Efeito do tarifaço não se dissipa com recuo de Trump
O Globo
Guerra comercial com a China mantém risco de
recessão global, mas choque pode trazer aprendizado
Com Donald Trump na Casa Branca, são vãs as tentativas de prever qualquer coisa. É uma incógnita se o pior da guerra comercial deflagrada por ele já passou. Uma semana depois de anunciar o maior choque tarifário na História dos Estados Unidos, Trump se viu forçado a dar meia-volta. Na quarta-feira, suspendeu por 90 dias as tarifas mais altas, mantendo a cobrança mínima de 10% de todos os países, com exceção da China, cuja taxa foi alçada a 145%. A Casa Branca fez grande esforço para vender uma versão segundo a qual tudo corria como previsto, pois o plano era forçar os países a negociar cortes nas próprias tarifas cobradas de produtos americanos. Pura lorota. A convulsão financeira chegou a ponto de lançar os mercados num precipício insondável.
Enquanto perdas trilionárias ficaram
restritas às Bolsas de Valores, Trump dobrava a aposta no tarifaço. Mas a manhã
de quarta-feira trouxe um temor inédito: o mercado de títulos da dívida do
governo americano começou a emitir sinais preocupantes de estresse. Nas crises
financeiras do passado, quando os investidores batiam em retirada da Bolsa,
acorriam em massa aos bônus emitidos pelo Tesouro americano, considerados porto
seguro para o capital, tamanha a confiança planetária no dólar e na solidez da
economia americana. Desta vez, foi diferente. Houve venda em massa desses
papéis, sinal provável de que Trump despertara a desconfiança em seu próprio
país. Se o pânico chegasse ao extremo de ameaçar a supremacia do dólar, a
estabilidade de todo o sistema financeiro global estaria em perigo. Diante de
tal risco, o recuo foi sensato.
O mundo respirou, mas seria ingênuo falar em
tranquilidade. Trump deflagrou de forma atabalhoada, sem plano aparente, a
maior disputa comercial em cem anos, pondo em risco a saúde financeira dos
Estados Unidos e do planeta. Como ele ainda tem mais quatro anos de mandato,
qualquer vislumbre de estabilidade pode se revelar fugaz.
Por ora, durante três meses, quase todos os
países pagarão 10% em tarifas extras, com exceção dos que vendem chips, cobre,
produtos farmacêuticos, energia, ouro, madeira e minerais não encontrados nos
Estados Unidos. Fabricantes de carros e autopeças, aço e alumínio continuarão
pagando 25%. Produtos mexicanos e canadenses fora do tratado de livre-comércio
da América do Norte também estarão sujeitos aos 25%. Em resposta, a União
Europeia anunciou suspensão de tarifas retaliatórias até julho. O que acontecerá
ao fim dos 90 dias? Ninguém sabe.
A China, principal alvo da guerra comercial,
não foi beneficiada pelo recuo. Pelo contrário. Como num jogo de tênis,
americanos e chineses têm se retaliado mutuamente desde fevereiro. De lá para
cá, a tarifa cobrada pelos americanos subiu para 145% e a cobrada pelos
chineses para 84%. Quando as duas maiores potências econômicas estão em guerra
comercial, uma recessão mundial parece inevitável.
Ainda que o quadro melhore, parte do estrago
demorará a se dissipar. Investimentos e contratos comerciais são firmados
quando há confiança e previsibilidade. Trump destruiu ambas — e haverá um preço
a pagar. Num cenário otimista, ele aprenderá que a disputa é prejudicial aos
Estados Unidos, negociará acordos com os principais parceiros, inclusive a
China, posará de vitorioso e — o mais importante — não voltará atrás. O mundo
todo deve torcer para tal cenário se tornar realidade.
Censo Escolar do MEC apresenta resultados
decepcionantes
O Globo
Ministério resiste a publicar dados, mas não é assim que melhorará a qualidade sofrível do ensino brasileiro
Não são animadores os resultados do último
Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC).
Os números da pré-escola recuaram no ano passado. As crianças em creches
aumentaram ligeiramente, mas ainda ficaram abaixo da meta. O Ensino de Jovens e
Adultos (EJA), destinado a estudantes que não completaram a educação básica,
retrocedeu. As matrículas em cursos profissionalizantes cresceram, porém aquém
do desejado. A melhor notícia é o crescimento das matrículas em tempo integral,
mesmo assim também abaixo do ritmo ideal.
