segunda-feira, 17 de março de 2025

Propostas para um governo com poucas ideias - Bruno Carazza

Valor Econômico

Assim como no novo crédito consignado, gestão atual deveria ser mais ousado em apoiar projetos inovadores

O governo Lula levou a sério o slogan assumido pela sua administração assim que tomou posse, “União e Reconstrução” - pelo menos em relação à sua segunda parte.

Se de um lado não houve ações significativas para pacificar um país que saiu das urnas dividido, por outro a atual gestão petista passou os últimos dois anos recolocando de pé projetos que foram as vitrines de suas passagens anteriores pelo Palácio do Planalto. Assim, desde a posse Lula turbinou o Bolsa Família, reinstituiu os reajustes reais do salário-mínimo, ressuscitou o PAC, lançou uma nova rodada do programa Minha Casa Minha Vida, entre outras medidas requentadas.

Ainda que muitas dessas ações tenham contribuído para garantir um crescimento do PIB de mais de 3% em 2023 e 2024, com emprego e rendimentos médios reais beirando a máxima histórica, mesmo assim a popularidade do presidente vem caindo.

Algumas razões vêm sendo apontadas para esse paradoxo vivido por Lula. O próprio presidente e seu entorno atribuem seu baixo desempenho nas pesquisas a um problema de comunicação. Colocaram então um marqueteiro no Palácio do Planalto, mudaram a linguagem nas redes sociais, botaram o Aerolula para sobrevoar o Brasil, mas aparentemente o ponteiro que mede a aprovação do governo não se moveu.

Uma interpretação mais elaborada argumenta que o eleitorado brasileiro mudou. Além de o Brasil ter dobrado à direita (vide Jairo Nicolau), houve uma forte conversão da população às religiões evangélicas na última década - em 06/03, César Felício fez um apanhado das pesquisas recentes sobre esse fenômeno na ótima coluna “Pergunte aos Dados”, aqui no Valor.

Outro importante componente é a significativa transformação ocorrida no mercado de trabalho, em função da reforma trabalhista, da pejotização e da proliferação dos aplicativos. Seja por um revanchismo em decorrência de sua prisão, pelas origens católicas do PT ou pelo ranço de um passado sindicalista, o governo não tem sido capaz de dialogar com esses públicos.

De forma complementar, há quem aponte que Lula ainda não conseguiu entregar nada de novo para seu eleitor. Segundo esse raciocínio, os segmentos que tradicionalmente votam nele - os mais pobres, as mulheres, os negros e os nordestinos, com toda a interseccionalidade presente nesses grupos - já tinham a expectativa de restabelecimento das políticas dos dois primeiros mandatos, e agora expressam sua frustração pela ausência de novas iniciativas que venham resolver outros dos seus muitos problemas cotidianos: a violência doméstica e urbana, as muitas horas perdidas diariamente no transporte público, a falta de creches e escolas em período integral, a inflação que corrói o poder de compra de seu salário.

De fato, poucas foram as novidades de impacto apresentadas neste terceiro mandato. O programa Pé-de-Meia, apesar de suas irregularidades orçamentárias, desponta até o momento como candidato a ser o grande legado desta gestão, mas como seus resultados são diluídos no tempo, ainda não se converteu em ganhos de popularidade.

O lançamento, na última semana, do projeto que prevê utilizar os aplicativos da Carteira de Trabalho Digital e do E-Social para conceder crédito consignado mostra que nem tudo está perdido em termos de criatividade na atual administração. Num país com quase 75 milhões de pessoas com dívidas em atraso, segundo o Mapa da Inadimplência do Serasa, possibilitar a migração desses débitos para uma operação com taxa de juros significativamente mais baixa pode gerar dividendos eleitorais imediatos para Lula.

Aliás, se Lula realmente estivesse disposto a implementar medidas transformadoras na sociedade brasileira, deveria fazer um apanhado de propostas inovadoras que tramitam no Congresso Nacional e que poderiam ser abraçadas pelo PT e sua base de governo.

Na semana passada, após a publicação da minha coluna sobre a timidez das políticas públicas implementadas pelo governo em relação às mulheres, a economista Luiza Rodrigues me chamou a atenção para o PL nº 4.978/2023, que sugere utilizar as inovações bancárias para resolver um problema que aflige milhões de mulheres e crianças no país: a irresponsabilidade de pais que se tornam inadimplentes no pagamento da pensão alimentícia para seus filhos.

De acordo com o projeto, assim que o juiz proferisse a decisão estabelecendo o valor da pensão, a instituição financeira na qual o homem tivesse conta seria notificada para realizar uma espécie de “pix pensão” recorrente para a mãe, e em caso de saldo insuficiente o Banco Central seria comunicado para tornar indisponíveis os ativos em outros bancos. De uma maneira simples, seriam resolvidos assim dois problemas: a vulnerabilidade de milhões de mulheres e crianças brasileiras seria aplacada e o Judiciário ainda seria aliviado sem milhões de ações de alimentos que precisam ser propostas anualmente.

Outra medida que poderia ser abraçada pelo governo com impacto ainda maior na sociedade seria o fim da escala 6x1 de trabalho, encampada pela deputada Érika Hilton. Trataremos dela numa próxima coluna.

 

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