sexta-feira, 11 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Efeito do tarifaço não se dissipa com recuo de Trump

O Globo

Guerra comercial com a China mantém risco de recessão global, mas choque pode trazer aprendizado

Com Donald Trump na Casa Branca, são vãs as tentativas de prever qualquer coisa. É uma incógnita se o pior da guerra comercial deflagrada por ele já passou. Uma semana depois de anunciar o maior choque tarifário na História dos Estados Unidos, Trump se viu forçado a dar meia-volta. Na quarta-feira, suspendeu por 90 dias as tarifas mais altas, mantendo a cobrança mínima de 10% de todos os países, com exceção da China, cuja taxa foi alçada a 145%. A Casa Branca fez grande esforço para vender uma versão segundo a qual tudo corria como previsto, pois o plano era forçar os países a negociar cortes nas próprias tarifas cobradas de produtos americanos. Pura lorota. A convulsão financeira chegou a ponto de lançar os mercados num precipício insondável.

Enquanto perdas trilionárias ficaram restritas às Bolsas de Valores, Trump dobrava a aposta no tarifaço. Mas a manhã de quarta-feira trouxe um temor inédito: o mercado de títulos da dívida do governo americano começou a emitir sinais preocupantes de estresse. Nas crises financeiras do passado, quando os investidores batiam em retirada da Bolsa, acorriam em massa aos bônus emitidos pelo Tesouro americano, considerados porto seguro para o capital, tamanha a confiança planetária no dólar e na solidez da economia americana. Desta vez, foi diferente. Houve venda em massa desses papéis, sinal provável de que Trump despertara a desconfiança em seu próprio país. Se o pânico chegasse ao extremo de ameaçar a supremacia do dólar, a estabilidade de todo o sistema financeiro global estaria em perigo. Diante de tal risco, o recuo foi sensato.

O mundo respirou, mas seria ingênuo falar em tranquilidade. Trump deflagrou de forma atabalhoada, sem plano aparente, a maior disputa comercial em cem anos, pondo em risco a saúde financeira dos Estados Unidos e do planeta. Como ele ainda tem mais quatro anos de mandato, qualquer vislumbre de estabilidade pode se revelar fugaz.

Por ora, durante três meses, quase todos os países pagarão 10% em tarifas extras, com exceção dos que vendem chips, cobre, produtos farmacêuticos, energia, ouro, madeira e minerais não encontrados nos Estados Unidos. Fabricantes de carros e autopeças, aço e alumínio continuarão pagando 25%. Produtos mexicanos e canadenses fora do tratado de livre-comércio da América do Norte também estarão sujeitos aos 25%. Em resposta, a União Europeia anunciou suspensão de tarifas retaliatórias até julho. O que acontecerá ao fim dos 90 dias? Ninguém sabe.

A China, principal alvo da guerra comercial, não foi beneficiada pelo recuo. Pelo contrário. Como num jogo de tênis, americanos e chineses têm se retaliado mutuamente desde fevereiro. De lá para cá, a tarifa cobrada pelos americanos subiu para 145% e a cobrada pelos chineses para 84%. Quando as duas maiores potências econômicas estão em guerra comercial, uma recessão mundial parece inevitável.

Ainda que o quadro melhore, parte do estrago demorará a se dissipar. Investimentos e contratos comerciais são firmados quando há confiança e previsibilidade. Trump destruiu ambas — e haverá um preço a pagar. Num cenário otimista, ele aprenderá que a disputa é prejudicial aos Estados Unidos, negociará acordos com os principais parceiros, inclusive a China, posará de vitorioso e — o mais importante — não voltará atrás. O mundo todo deve torcer para tal cenário se tornar realidade.

Censo Escolar do MEC apresenta resultados decepcionantes

O Globo

Ministério resiste a publicar dados, mas não é assim que melhorará a qualidade sofrível do ensino brasileiro

Não são animadores os resultados do último Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC). Os números da pré-escola recuaram no ano passado. As crianças em creches aumentaram ligeiramente, mas ainda ficaram abaixo da meta. O Ensino de Jovens e Adultos (EJA), destinado a estudantes que não completaram a educação básica, retrocedeu. As matrículas em cursos profissionalizantes cresceram, porém aquém do desejado. A melhor notícia é o crescimento das matrículas em tempo integral, mesmo assim também abaixo do ritmo ideal.