A pré-escola registrou 34 mil matrículas a
menos, caindo para 5,3 milhões. Pelas metas do próprio MEC, o segmento já
deveria ter sido universalizado desde 2016, mas 7% das crianças entre 4 e 5
anos ainda estão fora da sala de aula. Não é muito diferente com as creches,
para crianças de até 3 anos. As matrículas subiram de 4,12 milhões para 4,18
milhões no ano passado, mas a meta era contemplar ao menos 50% da faixa etária,
ou 5 milhões. A falta de creches tem impacto relevante no mercado de trabalho,
pois elas representam apoio importante para mães que trabalham fora.
O EJA também desapontou: perdeu 198 mil
alunos em 2024, oitavo ano seguido de queda. Mesmo o Nordeste, que concentra o
maior número de estudantes (1,2 milhão), perdeu 90 mil alunos. É uma lástima
num país que deveria se esforçar para aumentar a escolaridade de seus cidadãos,
permitindo que eles busquem melhores oportunidades de trabalho. A queda está
ligada à pouca flexibilidade dos cursos e à falta de apoio aos estudantes.
Quase metade da população brasileira (49,2%) não concluiu o ensino médio.
Há também notícias positivas. Uma delas é o
aumento de matrículas em tempo integral, caminho conhecido para melhorar a
qualidade do ensino. Houve 624 mil novas matrículas, e o total alcançou 7,9
milhões. Mas o ritmo de crescimento arrefeceu em relação a anos anteriores. O
ensino profissionalizante e técnico, essencial para ampliar a conexão com o
mercado de trabalho, cresceu 6,7%, chegando a 2,57 milhões de matrículas, mas
ainda está longe da meta de 4,8 milhões.
O MEC tem resistido a dar publicidade aos dados do ensino. O Censo Escolar foi divulgado com atraso de três meses. Os números da alfabetização só se tornaram públicos na semana passada, depois de sonegados por meses, sob o argumento de que havia discrepâncias. Por que não divulgar e apontar a discrepância? Não é deixando de publicar informações que o MEC conseguirá melhorar a qualidade do ensino. Cedo ou tarde, elas sempre vêm à tona, expondo as deficiências. Em que pesem os avanços, o retrato traçado pelo Censo Escolar é de estagnação, mostrando que o governo não consegue cumprir nem as próprias metas. É nisso que o MEC deveria se concentrar, em vez de esconder informações.
Censo mostra progressos moderados na educação
Valor Econômico
Grande esforço para universalizar a educação, propiciado pelo aumento de gastos públicos, dá resultados, mas a qualidade, outro objetivo primordial, ficou muito para trás
O Censo Escolar de 2024 mostra que houve
avanços quantitativos na educação, ainda que tenham ficado abaixo das metas. O
progresso qualitativo, porém, deixa a desejar. Indicadores indiretos, como o
número de professores temporários em relação aos efetivos, apontam que não há
evolução relevante à vista. Há mais alunos até o ensino médio em tempo integral
e no ensino profissionalizante, porém menos do que deveriam.
Há carências evidentes em todos os graus de
ensino, o que exige uma progressão harmônica entre as diversas fases. Há uma
defasagem gritante entre a ampliação de vagas nas creches, o primeiro universo
da socialização de infantes de baixa idade, e as necessidades. A falta de vagas
continua alta especialmente para a população de baixa renda, com mais evidência
nos Estados do Norte e Nordeste. Um dado preocupante é o de que apenas uma em
cada três crianças pobres tem acesso às creches.
É um consenso entre os educadores que a
aprendizagem, nessa fase inicial, é vital para desenvolver capacidades
necessárias para a evolução educacional posterior. A negação de creches, com
suas atividades pedagógicas na faixa etária apropriada, significa em geral um
atraso permanente nas fases subsequentes, configurando um ambiente de
desestímulo ao progresso dos esforços individuais e, no espaço existencial
futuro, uma desigualdade quase irrecuperável na disputa por oportunidades
profissionais na vida adulta. A meta do plano de educação era atingir 50% das
crianças de 0 a 3 anos de idade em creches no ano passado, ou 5 milhões de
crianças. A porcentagem atingida foi de 38,7%, ou 4,1 milhões. Há mais de 2,3
milhões de crianças excluídas. O número das que foram incluídas cresceu 1,5%,
de 4,12 milhões para 4,18 milhões. Dois terços das crianças em creches
frequentam a rede pública.
No estágio seguinte, o da pré-escola, início
da alfabetização, com crianças de 4 e 5 anos, houve um retrocesso, com queda de
0,7% nas matrículas. O objetivo do governo era conseguir que toda a população
dessa idade fosse atendida, mas o resultado alcançado foi inferior, 92,9%,
apenas um pouco a mais do que já havia sido atingido antes da pandemia, em
2019.
