Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e um dos onze magistrados supremos do STF, tem uma paciência de Jó. Esta qualidade lhe dá instrumentos para transpor, sem maiores desgastes ou perda do respeito de litigantes e interlocutores em geral, a fase de dúvidas e perplexidades que tomou o ambiente político e angustiou o eleitorado de alguns Estados do país atingidos por decisões da justiça quanto à sucessão dos eleitos após acirradas disputas eleitorais que tiveram o mandato cassado pelo tribunal. Decisões consideradas, no mínimo, injustas, que o ministro Ayres Britto justifica com explicações, citações legais e comparações didáticas ainda hoje, passado mais de mês do veredicto.
Pode não convencer, mas expõe sua profunda convicção de que ao premiar perdedores, geralmente também políticos acostumados à prática, como os cassados, dos tradicionais modelos de campanha eleitoral experimentados no Brasil, a justiça foi justa.
São numerosas as questões que se levantam sobre a atribuição do mandato ao candidato perdedor uma vez cassado o do vencedor. O melhor seria, imagina-se, com base no bom senso, equilíbrio e racionalidade, levar em conta o voto e permitir que o eleitorado, frustrado com a cassação do seu preferido, pudesse superar o desconforto participando de nova eleição.
Nos casos já julgados do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, e do governador do Maranhão, Jackson Lago, os mandatos foram cassados e empossados os candidatos perdedores José Maranhão e Roseana Sarney, respectivamente. Há ainda outros quatro casos de governadores com julgamento pendente na justiça eleitoral, e um estudo do próprio TSE, publicado esta semana pela revista "Época", informa que 119 prefeitos foram cassados por fraude eleitoral desde a posse, em primeiro de janeiro deste ano. Este número, registrado em quatro meses, supera as cassações entre 2001 e 2008, período de dois mandatos de quatro anos dos prefeitos. Com exceção de 14 casos, em que houve nova eleição, todos os demais foram substituídos pelo perdedor.
O que se constata é que a jurisprudência do TSE para esses casos - as decisões não são unânimes, há ministros que discordam da interpretação -, em que dá posse ao perdedor e não convoca nova eleição, cria insatisfação, por inúmeras razões. Uma delas, porque impõe avaliação subjetiva do crime eleitoral. Outra, revela menosprezo pelo voto. Uma terceira questão é que o TSE está tornando institucional o terceiro turno: há o primeiro, o segundo e a decisão na Justiça Eleitoral. Os contendores podem passar a campanha fazendo dossiês para depois, se perderem a eleição, reivindicar a diplomação no tribunal. Todo comício será, com certeza, um dossiê em potencial, tendo em vista que uma das principais provas do "crime" cometido pelo governador do Maranhão, Jackson Lago, por exemplo, foi uma declaração de um de seus apoiadores, o ex-governador José Reinaldo, afirmando, de viva voz - como ressaltou o presidente da corte - que o grupo da candidata adversária "teria contra si a estrutura do governo e da Assembléia". Uma clara bravata de palanque.
A legislação a que recorre o tribunal parece injusta e revolta menos pela cassação do vitorioso - fica a dúvida pela falta de prova do crime, mas sempre se sabe como são as campanhas eleitorais - do que pela premiação gratuita a seu adversário perdedor. Uma solução aparentemente mais aceitável para resolver todos esses problemas seria a convocação de nova eleição, e esta é a tese defendida pelos ministros que discordaram da interpretação da maioria..
O ministro Ayres Brito assegura que o julgamento não é, nem pode ser subjetivo. Ele cita as leis e dispositivos em que o TSE baseou suas decisões. O artigo 224 do Código eleitoral é um dos dispositivos principais e foi recebido pela Constituição, segundo ele, com força de lei complementar. Esse artigo diz que se a nulidade atingir a mais da metade dos votos, seja do país, no caso de presidente, do Estado, no caso de governadores, ou do Município, no de prefeitos, o tribunal marcará nova eleição em 24 horas. O TSE aplica este artigo interpretando que, se no segundo turno a nulidade atingir mais da metade dos votos do primeiro turno, faz-se nova eleição, mas se não atingir a mais da metade dos votos do primeiro turno, chama-se o segundo colocado. Nesta conta, o perdedor do segundo turno, tendo sido vencedor no primeiro turno, leva a melhor.