A pré-escola registrou 34 mil matrículas a menos, caindo para 5,3 milhões. Pelas metas do próprio MEC, o segmento já deveria ter sido universalizado desde 2016, mas 7% das crianças entre 4 e 5 anos ainda estão fora da sala de aula. Não é muito diferente com as creches, para crianças de até 3 anos. As matrículas subiram de 4,12 milhões para 4,18 milhões no ano passado, mas a meta era contemplar ao menos 50% da faixa etária, ou 5 milhões. A falta de creches tem impacto relevante no mercado de trabalho, pois elas representam apoio importante para mães que trabalham fora.

O EJA também desapontou: perdeu 198 mil alunos em 2024, oitavo ano seguido de queda. Mesmo o Nordeste, que concentra o maior número de estudantes (1,2 milhão), perdeu 90 mil alunos. É uma lástima num país que deveria se esforçar para aumentar a escolaridade de seus cidadãos, permitindo que eles busquem melhores oportunidades de trabalho. A queda está ligada à pouca flexibilidade dos cursos e à falta de apoio aos estudantes. Quase metade da população brasileira (49,2%) não concluiu o ensino médio.

Há também notícias positivas. Uma delas é o aumento de matrículas em tempo integral, caminho conhecido para melhorar a qualidade do ensino. Houve 624 mil novas matrículas, e o total alcançou 7,9 milhões. Mas o ritmo de crescimento arrefeceu em relação a anos anteriores. O ensino profissionalizante e técnico, essencial para ampliar a conexão com o mercado de trabalho, cresceu 6,7%, chegando a 2,57 milhões de matrículas, mas ainda está longe da meta de 4,8 milhões.

O MEC tem resistido a dar publicidade aos dados do ensino. O Censo Escolar foi divulgado com atraso de três meses. Os números da alfabetização só se tornaram públicos na semana passada, depois de sonegados por meses, sob o argumento de que havia discrepâncias. Por que não divulgar e apontar a discrepância? Não é deixando de publicar informações que o MEC conseguirá melhorar a qualidade do ensino. Cedo ou tarde, elas sempre vêm à tona, expondo as deficiências. Em que pesem os avanços, o retrato traçado pelo Censo Escolar é de estagnação, mostrando que o governo não consegue cumprir nem as próprias metas. É nisso que o MEC deveria se concentrar, em vez de esconder informações.

Censo mostra progressos moderados na educação

Valor Econômico

Grande esforço para universalizar a educação, propiciado pelo aumento de gastos públicos, dá resultados, mas a qualidade, outro objetivo primordial, ficou muito para trás

O Censo Escolar de 2024 mostra que houve avanços quantitativos na educação, ainda que tenham ficado abaixo das metas. O progresso qualitativo, porém, deixa a desejar. Indicadores indiretos, como o número de professores temporários em relação aos efetivos, apontam que não há evolução relevante à vista. Há mais alunos até o ensino médio em tempo integral e no ensino profissionalizante, porém menos do que deveriam.

Há carências evidentes em todos os graus de ensino, o que exige uma progressão harmônica entre as diversas fases. Há uma defasagem gritante entre a ampliação de vagas nas creches, o primeiro universo da socialização de infantes de baixa idade, e as necessidades. A falta de vagas continua alta especialmente para a população de baixa renda, com mais evidência nos Estados do Norte e Nordeste. Um dado preocupante é o de que apenas uma em cada três crianças pobres tem acesso às creches.

É um consenso entre os educadores que a aprendizagem, nessa fase inicial, é vital para desenvolver capacidades necessárias para a evolução educacional posterior. A negação de creches, com suas atividades pedagógicas na faixa etária apropriada, significa em geral um atraso permanente nas fases subsequentes, configurando um ambiente de desestímulo ao progresso dos esforços individuais e, no espaço existencial futuro, uma desigualdade quase irrecuperável na disputa por oportunidades profissionais na vida adulta. A meta do plano de educação era atingir 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade em creches no ano passado, ou 5 milhões de crianças. A porcentagem atingida foi de 38,7%, ou 4,1 milhões. Há mais de 2,3 milhões de crianças excluídas. O número das que foram incluídas cresceu 1,5%, de 4,12 milhões para 4,18 milhões. Dois terços das crianças em creches frequentam a rede pública.