Há um atraso mais evidente no atendimento das
pessoas que não chegaram a concluir o ensino fundamental e que têm mais de 15
anos. O ensino de jovens e adolescentes (EJA) perdeu, desde a pandemia, 1
milhão de matrículas, de 3,2 milhões então para 2,3 milhões no ano passado. O
resgate educacional deixa faixa da população é fundamental para melhorar os
níveis de renda da população e a produtividade da economia. Segundo o IBGE, 35%
dos brasileiros não chegaram a esse nível de instrução. A meta, frustrada, era
eliminar o analfabetismo dessas pessoas em 2024. As matrículas caíram muito
mais na rede pública que na privada - recuo de 28,5% ante -5,2%,
respectivamente. São 9,3 milhões os jovens considerados analfabetos.
O ensino integral, perseguido por vários
governos estaduais como forma de dar um salto de qualidade na educação, chegou
perto da meta de 25% dos estudantes - foi de 23,1% em 2024. O número dos que
frequentam escolas de nível médio que oferecem esta carga horária nas escolas
públicas subiu de 477 mil alunos há dez anos para 1,56 milhão agora.
O ensino técnico e profissionalizante, opção
para resolver vários problemas graves do ensino médio, como o desinteresse dos
estudantes diante de currículos distanciados da vida prática e a necessidade de
aprendizado para a vida laboral, se expandiu, mas a uma velocidade menor que a
planejada. O número de matrículas deu um salto de 1,6 milhão para 2,3 milhões,
para uma meta ainda distante de 4,8 milhões de matriculados.
O Censo Escolar não permite aferir
diretamente a qualidade do ensino ofertado. Outras pesquisas mostram, porém,
uma deficiência enorme na qualificação dos professores. Além da remuneração
ruim, a formação dos docentes é precária, com baixa especialização e pouca
compatibilidade entre os conhecimentos adquiridos e as disciplinas que estão
convocados a ensinar. O Censo, porém, toca em uma das causas, que não é nova.
Pelo terceiro ano consecutivo, o número de professores temporários é maior que
o dos efetivos, com vários efeitos adversos para o padrão educacional. Os
temporários (50,04% do efetivo) não têm direito a incentivos para melhoria de
qualidade do ensino, têm processo seletivo menos exigente, buscam por
necessidade lecionar em várias escolas e mantêm vínculos muito frágeis com as
instituições de ensino, sem falar na remuneração mais baixa do que a dos
efetivos, que em geral já é pequena.
O Censo de 2024 revela acertos e falhas
conhecidas do sistema educacional. O grande esforço para universalizar a
educação, propiciado pelo aumento de gastos públicos, dá resultados, mas a
qualidade, outro objetivo primordial, ficou muito para trás. O grande desafio é
conjugar ambos.
Datafolha reforça dilema eleitoral de
Tarcísio
Folha de S. Paulo
Governador de SP obteria 2º mandato se
disputasse hoje; no cenário nacional, tem baixa rejeição, mas perderia para
Lula
A rodada mais recente de pesquisas do Datafolha lança
nova pitada de dúvida na direita, incluindo a bolsonarista, já envolta em
incógnitas de monta em sua estratégia para a disputa presidencial de 2026.
Como se sabe, o principal nome desse campo, o
do próprio Jair
Bolsonaro (PL),
não passa de uma peça de ficção —pelo menos neste momento. Declarado
inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o
ex-presidente não pode concorrer ao Planalto no ano que vem.
Ainda que os bolsonaristas evitem debater
publicamente as consequências dessa condenação, circulam, nos bastidores,
algumas chapas alternativas e viáveis do ponto de vista legal. Há mais de uma
possibilidade, porém as consideradas mais fortes são aquelas encabeçadas
por Tarcísio
de Freitas (Republicanos).
Por estar à frente do estado mais rico e
populoso do país, o governador de São Paulo surge
como opção natural. Não se cacifa somente pela máquina que comanda; calcula-se
que sua trajetória e seu perfil mais conciliador o tornem —em tese— mais
palatável para um número maior de eleitores, inclusive de outros campos
políticos.
O Datafolha reforça a percepção. Entre os
possíveis herdeiros dos votos de Bolsonaro cotados para a disputa nacional,
Tarcísio detém a menor rejeição: 13% dos entrevistados disseram que não
votariam nele de jeito nenhum.