"Com a guilhotina ao primeiro colocado, com seu banimento, o segundo colocado passa a primeiro, pois teve a maioria dos votos válidos remanescentes", afirma Ayres Brito. Como o perdedor não está sendo processado, e se o for será em outro julgamento, seus votos não estarão em questão ainda que tenha participado da mesma campanha com os mesmos métodos do vitorioso cassado.
A falta de provas do crime - quantos e quais votos foram fraudados, por exemplo - não compromete o julgamento, segundo o ministro. "Isto é impossível identificar, pois o voto é secreto; você abate o cara por inteiro, decepa. O que se analisa é se houve fraude, se a fraude teve potencialidade para influenciar o resultado da eleição. Avalia-se a dimensão da fraude".
Se ela tem potencialidade para influenciar o resultado, anula-se todos os votos. Isto, segundo o ministro, não é subjetivo, embora o que prevaleça e importa seja a probabilidade.
Quanto à institucionalização do terceiro turno eleitoral que estas decisões representam, a contestação da vitória do adversário na Justiça, em um claro prolongamento da disputa para obter uma nomeação e diplomação mais rápidas do que seria a participação em nova eleição, Ayres Brito assegura que sempre foi assim só que, agora, como dois governadores foram cassados este ano, houve "um despertar maior da atenção do público".
Sem pestanejar o ministro assegura que o tribunal eleitoral está sendo justo nesses julgamentos, e não teme o terceiro turno judicial. "Se a litigiosidade aumenta nas instâncias judiciárias é porque os litigantes acreditam na justiça"
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e um dos onze magistrados supremos do STF, tem uma paciência de Jó. Esta qualidade lhe dá instrumentos para transpor, sem maiores desgastes ou perda do respeito de litigantes e interlocutores em geral, a fase de dúvidas e perplexidades que tomou o ambiente político e angustiou o eleitorado de alguns Estados do país atingidos por decisões da justiça quanto à sucessão dos eleitos após acirradas disputas eleitorais que tiveram o mandato cassado pelo tribunal. Decisões consideradas, no mínimo, injustas, que o ministro Ayres Britto justifica com explicações, citações legais e comparações didáticas ainda hoje, passado mais de mês do veredicto.
Pode não convencer, mas expõe sua profunda convicção de que ao premiar perdedores, geralmente também políticos acostumados à prática, como os cassados, dos tradicionais modelos de campanha eleitoral experimentados no Brasil, a justiça foi justa.
São numerosas as questões que se levantam sobre a atribuição do mandato ao candidato perdedor uma vez cassado o do vencedor. O melhor seria, imagina-se, com base no bom senso, equilíbrio e racionalidade, levar em conta o voto e permitir que o eleitorado, frustrado com a cassação do seu preferido, pudesse superar o desconforto participando de nova eleição.
Nos casos já julgados do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, e do governador do Maranhão, Jackson Lago, os mandatos foram cassados e empossados os candidatos perdedores José Maranhão e Roseana Sarney, respectivamente. Há ainda outros quatro casos de governadores com julgamento pendente na justiça eleitoral, e um estudo do próprio TSE, publicado esta semana pela revista "Época", informa que 119 prefeitos foram cassados por fraude eleitoral desde a posse, em primeiro de janeiro deste ano. Este número, registrado em quatro meses, supera as cassações entre 2001 e 2008, período de dois mandatos de quatro anos dos prefeitos. Com exceção de 14 casos, em que houve nova eleição, todos os demais foram substituídos pelo perdedor.