No estágio seguinte, o da pré-escola, início da alfabetização, com crianças de 4 e 5 anos, houve um retrocesso, com queda de 0,7% nas matrículas. O objetivo do governo era conseguir que toda a população dessa idade fosse atendida, mas o resultado alcançado foi inferior, 92,9%, apenas um pouco a mais do que já havia sido atingido antes da pandemia, em 2019.

Há um atraso mais evidente no atendimento das pessoas que não chegaram a concluir o ensino fundamental e que têm mais de 15 anos. O ensino de jovens e adolescentes (EJA) perdeu, desde a pandemia, 1 milhão de matrículas, de 3,2 milhões então para 2,3 milhões no ano passado. O resgate educacional deixa faixa da população é fundamental para melhorar os níveis de renda da população e a produtividade da economia. Segundo o IBGE, 35% dos brasileiros não chegaram a esse nível de instrução. A meta, frustrada, era eliminar o analfabetismo dessas pessoas em 2024. As matrículas caíram muito mais na rede pública que na privada - recuo de 28,5% ante -5,2%, respectivamente. São 9,3 milhões os jovens considerados analfabetos.

O ensino integral, perseguido por vários governos estaduais como forma de dar um salto de qualidade na educação, chegou perto da meta de 25% dos estudantes - foi de 23,1% em 2024. O número dos que frequentam escolas de nível médio que oferecem esta carga horária nas escolas públicas subiu de 477 mil alunos há dez anos para 1,56 milhão agora.

O ensino técnico e profissionalizante, opção para resolver vários problemas graves do ensino médio, como o desinteresse dos estudantes diante de currículos distanciados da vida prática e a necessidade de aprendizado para a vida laboral, se expandiu, mas a uma velocidade menor que a planejada. O número de matrículas deu um salto de 1,6 milhão para 2,3 milhões, para uma meta ainda distante de 4,8 milhões de matriculados.

O Censo Escolar não permite aferir diretamente a qualidade do ensino ofertado. Outras pesquisas mostram, porém, uma deficiência enorme na qualificação dos professores. Além da remuneração ruim, a formação dos docentes é precária, com baixa especialização e pouca compatibilidade entre os conhecimentos adquiridos e as disciplinas que estão convocados a ensinar. O Censo, porém, toca em uma das causas, que não é nova. Pelo terceiro ano consecutivo, o número de professores temporários é maior que o dos efetivos, com vários efeitos adversos para o padrão educacional. Os temporários (50,04% do efetivo) não têm direito a incentivos para melhoria de qualidade do ensino, têm processo seletivo menos exigente, buscam por necessidade lecionar em várias escolas e mantêm vínculos muito frágeis com as instituições de ensino, sem falar na remuneração mais baixa do que a dos efetivos, que em geral já é pequena.

O Censo de 2024 revela acertos e falhas conhecidas do sistema educacional. O grande esforço para universalizar a educação, propiciado pelo aumento de gastos públicos, dá resultados, mas a qualidade, outro objetivo primordial, ficou muito para trás. O grande desafio é conjugar ambos.

Datafolha reforça dilema eleitoral de Tarcísio

Folha de S. Paulo

Governador de SP obteria 2º mandato se disputasse hoje; no cenário nacional, tem baixa rejeição, mas perderia para Lula

A rodada mais recente de pesquisas do Datafolha lança nova pitada de dúvida na direita, incluindo a bolsonarista, já envolta em incógnitas de monta em sua estratégia para a disputa presidencial de 2026.

Como se sabe, o principal nome desse campo, o do próprio Jair Bolsonaro (PL), não passa de uma peça de ficção —pelo menos neste momento. Declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente não pode concorrer ao Planalto no ano que vem.

Ainda que os bolsonaristas evitem debater publicamente as consequências dessa condenação, circulam, nos bastidores, algumas chapas alternativas e viáveis do ponto de vista legal. Há mais de uma possibilidade, porém as consideradas mais fortes são aquelas encabeçadas por Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Por estar à frente do estado mais rico e populoso do país, o governador de São Paulo surge como opção natural. Não se cacifa somente pela máquina que comanda; calcula-se que sua trajetória e seu perfil mais conciliador o tornem —em tese— mais palatável para um número maior de eleitores, inclusive de outros campos políticos.

O Datafolha reforça a percepção. Entre os possíveis herdeiros dos votos de Bolsonaro cotados para a disputa nacional, Tarcísio detém a menor rejeição: 13% dos entrevistados disseram que não votariam nele de jeito nenhum.