Para comparação, o índice é de 27% no caso de
Michelle Bolsonaro (PL), 26% no de Eduardo Bolsonaro (PL) e 44% no do
ex-presidente —que, nesse quesito, fica em empate técnico com os 42% do atual
presidente, Lula (PT).
Ademais, nenhum bolsonarista se sai melhor
que Tarcísio nos cenários eleitorais. Na simulação de segundo turno, a vantagem
de Lula cai ao menor nível no confronto contra o governador, 48% a 39%. É a
mesma distância quando a pergunta envolve Bolsonaro: 49% a 40% em favor do
petista.
Ocorre que, para se candidatar à Presidência,
Tarcísio precisaria abrir mão de tentar a reeleição em São Paulo, onde ele
venceria com folga em todas as hipóteses consideradas pelo Datafolha.
Se
a eleição fosse hoje, ele passaria dos 60% em eventual segundo turno
contra Alexandre
Padilha (PT) ou Márcio França (PSB), por exemplo,
e encerraria a disputa no primeiro turno em um cenário sem a presença do
ex-governador Geraldo
Alckmin (PSB).
É um desempenho condizente com sua avaliação.
O trabalho do mandatário de São Paulo é
considerado ótimo ou bom por 41% dos entrevistados e ruim ou péssimo
por 22%; em outra questão, 61% dizem aprovar sua gestão, ante 33% que a
desaprovam.
Nunca é demais lembrar que a eleição de 2026
ainda vai longe no horizonte e que muita coisa pode mudar até lá. Mas, diante
dos números ora trazidos pelo Datafolha, o dilema de Tarcísio —e da direita
bolsonarista— parece ser o de enfrentar uma eleição presidencial duvidosa ou
uma estadual como franco favorito.
Censo escolar revela metas descumpridas
Folha de S. Paulo
Modelo integral e ensino médio avançam, mas
país não atinge objetivos do PNE para educação infantil e profissionalizante
O Censo Escolar 2024, divulgado pelo
Ministério da Educação (MEC) na quarta (9),
mostra que, apesar de alguns avanços, o Brasil não conseguiu realizar
plenamente o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, cujas metas deveriam ter
sido alcançadas no ano passado.
No ensino médio, setor da educação básica que
apresenta mais desafios, houve leve aumento no número de matrículas na rede
pública, que
passou de 6,69 milhões em 2023 para 6,76 milhões.
Melhora mais significativa se deu na taxa de
alunos no ensino médio público com a idade certa (até 17 anos), que no mesmo
período subiu de 82% para 87%. A
chamada distorção série-idade é um dos fatores a contribuir para a
evasão escolar, que tende a subir a partir do 1º ano dessa etapa.
O modelo de ensino de tempo integral, com
mais horas de aulas e currículo adaptável aos interesses dos estudantes, ajuda
a incrementar índices de aprendizagem e a diminuir a evasão.
Segundo o censo, 22,9% dos matriculados na
educação básica da rede pública (19,1% no fundamental e 24,2% no médio)
cursavam o modelo em 2024 —alta de 2,3 pontos em relação ao ano anterior e taxa
bastante próxima à meta do PNE (25%).
O alcance do ensino técnico no nível médio,
fundamental para a rápida inserção no mercado
de trabalho e a geração de renda, ainda é
precário no país. Em 2014, o PNE estabeleceu que as matrículas na educação
profissional nessa etapa deveriam triplicar em dez anos, passando de 1,6 milhão
para 4,8 milhões.
Em 2024, contudo, chegou-se apenas a 2,38
milhões. Isso quer dizer que só 13% do alunado do ensino médio cursa o técnico,
enquanto a média da OCDE é de 44%
e até vizinhos como Chile (29%)
e Colômbia (24%)
superam o Brasil. Governos estaduais têm o dever de ampliar a modalidade.
A educação infantil, que produz efeitos
duradouros na vida escolar dos estudantes, também preocupa. O PNE previa que
50% das crianças de 0 a 3 anos deveriam estar em creches, mas, em 2024, só
38,7% estavam. Na pré-escola, que atende alunos de 4 e 5 anos, houve
queda de 0,7% nas matrículas ante 2023 e a cobertura na faixa etária
foi de 92,9% —a meta era a universalização (100%).
Um novo PNE está prestes a tramitar no Congresso Nacional. Entretanto, como mostra o censo, de nada adianta criar objetivos sem que governos nas três esferas implementem as mudanças necessárias, com monitoramento contínuo dos resultados. A educação brasileira ainda tem muito a melhorar e não tem mais dez anos a desperdiçar.
