A oposição deve à ânsia da senadora Ideli Salvatti em mostrar serviço ao governo o salvamento do depoimento da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que, até o momento da intervenção da líder do governo no Senado, caminhava para ser um tremendo fiasco do ponto de vista da estratégia oposicionista. A ex-secretária, embora tivesse desde o primeiro momento confirmado que tivera um encontro reservado e a sós com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e dado detalhes de seu trajeto pelos corredores do 4º andar do Palácio do Planalto até chegar à antessala da ministra, onde mais duas pessoas aguardavam para serem recebidas, não conseguiu se lembrar da data do encontro, nem tinha qualquer outra evidência de que ele realmente acontecera.
Mais que isso, minimizara a intenção da ministra Dilma Rousseff ao pedir para “agilizar” o processo sobre o filho do senador Sarney, recusandose a ir mais adiante nas especulações.
Disse até que não se sentira “pressionada”, embora tenha considerado o pedido “incabível”.
Tudo parecia resolvido para o governo, tanto que o líder Romero Jucá se deu por satisfeito e ameaçou retirar-se do plenário da Comissão de Constituição e Justiça, quando entrou em cena a vibrante líder governista.
Com uma agressividade que o momento já não pedia, Ideli Salvatti — talvez para compensar sua indecisão em apoiar o senador José Sarney no Conselho de Ética, assim como o senador Aloizio Mercadante, que também foi estranhamente agressivo — partiu para um ataque feroz, relendo a entrevista que Lina Vieira dera à “Folha de S. Paulo”, na qual ela se deixou levar por especulações, afirmando que entendera a interferência da ministra Dilma como um pedido para que encerrasse o processo contra o filho de Sarney, acrescentando que o motivo deveria ser que o governo não queria confusão com o Sarney (que àquela altura era candidato à presidência do Senado).
Conclusão da sábia Ideli Salvatti: “Ou a senhora mentiu hoje, ou mentiu para o jornal”.
Pressentindo o desastre, o senador Renan Calheiros tentou interferir para acalmar a petista, que estava reacendendo uma fogueira que quase se apagara por falta de informações adicionais e a extrema cautela com que Lina Vieira tentava andar sobre aquela areia movediça.
Chegou a ser engraçado ver Calheiros enviando sinais de paz para a senadora Ideli Salvatti, que absolutamente não entendia que estava colocando tudo a perder para a base governista.
Ao ser chamada de mentirosa, a ex-secretária da Receita se encheu de brios e, pela primeira vez em seu depoimento, foi além do que a cautela inicial lhe permitia, reafirmando tudo o que dissera à “Folha”: “Não estou mentindo não, reafirmo que a ministra quis parar com a investigação, foi o que eu disse aqui desde o início”.
Não exatamente com essas palavras, que só teve coragem de pronunciar quando provocada pela intrépida líder petista, que jogou novamente a bola para os oposicionistas.
O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, conseguiu ser o mais explícito dos arguidores da oposição, deixando claro que a única razão para a ministra da Casa Civil pedir à chefe da Receita Federal para “agilizar” o processo do filho de Sarney seria para favorecê-lo, pois não tinha cabimento uma ministra, que nada tinha com a área, subordinada à Fazenda, se imiscuir num assunto desses.
Nesse caso, ficou claro que o pedido da Justiça para que o processo fosse “agilizado e aprofundado” tinha o objetivo oposto do da ministra, que queria mesmo é que o processo fosse encerrado.
A ex-secretária da Receita Federal pecou quando disse que se espantava com o desmentido da ministra Dilma Rousseff, pois não via nada de mais no pedido.
Ora, não é possível que uma servidora pública com mais de 30 anos de serviço não reconheça quando está diante de uma pressão ilegítima.
Toda a situação criada, com encontro sigiloso fora da agenda com a ministra mais poderosa do governo e potencial candidata à Presidência da República, não poderia ter acontecido por nada. E a ministra Dilma Rousseff desmente porque não pode admitir nenhuma conversa com a chefe da Receita sobre esse assunto.
O mais espantoso é como os senadores da oposição não se prepararam para a sessão, possivelmente porque consideravam que o depoimento de Lina Vieira seria devastador para o governo por si só.
Não apareceu um senador para perguntar a Lina Vieira se ela achava normal uma interferência desse tipo, ou para estranhar que ela não tenha se sentido pressionada pelo pedido da ministra.
O que é estranhável no depoimento de Lina Vieira — que considero verdadeiro — é que uma funcionária pública com a experiência dela, diante de uma conversa dessas, nem faz o que a ministra toda-poderosa sugeriu, nem comunica o fato inusitado a seu superior. Continua impávida, como se nada tivesse acontecido.
A única explicação razoável, mas a oposição não conseguiu extrair isso dela, é que considerava inútil se queixar ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, pois sabe perfeitamente quem manda no governo.
O fato de não se recordar do dia exato da reunião é perfeitamente natural, mas seria mais lógico que tivesse anotado em sua agenda particular, que anda perdida na mudança.
Talvez um dia apareça.
Mas o governo teria todas as condições de desmascarála, bastando que analisasse os filmes com as entradas e saídas da garagem do Palácio do Planalto nos meses do fim do ano ou, mais simples ainda, que verificasse nas fichas que Lina Vieira disse que estavam em uma mesinha na entrada da garagem, onde um funcionário checava se a pessoa podia entrar.
Ficar na posição de que quem tem que provar é a acusadora é não querer, ou não ter condições, de se livrar dessa suspeita.
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