Correio Braziliense
Examinem os carvalhos que foram plantados,
porque as couves têm um período muito curto de vida. Somos uma democracia de
massa, a sétima economia do mundo, o que por si só afirma a grandeza do nosso
país
Nós, brasileiros, temos o hábito de cultivar
o pessimismo em relação ao nosso país. O nosso olhar é um pouco o de ver a
árvore, e não a floresta, como no apólogo que Rui Barbosa invocou quando
discutia uma lei de anistia: ele citou a diferença entre plantar couve e
plantar carvalhos e concluiu: nós gostamos sempre de olhar a couve sem ver os
carvalhos.
Quero fazer uma reflexão sobre a satisfação e a alegria de ser brasileiro, alegria de termos construído uma sociedade de convivência sem problemas de fronteira, que o Barão do Rio Branco resolveu no princípio do século; de religião, pois temos no Brasil liberdade de consciência e, sobretudo, convivência entre crenças e convicções; de raça, pois aprendemos a não ter preconceitos raciais e a conviver com alegria. De tal sorte que dizia Gilberto Amado ser a expressão carinhosa que usamos em relação a uma mulher de qualquer cor "ó, minha neguinha" uma referência a uma mulher linda e inteligente, por quem temos admiração, afeto, carinho e amor.
Agora, quando estamos comemorando 40 anos de
democracia, é necessário deixar de ver somente a couve.
Estou escrevendo sobre esse assunto porque li
que um membro da esquerda radical, do Grupo dos Autênticos, que era muito
atuante no tempo em que iniciamos a redemocratização do país, disse que a
posição da esquerda radical era a de que a transição fora inconclusa. Essa
opinião estava baseada na percepção deles de que a transição fora um pacto das
elites, porque absorvera os militares.
A couve, nessa visão, seria a transição por
negociação e pelo diálogo entre todas as correntes, e não pela outra fórmula.
Nosso objetivo era a democracia e, com ela, a liberdade, a saída do regime
autoritário. Eles pensavam numa revolta dentro das Forças Armadas, tomando os
militares a iniciativa de entregar o poder. A outra era uma guerra civil, o que
implicaria no derramamento de sangue. Nunca em nossa história fizemos essa
opção.
Nossa transição foi considerada a mais
exitosa de todas, justamente porque abrangeu os militares, que voltaram aos
quartéis e tinham, em grande parte, a visão de que chegara a hora de transmitir
o poder aos civis.
Uma vez em conversa com Ulysses Guimarães,
ele me pedia que punisse, como um sinal, um chefe militar. Eu lhe respondi:
Ulysses, não ganhamos pelas armas, mas, sim, por um processo de engenharia
política conduzida por você, Tancredo e por mim, com a participação do
Aureliano, Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Petrônio Portella, Leônidas Pires
Gonçalves e muitos outros. Por uma vitória armada, não teríamos jamais a volta
da democracia. A única tentativa que tivemos nessa direção foi a Guerrilha do
Araguaia, que deu argumento aos militares de que estavam prontos a destruir,
pela luta armada, qualquer enfrentamento ao regime.
Entre os momentos mais difíceis, e, talvez o
mais importante, no processo de negociação da transição democrática, há 40
anos, foi a negociação da anistia com a área militar e com os políticos da
ultraesquerda, que se fixavam mais na extinção do Colégio Eleitoral.
Aos pessimistas, que estão muito presentes,
tenho a pedir-lhes que examinem os carvalhos que foram plantados, porque as
couves têm um período muito curto de vida.
Somos uma democracia de massa, a sétima
economia do mundo, o que por si só afirma a grandeza do nosso país. Instalamos
um Estado Social de Direito em que o lado social obteve muitas conquistas, como
a liberdade sindical, com a anistia que concedi a todos os líderes que estavam
na clandestinidade e chegamos aos 100 anos da República com um operário
presidente, motivo de orgulho e uma marca histórica por ter vindo justamente da
classe de trabalhadores, o que mostra a força das instituições brasileiras e seu
amadurecimento.
O Brasil é um país de oportunidades, aberto a
todas as classes, que podem ascender em qualquer segmento da sociedade.
Não devemos, assim, nos fixar nos aspectos
negativos, e olhar os positivos, que ultrapassam os negativos. Os erros serão
corrigidos, e o que ocorre em nossas vidas é fruto do processo de
desenvolvimento e da rotina de todas as nações do mundo.
Vamos olhar o carvalho. Deixar a couve para o
almoço.
*José Sarney — ex-presidente da
República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras
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