A ‘pegadinha’ de Trump
O Estado de S. Paulo
É inútil procurar lógica nas decisões do
presidente dos EUA, cujo único interesse é acumular poder e exercê-lo para
bagunçar o mundo conforme seus ‘instintos’. A loucura apenas começou
É como se o mundo tivesse sido vítima de uma
“pegadinha” do presidente dos EUA, Donald Trump. Meros sete dias depois de ter
bombardeado todas as nações com tarifas severas, bagunçando o comércio global e
derretendo bolsas planeta afora, Trump simplesmente decidiu, num estalar de
dedos, suspender a maioria delas por 90 dias. Ato contínuo, as bolsas
dispararam, e houve alívio momentâneo – mas obviamente ninguém está tranquilo.
Afinal, a única coisa clara na lambança de Trump é que ninguém sabe o que ele quer
nem qual será seu próximo passo – nem ele mesmo. As perdas desde o dia do
anúncio do tarifaço foram mitigadas, mas não recuperadas. Além disso, o piso
tarifário de 10% foi mantido, e a guerra comercial contra a China segue
escalando perigosamente. Pior: nada do que Trump e seus assessores dizem indica
qualquer estratégia lógica. É tocante o esforço de trumpistas e trumpólogos
para extrair algum “plano astucioso” ou “estratégia de negociação” de um
conjunto heteróclito de ideias fixas, caprichos, rancores e uma dose de
niilismo misturados na cabeça de Trump. Dois dias antes de suspender o
tarifaço, ele ridicularizava republicanos por “panicarem” ante o desastre. A um
repórter que perguntou quanto tempo toleraria a dor nos mercados, retrucou:
“Acho sua pergunta estúpida”. Dois dias depois, explicando a outro repórter por
que recuou, disse: “Achei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha,
ficando um pouco nervosas”. A verdade é que os títulos do governo dos EUA,
outrora porto seguro em tempos de crise, estavam sendo liquidados, dissolvendo
a fronteira entre uma recessão com a marca de Trump e uma depressão com a marca
de Trump. Até para Trump a negação da realidade tem limites. Mas não para os
bajuladores na sua equipe. Pouco antes de Trump “piscar”, o secretário do
Tesouro, Scott Bessent, dizia que a economia está em “ótima forma”. Pouco
depois, seus acólitos começaram a fabricar racionalizações sem sentido. Um dos
mais desavergonhados chegou a dizer que estamos diante da “maior estratégia
econômica de um presidente americano na História”. E como Trump, o “Grande
Estrategista”, tomará sua próxima decisão? Ele mesmo respondeu: “É realmente
mais um instinto, acho, do que qualquer outra coisa”. A busca por uma
“estratégia oculta” parece ser uma necessidade psicológica de encontrar ordem
no caos. Um “plano” – ainda que ruim ou maligno – é mais reconfortante que
nenhum. Trump tem, é verdade, um punhado de convicções: a de que ele é um
mestre da negociação; de que déficits comerciais são maus; empregos no chão de fábrica
são bons; e tarifas são uma espécie de panaceia. Outra: os EUA estão sendo
“pilhados” por outras nações, especialmente as aliadas – é natural a quem está
sempre tentando pilhar os outros presumir que estão sempre tentando pilhá-lo.
Por baixo de todo esse exercício mental, resta o descomunal apetite de Trump
por acúmulo de poder. O controle total sobre as políticas tarifárias lhe dá a
chance de chantagear empresários no mercado doméstico e agentes estrangeiros
que querem acesso a ele. É a mesma lógica das ameaças de invasão territorial ou
de implodir alianças como a Otan. “Ao dizer ao mundo que tanto as regras do
comércio quanto as garantias de segurança dependem exclusivamente de sua
vontade, ele está concentrando a maior quantidade possível de poder em suas
mãos”, resumiu o articulista do Wall Street Journal Walter Russell
Mead. Se há um método nessa loucura, portanto, é este: concentração de poder
pessoal. Por mais incômodo que seja ao resto do mundo, é mais racional admitir
de vez a irracionalidade do homem mais poderoso do planeta. A única certeza
sobre sua política é de que é impossível confiar em Trump e, por extensão, nos
EUA, pelo menos enquanto ele for presidente. Sejam lá quais forem as decisões,
boas ou ruins, que os “instintos” de Trump vierem a ditar, essa atmosfera
permanente de incerteza e caos por si só impõe um custo incalculável aos EUA e,
consequentemente, à ordem econômica e geopolítica da qual os americanos foram o
principal avalista por 80 anos, que tomará anos para ser recuperado – isso se
for.
