Folha de S. Paulo
Ainda vai levar tempo para tarifas afetarem
inflação, mas economia já dá sinais de estresse
Pessoas que perderam seus parentes para
a Covid votaram
em indivíduos que não davam a mínima para a epidemia
mortífera, como
Jair Bolsonaro. Também votaram em Jair
Bolsonaro tantas pessoas que padeceram na grande miséria de 2021, a
maior em décadas, pois haviam perdido o auxílio emergencial, cortado ainda
durante o desastre epidêmico. Temos visto muito surto de servidão voluntária,
por assim dizer, piorado pelas redes insociáveis.
Assim, é temerário dizer que americanos vão se revoltar quando sentirem os efeitos da guerra comercial de Donald Trump. Quem sabe se invente um meme de dourar pílula ou um veneno algorítmico ou uma alquimia virtual capaz de transformar sofrimento em ouro. No caso do governo de Joe Biden, a possibilidade de vitória do Partido Democrata foi para o vinagre muito também porque os salários perderam a corrida da inflação por quase três anos. Desta vez vai ser diferente?
Para começar, 62% das famílias americanas têm
ações de empresas, de modo direto ou por meio de algum tipo de fundo ou conta
de aposentadoria. Os dados são de pesquisa Gallup de 2024. Na pesquisa mais
recente do Fed,
o Banco Central americano, de 2022, 58% das famílias teriam recursos aplicados
em ações.
Antes da reviravolta
de quarta, os principais índices de preços
de ações americanas haviam baixado cerca de 20% em relação ao pico
recente ou estavam mais ou menos no mesmo nível de 12 meses antes. Ainda não
seria um desastre, mas o ganho gordo e talvez exagerado de 2024 para 2025
desapareceu. Algum sentimento de perda houve, o que influencia o consumo.
O efeito da guerra comercial ainda não elevou
preços —ao contrário. A
inflação foi menor do que a esperada em março. Segundo entendidos, os consumidores
compraram menos passagens de avião, combustíveis e foram menos a
restaurantes. As companhias aéreas foram as primeiras a alertar para o risco de
resultados ruins adiante. Há indícios de que os americanos estão em média com
medo de gastar; os índices de confiança do consumidor desabam.
Há sinais dispersos, "evidências
anedóticas", de que canadenses cancelam viagens para os Estados
Unidos. O governo chinês tenta induzir seus cidadãos a não viajar para o
país ora sob Trump.
Carros
ficarão mais caros —ou já ficaram. Comidas também, como tantas que
chegam do México. Os americanos compravam cerca de US$ 450 bilhões de produtos
chineses, por ano. Agora, os impostos de importação tornaram impossível o
comércio entre Estados Unidos e China. Ou os americanos
vão pagar mais caro, ou vão comprar
produtos e insumos piores ou não conseguirão produzir e vender, talvez
exportar, por causa de preço e qualidade pior.
Alguma
inflação haverá. Pessoas perderão empregos. Nesses danos, não estão
incluídos possíveis efeitos daninhos de outras políticas econômicas de Trump.
Não se sabe o tamanho do estrago da caça
aos imigrantes. Trump ainda não deu sinal de como vai conter o déficit do
governo. Ao contrário: por ora tem uma
fantasia de arrecadação e um plano de cobrar menos impostos de ricos.
No final do ano que vem, haverá eleição
parlamentar nos EUA. Logo, é possível que Trump perca suas maiorias mínimas no
Congresso. Não vai haver reparo nos danos
permanentes que terá causado a seu país e ao planeta. Mas seria um sinal
para aventureiros cafajestes, autoritários e ignorantes do mundo.
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