Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Nos últimos dias, em que a atuação do Congresso está sob o escrutínio da opinião pública, devem ter sido raras as conversas com políticos em que não tenha sido lembrada a definição do ex-presidente do PMDB e da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, ao ser confrontado certa vez com a reclamação sobre a fraqueza do Congresso da ocasião. Ele disse então só ter uma certeza: o Congresso atual é pior do que o anterior e melhor do que o próximo. O assunto mais uma vez surgiu num debate sobre o futuro do Rio de Janeiro, do qual participei na noite de segundafeira, juntamente com o cientista político da Fundação Getulio Vargas Octavio Amorim Neto e o economista do Ipea Ricardo Paes de Barros.
Um tema de interesse nacional, que se reflete na política do Rio, foi levantado: o que fazer para reformar a política partidária, que produz representações tão fragmentadas a nível nacional, mas especialmente local, que impedem a prevalência de programas de governo e estimulam o fisiologismo? Era a primeira noite de debate do OsteRio, uma iniciativa conjunta do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), da Light e da Osteria Dell’Angolo, em Ipanema, ideia inspirada em antiga tradição do Nordeste da Itália, onde a população se reunia nas osterias para tratar dos problemas locais.
O economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em políticas públicas, chamou a atenção para a perda de competitividade do Rio de Janeiro em relação a Santa Catarina na questão educacional, para exemplificar como o estado vem perdendo as características que o distinguiam no cenário nacional.
Enquanto Santa Catarina vem elevando a produtividade de seu ensino, o do Rio vem perdendo qualidade, mas de uma maneira perversa: apenas entre os mais pobres.
Os estudantes das classes mais altas continuam tendo o mesmo nível educacional de qualidade, mas os mais pobres estão ficando para trás, o que só faz aumentar o desnível social, no estado e no país.
O tema é mais do que pertinente porque, como lembrou Paes de Barros, um dos pontos mais importantes para que o Rio continue sendo a capital cultural do país é a educação.
Como é possível compatibilizar o status de “cidade global” que o Rio de Janeiro ainda ostenta, se nossa política é feita à base do fisiologismo, no pior figurino do século retrasado, o que se reflete em questões centrais, como a educação, a saúde e a segurança pública? Esse paradoxo, que nos colhe em pleno século XXI com uma visão política retrógrada, não apenas no Estado do Rio, mas no plano nacional, como estamos vendo diariamente, é que precisa ser superado para que o estado, assim como o país, possa progredir.
Segundo os dados apresentados por Amorim, o Rio tem uma das cinco assembleias estaduais mais fragmentadas do país, com dez partidos dividindo o poder.
Na Câmara de Vereadores a divisão é ainda maior, com 14 partidos representados.
A política regional no Rio tem peculiaridades, como a de alguns partidos grandes em termos nacionais serem fracos no Rio, como PT e PSDB, e, ao contrário, um partido fraco nacionalmente, como o PDT, ser força política importante no estado.
Na visão de Octavio Amorim, o governo Cabral tem características que, até o momento, o tornam o melhor dos últimos tempos: ajuste fiscal, nomeação de técnicos para lugares-chave na administração pública, melhoria do ambiente de negócios.
Mas ele advertiu que é preciso esperar para ver se o governo de Sérgio Cabral não sucumbe à política fisiológica que marca o estado, a exemplo do que fizeram Brizola em 1983, que acabou aliado ao “chaguismo”, e Moreira Franco em 1987, que começou com um secretariado considerado “de nível ministerial” e acabou recebendo no palácio de governo representantes dos bicheiros cariocas travestidos de dirigentes de escolas de samba.
Chamei a atenção para o fato de que também o passado político do governador Sérgio Cabral, ligado a políticas clientelistas, pode impedir a continuidade de um governo que pretende ser uma gestão moderna.
A fragmentação partidária mais uma vez foi lembrada pelo cientista político Octavio Amorim para explicar a politização das últimas gestões do prefeito Cesar Maia, perigo a que também estaria sujeito seu sucessor, Eduardo Paes, que até o momento faz um governo plural e de gestão moderna e suprapartidária.
Ao mesmo tempo em que a aproximação com o governo federal é uma boa prática política para o Estado do Rio, e tem gerado investimentos importantes, a política clientelista que marca a administração federal é um sinal de que também no estado, governado pelo PMDB e que tem em alguns de seus parlamentares do Rio os maiores agentes de sua ação fisiológica, essa prática pode prevalecer.
Como seria inevitável, o tema da reforma política surgiu nos debates, sendo consensual a visão de que, não havendo mudanças, será impossível evitar a degradação da representação parlamentar.
Não se chegou a aprofundar que tipos de reformas políticas seriam necessárias, mas houve certo consenso sobre o fato de que é muito pouco, e explicita a fragilidade institucional do Rio de Janeiro, a definição de que um dos avanços obtidos na gestão de Sérgio Cabral é a aproximação com o governo federal.
Octavio Amorim, que estimou que a melhor notícia da política para o Rio é a relação de parceria entre o governo Sérgio Cabral, o governo municipal e o governo federal, quebrando uma tradição de consequências negativas para o estado de governos estaduais brigarem com o governo federal, também considera que essa necessidade é uma distorção do modelo político brasileiro, mas pragmaticamente é o que mais auxilia o Rio num momento em que, na sua definição, “a nau está em chamas”.
