O Estado de S. Paulo
A ressalva mais correta ao desempenho do PIB
no primeiro trimestre talvez seja a de que, até o fim do ano, não se repetirá
Tempos estranhos estes. Tudo vai mal mesmo quando vai bem. Algumas coisas vão mesmo muito mal, e é preciso apontá-las, como fez este jornal com coragem no editorial. É isto o Senado? (29/5/2025), ao classificar “o espetáculo ultrajante” a que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi submetida numa comissão da Casa como “um dos momentos mais abjetos da história do Senado”. A sociedade não pode acostumar-se a agressões como as que foram cometidas contra uma ambientalista, mulher e negra, especialmente quando praticadas por membros do Congresso, que em tese são representantes do povo. Mas talvez não devesse, igualmente, conviver coma ideia de que nada melhora, ou de que, quando melhora, não compensa o que piorou.
Sim, a economia cresceu no primeiro trimestre
de 2025 a um ritmo auspicioso. O aumento do Produto Interno Bruto (PIB) nos
três primeiros meses do ano na comparação com o trimestre anterior foi de 1,4%.
No período de quatro trimestres, o aumento foi de 3,5%, um número respeitável.
Desde 2010, na transição entre os governos Lula e Dilma, não se registrava
expansão tão expressiva (excluída a excepcionalidade do pós-pandemia).
Mas não faltaram ressalvas. Não haveria
crescimento se o setor agrícola não estivesse batendo recordes de produção,
observariam os céticos. O aumento do PIB vem num momento em que o governo
mergulhou numa crise de credibilidade por causa dos erros na condução do
programa de recuperação de receitas por meio do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF), um tributo de natureza regulatória, não arrecadatória, como
o Ministério da Fazenda o tentou utilizar. A crise fiscal persiste e as
agências de avaliação de risco rebaixam sua avaliação sobre a situação
brasileira. Pior ainda, o resultado do primeiro trimestre foi uma exceção –
alguns críticos costumam utilizar a expressão “voo de galinha” – e certamente
não se repetirá daqui para a frente. Ou seja, tudo vai mal mesmo quando
melhora.
Quanto à primeira ressalva, observe-se que o
PIB teria crescido – é claro que menos – ainda que o setor agrícola tivesse
expansão zero. As outras são procedentes e são fonte de genuína preocupação
sobre a condução da política fiscal. O ajuste é necessário e as alternativas
para alcançá-lo são poucas, e todas impopulares.
A capacidade do governo federal de cortar
despesas é limitada, em razão do predomínio avassalador dos chamados gastos
obrigatórios (previdência, folha de salário, transferências constitucionais,
aplicação mínima em áreas como educação, entre outros), o que deixa pouca
margem de liberdade por esse lado. Aumento de impostos sempre gera protestos,
tanto maiores quanto mais disfuncionais parecem ser as propostas, como no caso
do IOF.
O caminho mais viável talvez fosse a redução
gradual das chamadas renúncias fiscais. Também aqui haveria protestos dos
contribuintes hoje beneficiados, mas o argumento para cortar essas vantagens
terá sempre mais força do que o utilizado para o aumento puro e simples de
algum tributo. Nos documentos anexados à proposta de Lei de Diretrizes
Orçamentárias para 2025, o governo calculou em R$ 543,7 bilhões o total de
tributos que deixariam de ser arrecadados neste exercício fiscal em razão de
leis beneficiando contribuintes ou atividades econômicas.
Na semana passada, o secretário da Receita
Federal, Robinson Barreirinhas, entregou ao senador Efraim Filho (União-PB)
documento mostrando que, em 2024, o agronegócio, a Zona Franca de Manaus e as
Áreas de Livre Comércio consumiram benefícios tributários de mais de R$ 200
bilhões. Contribuintes que deixaram de pagar tantos tributos estariam dispostos
a começar a recolhê-los? Esta é uma pergunta que não costuma ser feita, mas é
preciso que seja feita.
A ressalva mais correta ao desempenho do PIB
no primeiro trimestre talvez seja a de que, até o fim do ano, não se repetirá.
É mesmo pouco provável que se repita por três trimestres consecutivos. Se isso
ocorresse, o crescimento da economia brasileira em 2025 alcançaria nada menos
do que 5,72%, desempenho espantoso nos tempos atuais.
Mesmo não repetindo o resultado, porém, a
economia pelo lado da produção vai bem. As estimativas de que o crescimento em
2025 alcançará 2,5% continuam vigorosas. Mais do que o PIB, o que neste momento
a economia apresenta de positivo são algumas das causas que levaram ao
crescimento. Os investimentos aumentaram 3,1%, apesar da alta dos juros, e o
consumo voltou a subir (aumento de 1%). Por quê? Porque o desemprego ficou em
6,6% em abril, a menor taxa para o mês desde que o IBGE iniciou a pesquisa
atual. E a renda real média sobe. Houve até quem dissesse que a economia vive
um círculo virtuoso, em que o consumo faz crescer as vendas, o que estimula as
encomendas e isso aumenta a produção e, assim, gera emprego, impulsiona a renda
e aquece o consumo.
Mesmo assim, tudo vai mal. Como explicar?
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