O que se constata é que a jurisprudência do TSE para esses casos - as decisões não são unânimes, há ministros que discordam da interpretação -, em que dá posse ao perdedor e não convoca nova eleição, cria insatisfação, por inúmeras razões. Uma delas, porque impõe avaliação subjetiva do crime eleitoral. Outra, revela menosprezo pelo voto. Uma terceira questão é que o TSE está tornando institucional o terceiro turno: há o primeiro, o segundo e a decisão na Justiça Eleitoral. Os contendores podem passar a campanha fazendo dossiês para depois, se perderem a eleição, reivindicar a diplomação no tribunal. Todo comício será, com certeza, um dossiê em potencial, tendo em vista que uma das principais provas do "crime" cometido pelo governador do Maranhão, Jackson Lago, por exemplo, foi uma declaração de um de seus apoiadores, o ex-governador José Reinaldo, afirmando, de viva voz - como ressaltou o presidente da corte - que o grupo da candidata adversária "teria contra si a estrutura do governo e da Assembléia". Uma clara bravata de palanque.
A legislação a que recorre o tribunal parece injusta e revolta menos pela cassação do vitorioso - fica a dúvida pela falta de prova do crime, mas sempre se sabe como são as campanhas eleitorais - do que pela premiação gratuita a seu adversário perdedor. Uma solução aparentemente mais aceitável para resolver todos esses problemas seria a convocação de nova eleição, e esta é a tese defendida pelos ministros que discordaram da interpretação da maioria..
O ministro Ayres Brito assegura que o julgamento não é, nem pode ser subjetivo. Ele cita as leis e dispositivos em que o TSE baseou suas decisões. O artigo 224 do Código eleitoral é um dos dispositivos principais e foi recebido pela Constituição, segundo ele, com força de lei complementar. Esse artigo diz que se a nulidade atingir a mais da metade dos votos, seja do país, no caso de presidente, do Estado, no caso de governadores, ou do Município, no de prefeitos, o tribunal marcará nova eleição em 24 horas. O TSE aplica este artigo interpretando que, se no segundo turno a nulidade atingir mais da metade dos votos do primeiro turno, faz-se nova eleição, mas se não atingir a mais da metade dos votos do primeiro turno, chama-se o segundo colocado. Nesta conta, o perdedor do segundo turno, tendo sido vencedor no primeiro turno, leva a melhor.
"Com a guilhotina ao primeiro colocado, com seu banimento, o segundo colocado passa a primeiro, pois teve a maioria dos votos válidos remanescentes", afirma Ayres Brito. Como o perdedor não está sendo processado, e se o for será em outro julgamento, seus votos não estarão em questão ainda que tenha participado da mesma campanha com os mesmos métodos do vitorioso cassado.
A falta de provas do crime - quantos e quais votos foram fraudados, por exemplo - não compromete o julgamento, segundo o ministro. "Isto é impossível identificar, pois o voto é secreto; você abate o cara por inteiro, decepa. O que se analisa é se houve fraude, se a fraude teve potencialidade para influenciar o resultado da eleição. Avalia-se a dimensão da fraude".
Se ela tem potencialidade para influenciar o resultado, anula-se todos os votos. Isto, segundo o ministro, não é subjetivo, embora o que prevaleça e importa seja a probabilidade.
Quanto à institucionalização do terceiro turno eleitoral que estas decisões representam, a contestação da vitória do adversário na Justiça, em um claro prolongamento da disputa para obter uma nomeação e diplomação mais rápidas do que seria a participação em nova eleição, Ayres Brito assegura que sempre foi assim só que, agora, como dois governadores foram cassados este ano, houve "um despertar maior da atenção do público".
Sem pestanejar o ministro assegura que o tribunal eleitoral está sendo justo nesses julgamentos, e não teme o terceiro turno judicial. "Se a litigiosidade aumenta nas instâncias judiciárias é porque os litigantes acreditam na justiça"
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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