Correio Braziliense
O Mercosul oferece escala, proteção e
previsibilidade — elementos que, uma vez perdidos, não são facilmente
substituídos. Seu fortalecimento é essencial para a prosperidade e estabilidade
da região
O Mercosul acaba de completar 34 anos de
existência, consolidando-se como um dos principais instrumentos de integração
regional, com impactos positivos expressivos para Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai. Criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, o bloco foi concebido para
promover a integração econômica, física, cultural, política e comercial entre
seus membros, além de fortalecer a democracia e contribuir para a estabilidade
política na América do Sul.
Ao longo das últimas três décadas, tem proporcionado avanços concretos, como o funcionamento do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), com recursos investidos superiores a US$ 1 bilhão em projetos de infraestrutura energética, transporte rodoviário e ferroviário e obras de saneamento básico nas fronteiras; a possibilidade de viajar entre os estados-partes apenas com a cédula de identidade, sem necessidade de passaporte; e os Acordos de Residência e Seguridade Social, que facilitam a livre circulação de pessoas e garantem direitos sociais aos cidadãos do bloco, entre outros benefícios.
O Mercosul contribui para o desenvolvimento
econômico da região por meio da ampliação do comércio intrarregional. A maior
parte das trocas comerciais dentro do intrabloco é composta por bens
manufaturados, como veículos, autopeças, máquinas, produtos químicos e
alimentos industrializados. O bloco representa um mercado de mais de 270
milhões de pessoas e reúne um PIB combinado de aproximadamente US$ 2,8
trilhões, posicionando-se como a oitava economia mundial em termos agregados. A
redução de tarifas e a harmonização de normas têm permitido maior integração
produtiva e aumento da escala em setores estratégicos.
A relação comercial entre Brasil e Argentina
destaca-se nesse contexto. A Argentina é um parceiro estratégico para o Brasil,
sendo o destino de 17% das exportações brasileiras. Por sua vez, o Brasil
absorve 16% das exportações argentinas e é o segundo maior investidor
estrangeiro no país, atrás apenas dos Estados Unidos, o que evidencia a
interdependência econômica entre os dois países e a importância do Mercosul
para suas economias.
Apesar dos inúmeros avanços conquistados ao
longo de quase três décadas e meia, o Mercosul enfrenta hoje uma grave ameaça:
a proposta do presidente da Argentina, Javier Milei, de retirar seu país do
bloco para assinar um acordo bilateral de comércio com os Estados Unidos. Tal
iniciativa violaria de forma flagrante as regras do Mercosul, que estabelecem a
obrigatoriedade de negociações conjuntas — como já fizemos com a União
Europeia, Singapura e outros parceiros.
Enfraquecer o Mercosul significa criar graves
problemas econômicos e políticos para a Argentina, acentuando a crise por que
passa, com inflação anual de 67%. A experiência do Reino Unido com o Brexit é
um exemplo claro dos prejuízos causados por uma ruptura. Desde sua saída da
União Europeia, o país enfrentou queda nas exportações, aumento de barreiras
alfandegárias, escassez de mão de obra em setores estratégicos e desaceleração
do crescimento econômico, como o próprio Banco da Inglaterra afirmou.
Da mesma forma que a União Europeia, o
Mercosul oferece escala, proteção e previsibilidade — elementos que, uma vez
perdidos, não são facilmente substituídos.
Aliados próximos dos Estados Unidos, como
Canadá e México no âmbito do T-MEC, enfrentam medidas protecionistas e aumento
de tarifas. Por que seria diferente com a Argentina? Acreditar que um acordo
bilateral garantirá acesso privilegiado ao mercado norte-americano é ilusório.
Aceitar tarifas elevadas dos EUA e, ao mesmo tempo, abrir completamente o
mercado argentino seria uma rendição. Ignorar essa realidade, como faz o
governo Milei, é um erro grave e compromete os interesses estratégicos de longo
prazo do país.
O fortalecimento do Mercosul, agora com a
Bolívia como membro pleno, é essencial para a prosperidade e estabilidade da
região. O Mercosul não pertence a um governo ou a um momento político. É um
projeto regional que precisa ser aperfeiçoado, atualizado e, em alguns pontos,
repensado — mas jamais enfraquecido.
*Arlindo Chinaglia — deputado federal (PT-SP) e presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasul)
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