Para comparação, o índice é de 27% no caso de Michelle Bolsonaro (PL), 26% no de Eduardo Bolsonaro (PL) e 44% no do ex-presidente —que, nesse quesito, fica em empate técnico com os 42% do atual presidente, Lula (PT).

Ademais, nenhum bolsonarista se sai melhor que Tarcísio nos cenários eleitorais. Na simulação de segundo turno, a vantagem de Lula cai ao menor nível no confronto contra o governador, 48% a 39%. É a mesma distância quando a pergunta envolve Bolsonaro: 49% a 40% em favor do petista.

Ocorre que, para se candidatar à Presidência, Tarcísio precisaria abrir mão de tentar a reeleição em São Paulo, onde ele venceria com folga em todas as hipóteses consideradas pelo Datafolha.

Se a eleição fosse hoje, ele passaria dos 60% em eventual segundo turno contra Alexandre Padilha (PT) ou Márcio França (PSB), por exemplo, e encerraria a disputa no primeiro turno em um cenário sem a presença do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB).

É um desempenho condizente com sua avaliação. O trabalho do mandatário de São Paulo é considerado ótimo ou bom por 41% dos entrevistados e ruim ou péssimo por 22%; em outra questão, 61% dizem aprovar sua gestão, ante 33% que a desaprovam.

Nunca é demais lembrar que a eleição de 2026 ainda vai longe no horizonte e que muita coisa pode mudar até lá. Mas, diante dos números ora trazidos pelo Datafolha, o dilema de Tarcísio —e da direita bolsonarista— parece ser o de enfrentar uma eleição presidencial duvidosa ou uma estadual como franco favorito.

Censo escolar revela metas descumpridas

Folha de S. Paulo

Modelo integral e ensino médio avançam, mas país não atinge objetivos do PNE para educação infantil e profissionalizante

O Censo Escolar 2024, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) na quarta (9), mostra que, apesar de alguns avanços, o Brasil não conseguiu realizar plenamente o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, cujas metas deveriam ter sido alcançadas no ano passado.

No ensino médio, setor da educação básica que apresenta mais desafios, houve leve aumento no número de matrículas na rede pública, que passou de 6,69 milhões em 2023 para 6,76 milhões.

Melhora mais significativa se deu na taxa de alunos no ensino médio público com a idade certa (até 17 anos), que no mesmo período subiu de 82% para 87%. A chamada distorção série-idade é um dos fatores a contribuir para a evasão escolar, que tende a subir a partir do 1º ano dessa etapa.

O modelo de ensino de tempo integral, com mais horas de aulas e currículo adaptável aos interesses dos estudantes, ajuda a incrementar índices de aprendizagem e a diminuir a evasão.

Segundo o censo, 22,9% dos matriculados na educação básica da rede pública (19,1% no fundamental e 24,2% no médio) cursavam o modelo em 2024 —alta de 2,3 pontos em relação ao ano anterior e taxa bastante próxima à meta do PNE (25%).

O alcance do ensino técnico no nível médio, fundamental para a rápida inserção no mercado de trabalho e a geração de renda, ainda é precário no país. Em 2014, o PNE estabeleceu que as matrículas na educação profissional nessa etapa deveriam triplicar em dez anos, passando de 1,6 milhão para 4,8 milhões.

Em 2024, contudo, chegou-se apenas a 2,38 milhões. Isso quer dizer que só 13% do alunado do ensino médio cursa o técnico, enquanto a média da OCDE é de 44% e até vizinhos como Chile (29%) e Colômbia (24%) superam o Brasil. Governos estaduais têm o dever de ampliar a modalidade.

A educação infantil, que produz efeitos duradouros na vida escolar dos estudantes, também preocupa. O PNE previa que 50% das crianças de 0 a 3 anos deveriam estar em creches, mas, em 2024, só 38,7% estavam. Na pré-escola, que atende alunos de 4 e 5 anos, houve queda de 0,7% nas matrículas ante 2023 e a cobertura na faixa etária foi de 92,9% —a meta era a universalização (100%).

Um novo PNE está prestes a tramitar no Congresso Nacional. Entretanto, como mostra o censo, de nada adianta criar objetivos sem que governos nas três esferas implementem as mudanças necessárias, com monitoramento contínuo dos resultados. A educação brasileira ainda tem muito a melhorar e não tem mais dez anos a desperdiçar.