A armadilha das cotas identitárias
O Estado de S. Paulo
Ao criar cotas para pessoas trans, travestis
e não binárias, Unicamp pratica um ato de arbítrio que só atrapalha os esforços
para combater desigualdades e estabelecer o equilíbrio social
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
acaba de criar um sistema de cotas para ingresso de pessoas que se autodeclaram
trans, travestis ou não binárias em seus cursos de graduação. De acordo com a
universidade paulista, cursos com até 30 vagas disponíveis deverão reservar ao
menos uma – regular ou adicional – para essa parcela da população. A cota
aumenta para duas vagas no caso de cursos que têm turmas com mais de 30 alunos.
Ainda segundo a Unicamp, poderão ingressar na
graduação por meio dessa “política de ação afirmativa” os alunos das redes
pública e privada que prestarem o Exame Nacional do Ensino Médio e apresentarem
um “relato de vida”, um documento no qual os candidatos devem descrever sua
“trajetória de transição” e o “processo de afirmação da identidade de gênero”.
O que isso significa e segundo quais critérios um dado “relato de vida” haverá
de preponderar sobre os demais, só os doutos membros das comissões avaliadoras
da Unicamp hão de saber – o que autoriza a suspeita de que a seleção não está
imune, ora vejam, ao arbítrio e ao preconceito.
Por mais problemática que seja, a vagueza de
critérios ainda é o erro mais banal de um sistema de cotas que já nasce eivado
de vícios. Para começar, trata-se de uma inequívoca violação do princípio
republicano elementar, consagrado no caput do artigo 5.º da
Constituição: a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza. O respeito aos direitos e a atenção aos interesses de minorias se
impõem para qualquer sociedade civilizada. Mas isso não significa, por óbvio,
sacrificar a ordem constitucional vigente no altar das boas intenções.
Ninguém sensato, minimamente cioso da
realidade do país em que vive, haverá de negar que a população LGBTQIA+ tem
direitos de toda ordem violados em um país tão desigual como o Brasil. As
adversidades enfrentadas por pessoas trans, travestis e não binárias, em
particular, têm impactos diretos em sua integridade física e emocional. Decerto
também contribuem para que esses brasileiros tenham, em geral, menos acesso a
empregos qualificados que lhes permitam auferir uma renda capaz de custear uma
formação educacional mais sólida.
Dito isso, se é no campo das reparações
sociais que estamos transitando, por que fixar um sistema de cotas para
ingresso no ensino superior para pessoas trans, travestis ou não binárias e não
para mães adolescentes e solteiras, para citar apenas um exemplo de grupo
vulnerável presente em todo este vastíssimo país? E daí em diante. O céu é o
limite para os que se arvoram em reparadores sociais, no cenário mais
benevolente, ou justiceiros morais, no pior.
Como a própria Unicamp reconhece, no Brasil
não se tem a exata dimensão da população composta por trans, travestis e não
binários. Portanto, a criação de cotas para esse segmento é, ao fim e ao cabo,
uma decisão arbitrária que privilegia um determinado grupo em detrimento de
tantos outros. Também não estão claras – vale dizer, acima de quaisquer dúvidas
– quais seriam as barreiras sistemáticas impostas à população LGBTQIA+ para
ingresso no ensino superior, tais como as enfrentadas, historicamente, por pretos,
pardos e indígenas.
Os mais de dez anos de vigência da chamada
Lei de Cotas demonstram que, de fato, esse marco jurídico foi determinante para
amenizar desigualdades entre os brasileiros. Mas o tem feito, como já
sublinhamos nesta página, de modo artificial e paliativo. Muito mais coadunada
com a realidade do País seria a massificação das cotas sociais para ingresso no
ensino superior, sem distinções além da objetividade do critério da renda
familiar.
Por fim, essa discussão seria absolutamente
ociosa se o Brasil tratasse como prioridade inegociável o desenvolvimento da
educação básica para todos. Mas, enquanto isso não passar de um desejo, o
sistema de cotas seguirá necessário por tempo indeterminado e,
consequentemente, dará azo a cada vez mais distorções, além de estimular
discursos extremistas que interditam o debate racional e honesto sobre essa ou
qualquer outra questão de interesse público.
