Valor Econômico
É inútil e imprudente, num cenário de
incerteza, considerar as pesquisas eleitorais fora de época como expressões de
quais serão os resultados da votação
Passado pouco mais de metade do mandato do
atual presidente da República, políticos e partidos já se lançaram na disputa
por sua sucessão como se a eleição fosse na semana que vem. E como se aqui,
costumeiramente, mesmo nos poucos dias anteriores ao de uma eleição, a decisão
do eleitor já estivesse tomada.
Todos nós sabemos que um número grande de
brasileiros só se preocupa com o ato de votar quase em cima da hora. É inútil e
imprudente, portanto, num cenário de incerteza, indecisão e improvisação,
considerar entre nós as pesquisas eleitorais fora de época como expressões
objetivas e prováveis de quais serão os resultados da votação bem lá adiante.
Essas considerações resultam da observação confirmada de que o bolsonarismo introduziu na cultura política brasileira o uso da incerteza como forma de desordenar a lógica própria do processo político. E desse modo reduzi-lo àquilo que não é: expressão da opinião superficial e manipulável, antipolítica, mais resultado do acaso e do “chute” do que de uma consciência crítica fundamentada e propriamente política.
Essas pesquisas de opinião eleitoral revelam
vagas tendências a dois anos do pleito. Tendências de um agora de incertezas,
até sobre gente que nem sabe se Bolsonaro vai para as urnas ou se vai para a
cadeia, já que é réu em processo no STF que tem como probabilidade a prisão. E
mesmo que não seja condenado agora, já está impedido, pela Justiça Eleitoral,
de concorrer em 2026.
O caráter manipulativo de uma eventual
candidatura de Bolsonaro tem por objetivo, tudo indica, manter-lhe a imagem de
que sem ele a eleição não é legítima e de que, como já assinalei em artigo
anterior, sua não reeleição em 2022 e a falha do golpe tentado para negar o
mandato ao presidente legitimamente eleito significa que a cadeira presidencial
está vaga. Ou seja, o golpe continua.
O que mais, afinal de contas, está em jogo na
realização e divulgação de pesquisas que, objetivamente, pouco ou nada dizem?
Alguém tem interesse em adivinhar quem está sendo cuspido da vaga lista de
candidatos e de ex-futuros candidatos. Não são pesquisas para indicar quem
poderá ganhar a eleição de 2026, mas a de quem poderá perdê-la. Ou quem são os
piores da lista para que os mais piores possam entrar na disputa de modo a
parecer melhores do que são.
O que, portanto, nos dizem as pesquisas de
opinião eleitoral? E mesmo as pesquisas de boca de urna? Sobretudo, quais
Brasis falam através dessas pesquisas na distância que nos separa do dia de
votar?
Em primeiro lugar, Brasil ainda é mais um
território do que um país, apesar de juridicamente sê-lo. Quem conhece o Brasil
sabe que há muitos Brasis disseminados pelo interior do país oficial.
No Rio de Janeiro há vários e diferentes
Brasis, tão vários que estão em guerra de morte uns com os outros porque a
territorialidade dos poderes, legais e/ou ilegais, é insuficiente para o tipo
de mando que entre nós domina.
Aqui, à autoridade e ao poder legítimos,
sobrepõe-se o mandonismo dos régulos de província e de município, desprovidos
do respaldo da lei e da legalidade.
O bolsonarismo e o pendularismo que nele se
expressa deixou o país tão mal que qualquer decorador de uns versículos
bíblicos pode alugar uma biboca, que até à véspera fora um botequim, comprar
umas cadeiras de plástico, transformar um caixote em púlpito e reabri-la como
templo no dia seguinte. Arrecadar o dízimo dos fregueses e empoderar-se como
guia político.
Esse sistema transformou um sujeito desses,
que só conhece um versículo bíblico - “Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará” (João 8:32) - em presidente da República. Um que durante os quatro
anos do seu mandato praticou cotidianamente a renúncia tácita, tutelou e anulou
consciências, negou-lhes a verdade, no lugar ofereceu-lhes a mentira,
disseminou a alienação da consciência como negação da libertação prometida.
Milhões de cativos ideológicos estão submetidos a um falso profeta e privados
de liberdade de consciência política.
Há até mesmo um Brasil que se diz patriota,
não fala português nem tem sotaque nheengatu, não conhece o dialeto caipira e
sertanejo, não sabe a diferença entre o rio Mississipi e o rio Tietê. E faz de
Washington o quartel-general da traição à pátria.
A larga antecipação do embate eleitoral não é
eleitoral. Não se está discutindo as alternativas doutrinárias nem quem tem
condições de personificá-las num projeto de nação. A polarização está pondo em
debate o fechamento das alternativas que legitimem o que deveria ser,
propriamente, o debate político, o projeto do primado dos interesses nacionais
e democráticos contra o que foi convertido em privatização da pátria.
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