A ‘pegadinha’ de Trump

O Estado de S. Paulo

É inútil procurar lógica nas decisões do presidente dos EUA, cujo único interesse é acumular poder e exercê-lo para bagunçar o mundo conforme seus ‘instintos’. A loucura apenas começou

É como se o mundo tivesse sido vítima de uma “pegadinha” do presidente dos EUA, Donald Trump. Meros sete dias depois de ter bombardeado todas as nações com tarifas severas, bagunçando o comércio global e derretendo bolsas planeta afora, Trump simplesmente decidiu, num estalar de dedos, suspender a maioria delas por 90 dias. Ato contínuo, as bolsas dispararam, e houve alívio momentâneo – mas obviamente ninguém está tranquilo. Afinal, a única coisa clara na lambança de Trump é que ninguém sabe o que ele quer nem qual será seu próximo passo – nem ele mesmo. As perdas desde o dia do anúncio do tarifaço foram mitigadas, mas não recuperadas. Além disso, o piso tarifário de 10% foi mantido, e a guerra comercial contra a China segue escalando perigosamente. Pior: nada do que Trump e seus assessores dizem indica qualquer estratégia lógica. É tocante o esforço de trumpistas e trumpólogos para extrair algum “plano astucioso” ou “estratégia de negociação” de um conjunto heteróclito de ideias fixas, caprichos, rancores e uma dose de niilismo misturados na cabeça de Trump. Dois dias antes de suspender o tarifaço, ele ridicularizava republicanos por “panicarem” ante o desastre. A um repórter que perguntou quanto tempo toleraria a dor nos mercados, retrucou: “Acho sua pergunta estúpida”. Dois dias depois, explicando a outro repórter por que recuou, disse: “Achei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha, ficando um pouco nervosas”. A verdade é que os títulos do governo dos EUA, outrora porto seguro em tempos de crise, estavam sendo liquidados, dissolvendo a fronteira entre uma recessão com a marca de Trump e uma depressão com a marca de Trump. Até para Trump a negação da realidade tem limites. Mas não para os bajuladores na sua equipe. Pouco antes de Trump “piscar”, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, dizia que a economia está em “ótima forma”. Pouco depois, seus acólitos começaram a fabricar racionalizações sem sentido. Um dos mais desavergonhados chegou a dizer que estamos diante da “maior estratégia econômica de um presidente americano na História”. E como Trump, o “Grande Estrategista”, tomará sua próxima decisão? Ele mesmo respondeu: “É realmente mais um instinto, acho, do que qualquer outra coisa”. A busca por uma “estratégia oculta” parece ser uma necessidade psicológica de encontrar ordem no caos. Um “plano” – ainda que ruim ou maligno – é mais reconfortante que nenhum. Trump tem, é verdade, um punhado de convicções: a de que ele é um mestre da negociação; de que déficits comerciais são maus; empregos no chão de fábrica são bons; e tarifas são uma espécie de panaceia. Outra: os EUA estão sendo “pilhados” por outras nações, especialmente as aliadas – é natural a quem está sempre tentando pilhar os outros presumir que estão sempre tentando pilhá-lo. Por baixo de todo esse exercício mental, resta o descomunal apetite de Trump por acúmulo de poder. O controle total sobre as políticas tarifárias lhe dá a chance de chantagear empresários no mercado doméstico e agentes estrangeiros que querem acesso a ele. É a mesma lógica das ameaças de invasão territorial ou de implodir alianças como a Otan. “Ao dizer ao mundo que tanto as regras do comércio quanto as garantias de segurança dependem exclusivamente de sua vontade, ele está concentrando a maior quantidade possível de poder em suas mãos”, resumiu o articulista do Wall Street Journal Walter Russell Mead. Se há um método nessa loucura, portanto, é este: concentração de poder pessoal. Por mais incômodo que seja ao resto do mundo, é mais racional admitir de vez a irracionalidade do homem mais poderoso do planeta. A única certeza sobre sua política é de que é impossível confiar em Trump e, por extensão, nos EUA, pelo menos enquanto ele for presidente. Sejam lá quais forem as decisões, boas ou ruins, que os “instintos” de Trump vierem a ditar, essa atmosfera permanente de incerteza e caos por si só impõe um custo incalculável aos EUA e, consequentemente, à ordem econômica e geopolítica da qual os americanos foram o principal avalista por 80 anos, que tomará anos para ser recuperado – isso se for.