Pegando carona no 13.º do INSS
O Estado de S. Paulo
Lula tenta capitalizar como grande proeza
antecipação desnecessária do 13.º de aposentados
A lei do 13.º salário, sancionada em 1962
pelo então presidente João Goulart, encerrou um período de greves e protestos
sindicais que exigiam o pagamento da gratificação de Natal e reclamavam, ora
vejam, da inflação que corroía o poder de compra dos salários. Naquele ano, a
taxa de inflação oficial – medida então pelo IGP-DI – ficou próxima a 52%. A
lei ganhou, mais tarde, status de cláusula pétrea da Constituição federal, ou
seja, não pode ser alterada por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
O histórico deixa claro que o pagamento do
13.º é um pagamento obrigatório tanto a quem está empregado quanto aos
aposentados e pensionistas; não é um prêmio ou bonificação que dependa da boa
vontade de empregadores ou do governo de ocasião. Dito isso, é intolerável,
para dizer o mínimo, que o simples cumprimento de um direito seja tratado como
uma deferência especial deste ou daquele governo, como forma de angariar apoio,
popularidade e, claro, votos.
Pois é exatamente esse uso político o que
sistematicamente ocorre nas antecipações de pagamentos do 13.º de
aposentadorias, pensões e auxílios do INSS, como o anúncio recente de Lula da
Silva na cerimônia batizada de “Brasil dando a volta por cima”, evento
realizado em Brasília, com cara e jeito de campanha, mas que o marqueteiro
Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da
Presidência da República, jurou tratar-se de “uma prestação de contas”.
Não dá para entender que contas foram
prestadas com a antecipação de um pagamento tradicionalmente feito em agosto e
novembro com a intenção de reforçar o orçamento das famílias para as compras
natalinas. O País não atravessa nenhuma crise de demanda, pelo contrário. Mas
Lula da Silva fez o anúncio da antecipação para abril e maio como quem se ufana
de uma grande proeza. O Ministério da Previdência Social calcula que R$ 73,3
bilhões serão injetados na economia. De forma precoce, já que ninguém imagina que
os beneficiários do INSS façam suas compras de Natal no segundo trimestre do
ano.
Tivesse Lula o poder absoluto que almeja,
obrigaria também as estatais e até as empresas privadas a antecipar o 13.º.
Seriam centenas de bilhões de reais a mais já na primeira metade do ano a
movimentar o consumo e criar a falsa impressão de prosperidade numa economia
aquecida para além da sua capacidade. Para os custos extraordinários de fim de
ano restaria a oferta extra de crédito, com a qual a gestão lulopetista poderia
estimular o endividamento.
A Agência Brasil, da empresa de comunicação governamental EBC, informou que este será o sexto ano seguido em que os segurados do INSS terão o pagamento antecipado. De fato, em 2020 a data foi mudada para abril e maio para minimizar os prejuízos da pandemia; em 2021, ainda sob os efeitos da covid-19, em maio e junho; em 2022, ano eleitoral, fez parte das “bondades” populistas de Jair Bolsonaro; e foi mantida em 2023 pelo não menos populista Lula que, em 2024, antecipou de novo para abril e maio o pagamento da primeira parcela. Mantida essa toada, não demora e a gratificação natalina será paga antes do carnaval.
Tempo de atenção às doenças respiratórias
Correio Braziliense
O Ministério da Saúde aprovou a adoção de
duas novas tecnologias no Sistema Único de Saúde para prevenir complicações
causadas pelo vírus sincicial respiratório
O outono tem suas peculiaridades. Friozinho e
céu azul convivem harmoniosamente, mas a estação também é um convite à
proliferação de vírus e, consequentemente, de doenças que até então estavam
hibernadas. Um deles é o vírus sincicial respiratório (VSR), responsável por
cerca de 80% dos casos de bronquiolites e 40% das pneumonias entre bebês e
crianças entre 0 e 4 anos. Sem falar nos idosos, pacientes com doenças
cardiovasculares, com problemas pulmonares crônicos ou sistema imunológico
baixo.
Agora em março, foram notificados 24.635
casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no país, entre os quais 9.336
tiveram resultado em laboratório para algum vírus respiratório. Em todo o
mundo, o VSR causa 100 mil mortes por ano, o que comprova que a preocupação dos
especialistas não é em vão.
Altamente contagioso, o VSR pode ser
transmitido pelo ar, pelo contato direto pessoa a pessoa — seja por meio de
gotículas de espirro, catarro ou saliva —, além de objetos contaminados, onde o
vírus pode sobreviver por até 24 horas, a exemplo de copos, talheres ou em
brinquedos.
Com a proximidade do inverno, em 20 de junho,
é de se esperar que esses números aumentem ainda mais, devido à queda da
temperatura. Por isso, pediatras e pneumologistas recomendam, entre outras
medidas, que os cartões de vacinação das crianças estejam em dia, mesmo para
outras doenças, ajudando a fortalecer o sistema imunológico e, dessa forma,
evitando que o VSR se dissemine em escolas e creches.
