam sua frustração pela ausência de
novas iniciativas que venham resolver outros dos seus muitos problemas cotidianos:
a violência doméstica e urbana, as muitas horas perdidas diariamente no
transporte público, a falta de creches e escolas em período integral, a
inflação que corrói o poder de compra de seu salário.
De fato, poucas foram as novidades de impacto
apresentadas neste terceiro mandato. O programa Pé-de-Meia, apesar de suas
irregularidades orçamentárias, desponta até o momento como candidato a ser o
grande legado desta gestão, mas como seus resultados são diluídos no tempo,
ainda não se converteu em ganhos de popularidade.
O lançamento, na última semana, do projeto
que prevê utilizar os aplicativos da Carteira de Trabalho Digital e do E-Social
para conceder crédito consignado mostra que nem tudo está perdido em termos de
criatividade na atual administração. Num país com quase 75 milhões de pessoas
com dívidas em atraso, segundo o Mapa da Inadimplência do Serasa, possibilitar
a migração desses débitos para uma operação com taxa de juros
significativamente mais baixa pode gerar dividendos eleitorais imediatos para
Lula.
Aliás, se Lula realmente estivesse disposto a
implementar medidas transformadoras na sociedade brasileira, deveria fazer um
apanhado de propostas inovadoras que tramitam no Congresso Nacional e que
poderiam ser abraçadas pelo PT e sua base de governo.
Na semana passada, após a publicação da minha
coluna sobre a timidez das políticas públicas implementadas pelo governo em
relação às mulheres, a economista Luiza Rodrigues me chamou a atenção para o PL
nº 4.978/2023, que sugere utilizar as inovações bancárias para resolver um
problema que aflige milhões de mulheres e crianças no país: a
irresponsabilidade de pais que se tornam inadimplentes no pagamento da pensão
alimentícia para seus filhos.
De acordo com o projeto, assim que o juiz
proferisse a decisão estabelecendo o valor da pensão, a instituição financeira
na qual o homem tivesse conta seria notificada para realizar uma espécie de
“pix pensão” recorrente para a mãe, e em caso de saldo insuficiente o Banco
Central seria comunicado para tornar indisponíveis os ativos em outros bancos.
De uma maneira simples, seriam resolvidos assim dois problemas: a
vulnerabilidade de milhões de mulheres e crianças brasileiras seria aplacada e
o Judiciário ainda seria aliviado sem milhões de ações de alimentos que
precisam ser propostas anualmente.
Outra medida que poderia ser abraçada pelo
governo com impacto ainda maior na sociedade seria o fim da escala 6x1 de
trabalho, encampada pela deputada Érika Hilton. Trataremos dela numa próxima
coluna.
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