quarta-feira, 6 de maio de 2009

A geração do Enem entra na luta pela Amazônia

Marcos Sá Correa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Saiu mais uma edição das pérolas do Exame Nacional do Ensino Médio. Este ano, na série de antologias do humor involuntário, traz uma seleta de bobagens sobre o meio ambiente. É tão engraçada que não parece autêntica, mas caricatura feita por profissionais do riso. E, como diria o presidente Lula, vem carregada de "transcendência incomensurável" típica das ideias que brigam com os fatos que acabaram de encontrar pela primeira vez.

Mas as gafes do Enem pelo menos provam que o problema do desmatamento finalmente deve estar rondando as salas de aula, o que nem sempre se pode dizer dos gabinetes de Brasília. Para quem encontra quase diariamente nos jornais a campanha do ministro Reinhold Stephanes contra o Código Florestal, onde ele prega que os agricultores só produzem porque não cumprem a lei, exagero de secundarista é coisa que eleva e consola.

Que mal faz um aluno escrever que "a Amazônia está sofrendo um grande, enorme e profundíssimo desmatamento devastador, intenso e imperdoável", se o presidente pode resumir a complicação da licença ambiental no caso da perereca que atrasou a construção de um viaduto? "Aí teve de contratar gente para procurar perereca, e procure perereca..." é o tipo da frase que não faria feio numa seleta do Enem.

Nele tem gente querendo que o desmatamento "seja instinto" e "fonte de inlegalidade e distruição da froresta amazonia". Dá para encontrar um lampejo de verdade na selva ortográfica. E o sermão da perereca é balela. No exame, um radical propôs "destruir os destruidores porque o destruimento salva a floresta". Pode não ter razão. Mas foi menos subversivo do que Stephanes. E não haveria melhor programa contra o desmatamento do que a ideia de explorar a floresta "sem atingir árvores sedentárias". Se a recomendação fosse cumprida à risca, as outras árvores que tratassem de fugir da motossera com suas próprias raízes.

A preservação da Amazônia também está no currículo. Tem, literalmente, "valor ilastimável". E os atentados que sofre, "percussão mundial". Está "sendo devastada por pessoas que não tem senso de humor", o que é muito provável. Por isso, "a cada hora muitas árvores são derrubadas por mãos poluídas, sem coração", o que é incontroverso. Em compensação, "várias ONGs já se estalaram na floresta". E, apesar da denúncia contra perereca inimiga do PAC, a meninada tentou defender a fauna.

Pois a Amazônia "tem muitos animais: passarinhos, leões, ursos". E "está cheia de animais já extintos". O que tornaria tudo simples como a fábula da perereca: "Tem que parar de desmatar para que os animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número respirando um ar mais limpo." Senão, "o que vamos deixar para nossos antecedentes?" É uma pergunta e uma resposta.

* É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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