DEU EM O GLOBO
Nos últimos dias, em que a atuação do Congresso está sob o escrutínio da opinião pública, devem ter sido raras as conversas com políticos em que não tenha sido lembrada a definição do ex-presidente do PMDB e da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, ao ser confrontado certa vez com a reclamação sobre a fraqueza do Congresso da ocasião. Ele disse então só ter uma certeza: o Congresso atual é pior do que o anterior e melhor do que o próximo. O assunto mais uma vez surgiu num debate sobre o futuro do Rio de Janeiro, do qual participei na noite de segundafeira, juntamente com o cientista político da Fundação Getulio Vargas Octavio Amorim Neto e o economista do Ipea Ricardo Paes de Barros.
Um tema de interesse nacional, que se reflete na política do Rio, foi levantado: o que fazer para reformar a política partidária, que produz representações tão fragmentadas a nível nacional, mas especialmente local, que impedem a prevalência de programas de governo e estimulam o fisiologismo? Era a primeira noite de debate do OsteRio, uma iniciativa conjunta do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), da Light e da Osteria Dell’Angolo, em Ipanema, ideia inspirada em antiga tradição do Nordeste da Itália, onde a população se reunia nas osterias para tratar dos problemas locais.
O economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em políticas públicas, chamou a atenção para a perda de competitividade do Rio de Janeiro em relação a Santa Catarina na questão educacional, para exemplificar como o estado vem perdendo as características que o distinguiam no cenário nacional.
Enquanto Santa Catarina vem elevando a produtividade de seu ensino, o do Rio vem perdendo qualidade, mas de uma maneira perversa: apenas entre os mais pobres.
Os estudantes das classes mais altas continuam tendo o mesmo nível educacional de qualidade, mas os mais pobres estão ficando para trás, o que só faz aumentar o desnível social, no estado e no país.
O tema é mais do que pertinente porque, como lembrou Paes de Barros, um dos pontos mais importantes para que o Rio continue sendo a capital cultural do país é a educação.
Como é possível compatibilizar o status de “cidade global” que o Rio de Janeiro ainda ostenta, se nossa política é feita à base do fisiologismo, no pior figurino do século retrasado, o que se reflete em questões centrais, como a educação, a saúde e a segurança pública? Esse paradoxo, que nos colhe em pleno século XXI com uma visão política retrógrada, não apenas no Estado do Rio, mas no plano nacional, como estamos vendo diariamente, é que precisa ser superado para que o estado, assim como o país, possa progredir.
Segundo os dados apresentados por Amorim, o Rio tem uma das cinco assembleias estaduais mais fragmentadas do país, com dez partidos dividindo o poder.
Na Câmara de Vereadores a divisão é ainda maior, com 14 partidos representados.
A política regional no Rio tem peculiaridades, como a de alguns partidos grandes em termos nacionais serem fracos no Rio, como PT e PSDB, e, ao contrário, um partido fraco nacionalmente, como o PDT, ser força política importante no estado.
Na visão de Octavio Amorim, o governo Cabral tem características que, até o momento, o tornam o melhor dos últimos tempos: ajuste fiscal, nomeação de técnicos para lugares-chave na administração pública, melhoria do ambiente de negócios.
Mas ele advertiu que é preciso esperar para ver se o governo de Sérgio Cabral não sucumbe à política fisiológica que marca o estado, a exemplo do que fizeram Brizola em 1983, que acabou aliado ao “chaguismo”, e Moreira Franco em 1987, que começou com um secretariado considerado “de nível ministerial” e acabou recebendo no palácio de governo representantes dos bicheiros cariocas travestidos de dirigentes de escolas de samba.
Chamei a atenção para o fato de que também o passado político do governador Sérgio Cabral, ligado a políticas clientelistas, pode impedir a continuidade de um governo que pretende ser uma gestão moderna.
A fragmentação partidária mais uma vez foi lembrada pelo cientista político Octavio Amorim para explicar a politização das últimas gestões do prefeito Cesar Maia, perigo a que também estaria sujeito seu sucessor, Eduardo Paes, que até o momento faz um governo plural e de gestão moderna e suprapartidária.
Ao mesmo tempo em que a aproximação com o governo federal é uma boa prática política para o Estado do Rio, e tem gerado investimentos importantes, a política clientelista que marca a administração federal é um sinal de que também no estado, governado pelo PMDB e que tem em alguns de seus parlamentares do Rio os maiores agentes de sua ação fisiológica, essa prática pode prevalecer.
Como seria inevitável, o tema da reforma política surgiu nos debates, sendo consensual a visão de que, não havendo mudanças, será impossível evitar a degradação da representação parlamentar.
Não se chegou a aprofundar que tipos de reformas políticas seriam necessárias, mas houve certo consenso sobre o fato de que é muito pouco, e explicita a fragilidade institucional do Rio de Janeiro, a definição de que um dos avanços obtidos na gestão de Sérgio Cabral é a aproximação com o governo federal.
Octavio Amorim, que estimou que a melhor notícia da política para o Rio é a relação de parceria entre o governo Sérgio Cabral, o governo municipal e o governo federal, quebrando uma tradição de consequências negativas para o estado de governos estaduais brigarem com o governo federal, também considera que essa necessidade é uma distorção do modelo político brasileiro, mas pragmaticamente é o que mais auxilia o Rio num momento em que, na sua definição, “a nau está em chamas”.
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