A armadilha das cotas identitárias

O Estado de S. Paulo

Ao criar cotas para pessoas trans, travestis e não binárias, Unicamp pratica um ato de arbítrio que só atrapalha os esforços para combater desigualdades e estabelecer o equilíbrio social

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acaba de criar um sistema de cotas para ingresso de pessoas que se autodeclaram trans, travestis ou não binárias em seus cursos de graduação. De acordo com a universidade paulista, cursos com até 30 vagas disponíveis deverão reservar ao menos uma – regular ou adicional – para essa parcela da população. A cota aumenta para duas vagas no caso de cursos que têm turmas com mais de 30 alunos.

Ainda segundo a Unicamp, poderão ingressar na graduação por meio dessa “política de ação afirmativa” os alunos das redes pública e privada que prestarem o Exame Nacional do Ensino Médio e apresentarem um “relato de vida”, um documento no qual os candidatos devem descrever sua “trajetória de transição” e o “processo de afirmação da identidade de gênero”. O que isso significa e segundo quais critérios um dado “relato de vida” haverá de preponderar sobre os demais, só os doutos membros das comissões avaliadoras da Unicamp hão de saber – o que autoriza a suspeita de que a seleção não está imune, ora vejam, ao arbítrio e ao preconceito.

Por mais problemática que seja, a vagueza de critérios ainda é o erro mais banal de um sistema de cotas que já nasce eivado de vícios. Para começar, trata-se de uma inequívoca violação do princípio republicano elementar, consagrado no caput do artigo 5.º da Constituição: a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O respeito aos direitos e a atenção aos interesses de minorias se impõem para qualquer sociedade civilizada. Mas isso não significa, por óbvio, sacrificar a ordem constitucional vigente no altar das boas intenções.

Ninguém sensato, minimamente cioso da realidade do país em que vive, haverá de negar que a população LGBTQIA+ tem direitos de toda ordem violados em um país tão desigual como o Brasil. As adversidades enfrentadas por pessoas trans, travestis e não binárias, em particular, têm impactos diretos em sua integridade física e emocional. Decerto também contribuem para que esses brasileiros tenham, em geral, menos acesso a empregos qualificados que lhes permitam auferir uma renda capaz de custear uma formação educacional mais sólida.

Dito isso, se é no campo das reparações sociais que estamos transitando, por que fixar um sistema de cotas para ingresso no ensino superior para pessoas trans, travestis ou não binárias e não para mães adolescentes e solteiras, para citar apenas um exemplo de grupo vulnerável presente em todo este vastíssimo país? E daí em diante. O céu é o limite para os que se arvoram em reparadores sociais, no cenário mais benevolente, ou justiceiros morais, no pior.

Como a própria Unicamp reconhece, no Brasil não se tem a exata dimensão da população composta por trans, travestis e não binários. Portanto, a criação de cotas para esse segmento é, ao fim e ao cabo, uma decisão arbitrária que privilegia um determinado grupo em detrimento de tantos outros. Também não estão claras – vale dizer, acima de quaisquer dúvidas – quais seriam as barreiras sistemáticas impostas à população LGBTQIA+ para ingresso no ensino superior, tais como as enfrentadas, historicamente, por pretos, pardos e indígenas.

Os mais de dez anos de vigência da chamada Lei de Cotas demonstram que, de fato, esse marco jurídico foi determinante para amenizar desigualdades entre os brasileiros. Mas o tem feito, como já sublinhamos nesta página, de modo artificial e paliativo. Muito mais coadunada com a realidade do País seria a massificação das cotas sociais para ingresso no ensino superior, sem distinções além da objetividade do critério da renda familiar.

Por fim, essa discussão seria absolutamente ociosa se o Brasil tratasse como prioridade inegociável o desenvolvimento da educação básica para todos. Mas, enquanto isso não passar de um desejo, o sistema de cotas seguirá necessário por tempo indeterminado e, consequentemente, dará azo a cada vez mais distorções, além de estimular discursos extremistas que interditam o debate racional e honesto sobre essa ou qualquer outra questão de interesse público.