A boa notícia é que, em fevereiro, o
Ministério da Saúde aprovou a adoção de duas novas tecnologias no Sistema Único
de Saúde (SUS) para prevenir complicações causadas por esse vírus. A primeira é
o anticorpo monoclonal nirsevimabe, voltado para bebês prematuros e crianças de
até 2 anos nascidas com comorbidades. A segunda — uma vacina recombinante
contra os vírus sinciciais respiratórios A e B, aplicada em gestantes — tem
efeitos positivos nos primeiros meses de vida dos bebês.
Estudos apresentados pela Comissão Nacional
de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) mostram que a expectativa é
ampliar a proteção para cerca de 310 mil bebês prematuros nascidos com até 36
semanas. Já a vacina para gestantes tem potencial para evitar cerca de 28 mil
internações por ano e oferece proteção imediata aos recém-nascidos,
beneficiando aproximadamente 2 milhões de bebês nascidos vivos. Os maiores de
60 anos também serão protegidos, já que a eficácia de uma das vacinas é de 75%
na primeira temporada após a imunização.
A má notícia é que a aprovação não significa
implementação imediata. As novas tecnologias somente estarão disponíveis para a
população, de acordo com a Lei nº 8.080/1990 e o Decreto nº 7.646/2011,
em um prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90. Ou seja, em até nove meses —
provavelmente, no verão, estação cujos índices de propagação desse tipo de
vírus é menor.
Há ainda o desafio de mobilizar adultos e responsáveis para que imunizem as crianças quando as fórmulas estiverem protegidas. De imediato, o que se espera é que uma estrutura de saúde esteja sendo preparada para o aumento de infecções e, consequentemente, de casos mais graves. Em média, de 2% a 3% das crianças com bronquiolite causada por VSR necessitam de hospitalização. Em idosos, a taxa de letalidade chega a 26%.
Ex-desembargador cumpre pena em regime
fechado
O Povo
A prisão de Carlos Rodrigues Feitosa mostra
que crimes de tal gravidade têm de ser punidos com todo o rigor que a lei
permite
Um dos implicados na operação Expresso 150, o
ex-desembargador Carlos Rodrigues Feitosa foi preso pela Polícia Civil, nesta
quarta-feira, para cumprir pena em regime fechado. O mandado de prisão foi
expedido pela 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de Fortaleza, cumprindo
determinação Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Polícia Federal (PF), que investigou os
crimes, deu esse nome à operação, pois R$ 150 mil seria o valor cobrado pelos
que faziam parte do esquema para conceder decisões judiciais, como emitir
alvarás de soltura, para favorecer criminosos. A investigação levou à abertura
de processos contra desembargadores, juízes de primeira instância e advogados,
somando mais de duas dezenas de investigados.
As decisões eram emitidas em plantões
judiciários. Os valores eram acertados pelas redes sociais, principalmente via
WhatsApp. A operação iniciou-se em 2015, mas irregularidades começaram a ser
divulgadas pelo O POVO em 2014.
Feitosa perdeu o cargo de desembargador em
decorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória. A portaria que
determinou a perda do cargo foi assinada pelo presidente do Tribunal de Justiça
do Estado do Ceará (TJ-CE), desembargador Heráclito Vieira de Sousa Neto.
Desde 2012, Feitosa estava em prisão
domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica. Agora, terá de cumprir o
restante da pena, 13 anos e cinco meses, em regime fechado.
Apesar do longo tempo decorrido, desde o
início das investigações, até o desfecho definitivo do processo, a prisão em
regime fechado do ex-desembargador é um alento, ao demonstrar que crimes de tal
gravidade têm de ser punidos com todo o rigor que a lei permite. Feitosa
cometeu um atentado contra a credibilidade e a confiança do Judiciário,
agredindo valores cruciais do sistema, como confiança e credibilidade.
Mas é importante lembrar que existe
desconforto na sociedade com o que se chama de "privilégios" do
Judiciário. Um deles é a forma amena como são tratados, internamente, juízes
que cometem crimes, mesmo os mais graves, como corrupção. A pena administrativa
máxima a que estão sujeitos é a aposentadoria compulsória, mantendo o salário
da ativa.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderia tomar a iniciativa de propor alteração na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para acabar com a possibilidade de magistrados se beneficiarem da aposentadoria compulsória, quando cometem irregularidades graves. A correta percepção geral é que isso equivale a um prêmio, em vez de uma punição dura, que deveria ser obrigatória em casos assim.
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