Pegando carona no 13.º do INSS

O Estado de S. Paulo

Lula tenta capitalizar como grande proeza antecipação desnecessária do 13.º de aposentados

A lei do 13.º salário, sancionada em 1962 pelo então presidente João Goulart, encerrou um período de greves e protestos sindicais que exigiam o pagamento da gratificação de Natal e reclamavam, ora vejam, da inflação que corroía o poder de compra dos salários. Naquele ano, a taxa de inflação oficial – medida então pelo IGP-DI – ficou próxima a 52%. A lei ganhou, mais tarde, status de cláusula pétrea da Constituição federal, ou seja, não pode ser alterada por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

O histórico deixa claro que o pagamento do 13.º é um pagamento obrigatório tanto a quem está empregado quanto aos aposentados e pensionistas; não é um prêmio ou bonificação que dependa da boa vontade de empregadores ou do governo de ocasião. Dito isso, é intolerável, para dizer o mínimo, que o simples cumprimento de um direito seja tratado como uma deferência especial deste ou daquele governo, como forma de angariar apoio, popularidade e, claro, votos.

Pois é exatamente esse uso político o que sistematicamente ocorre nas antecipações de pagamentos do 13.º de aposentadorias, pensões e auxílios do INSS, como o anúncio recente de Lula da Silva na cerimônia batizada de “Brasil dando a volta por cima”, evento realizado em Brasília, com cara e jeito de campanha, mas que o marqueteiro Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, jurou tratar-se de “uma prestação de contas”.

Não dá para entender que contas foram prestadas com a antecipação de um pagamento tradicionalmente feito em agosto e novembro com a intenção de reforçar o orçamento das famílias para as compras natalinas. O País não atravessa nenhuma crise de demanda, pelo contrário. Mas Lula da Silva fez o anúncio da antecipação para abril e maio como quem se ufana de uma grande proeza. O Ministério da Previdência Social calcula que R$ 73,3 bilhões serão injetados na economia. De forma precoce, já que ninguém imagina que os beneficiários do INSS façam suas compras de Natal no segundo trimestre do ano.

Tivesse Lula o poder absoluto que almeja, obrigaria também as estatais e até as empresas privadas a antecipar o 13.º. Seriam centenas de bilhões de reais a mais já na primeira metade do ano a movimentar o consumo e criar a falsa impressão de prosperidade numa economia aquecida para além da sua capacidade. Para os custos extraordinários de fim de ano restaria a oferta extra de crédito, com a qual a gestão lulopetista poderia estimular o endividamento.

A Agência Brasil, da empresa de comunicação governamental EBC, informou que este será o sexto ano seguido em que os segurados do INSS terão o pagamento antecipado. De fato, em 2020 a data foi mudada para abril e maio para minimizar os prejuízos da pandemia; em 2021, ainda sob os efeitos da covid-19, em maio e junho; em 2022, ano eleitoral, fez parte das “bondades” populistas de Jair Bolsonaro; e foi mantida em 2023 pelo não menos populista Lula que, em 2024, antecipou de novo para abril e maio o pagamento da primeira parcela. Mantida essa toada, não demora e a gratificação natalina será paga antes do carnaval.

Tempo de atenção às doenças respiratórias

Correio Braziliense

O Ministério da Saúde aprovou a adoção de duas novas tecnologias no Sistema Único de Saúde para prevenir complicações causadas pelo vírus sincicial respiratório

O outono tem suas peculiaridades. Friozinho e céu azul convivem harmoniosamente, mas a estação também é um convite à proliferação de vírus e, consequentemente, de doenças que até então estavam hibernadas. Um deles é o vírus sincicial respiratório (VSR), responsável por cerca de 80% dos casos de bronquiolites e 40% das pneumonias entre bebês e crianças entre 0 e 4 anos. Sem falar nos idosos, pacientes com doenças cardiovasculares, com problemas pulmonares crônicos ou sistema imunológico baixo.

Agora em março, foram notificados 24.635 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no país, entre os quais 9.336 tiveram resultado em laboratório para algum vírus respiratório. Em todo o mundo, o VSR causa 100 mil mortes por ano, o que comprova que a preocupação dos especialistas não é em vão.  

Altamente contagioso, o VSR pode ser transmitido pelo ar, pelo contato direto pessoa a pessoa — seja por meio de gotículas de espirro, catarro ou saliva —, além de objetos contaminados, onde o vírus pode sobreviver por até 24 horas, a exemplo de copos, talheres ou em brinquedos. 

Com a proximidade do inverno, em 20 de junho, é de se esperar que esses números aumentem ainda mais, devido à queda da temperatura. Por isso, pediatras e pneumologistas recomendam, entre outras medidas, que os cartões de vacinação das crianças estejam em dia, mesmo para outras doenças, ajudando a fortalecer o sistema imunológico e, dessa forma, evitando que o VSR se dissemine em escolas e creches.

A boa notícia é que, em fevereiro, o Ministério da Saúde aprovou a adoção de duas novas tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS) para prevenir complicações causadas por esse vírus. A primeira é o anticorpo monoclonal nirsevimabe, voltado para bebês prematuros e crianças de até 2 anos nascidas com comorbidades. A segunda — uma vacina recombinante contra os vírus sinciciais respiratórios A e B, aplicada em gestantes — tem efeitos positivos nos primeiros meses de vida dos bebês. 

Estudos apresentados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) mostram que a expectativa é ampliar a proteção para cerca de 310 mil bebês prematuros nascidos com até 36 semanas. Já a vacina para gestantes tem potencial para evitar cerca de 28 mil internações por ano e oferece proteção imediata aos recém-nascidos, beneficiando aproximadamente 2 milhões de bebês nascidos vivos. Os maiores de 60 anos também serão protegidos, já que a eficácia de uma das vacinas é de 75% na primeira temporada após a imunização.

A má notícia é que a aprovação não significa implementação imediata. As novas tecnologias somente estarão disponíveis para a população, de acordo com a Lei nº 8.080/1990 e o Decreto nº 7.646/2011,  em um prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90. Ou seja, em até nove meses — provavelmente, no verão, estação cujos índices de propagação desse tipo de vírus é menor. 

Há ainda o desafio de mobilizar adultos e responsáveis para que imunizem as crianças quando as fórmulas estiverem protegidas. De imediato, o que se espera é que uma estrutura de saúde esteja sendo preparada para o aumento de infecções e, consequentemente, de casos mais graves. Em média, de 2% a 3% das crianças com bronquiolite causada por VSR necessitam de hospitalização. Em idosos, a taxa de letalidade chega a 26%.

Ex-desembargador cumpre pena em regime fechado

O Povo

A prisão de Carlos Rodrigues Feitosa mostra que crimes de tal gravidade têm de ser punidos com todo o rigor que a lei permite

Um dos implicados na operação Expresso 150, o ex-desembargador Carlos Rodrigues Feitosa foi preso pela Polícia Civil, nesta quarta-feira, para cumprir pena em regime fechado. O mandado de prisão foi expedido pela 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Fortaleza, cumprindo determinação Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Polícia Federal (PF), que investigou os crimes, deu esse nome à operação, pois R$ 150 mil seria o valor cobrado pelos que faziam parte do esquema para conceder decisões judiciais, como emitir alvarás de soltura, para favorecer criminosos. A investigação levou à abertura de processos contra desembargadores, juízes de primeira instância e advogados, somando mais de duas dezenas de investigados.

As decisões eram emitidas em plantões judiciários. Os valores eram acertados pelas redes sociais, principalmente via WhatsApp. A operação iniciou-se em 2015, mas irregularidades começaram a ser divulgadas pelo O POVO em 2014.

Feitosa perdeu o cargo de desembargador em decorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória. A portaria que determinou a perda do cargo foi assinada pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE), desembargador Heráclito Vieira de Sousa Neto.

Desde 2012, Feitosa estava em prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica. Agora, terá de cumprir o restante da pena, 13 anos e cinco meses, em regime fechado.

Apesar do longo tempo decorrido, desde o início das investigações, até o desfecho definitivo do processo, a prisão em regime fechado do ex-desembargador é um alento, ao demonstrar que crimes de tal gravidade têm de ser punidos com todo o rigor que a lei permite. Feitosa cometeu um atentado contra a credibilidade e a confiança do Judiciário, agredindo valores cruciais do sistema, como confiança e credibilidade.

Mas é importante lembrar que existe desconforto na sociedade com o que se chama de "privilégios" do Judiciário. Um deles é a forma amena como são tratados, internamente, juízes que cometem crimes, mesmo os mais graves, como corrupção. A pena administrativa máxima a que estão sujeitos é a aposentadoria compulsória, mantendo o salário da ativa.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderia tomar a iniciativa de propor alteração na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para acabar com a possibilidade de magistrados se beneficiarem da aposentadoria compulsória, quando cometem irregularidades graves. A correta percepção geral é que isso equivale a um prêmio, em vez de uma punição dura, que deveria ser obrigatória em casos assim.

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