A sequência dos fatos por si só evidencia o problema.
Na sexta-feira, 29 de abril, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, divulgou nota para negar a existência de retaliações a adversários na seção paulista do partido e bateu forte no PSD de Gilberto Kassab: “A ética discutível está na formação de partidos que reúnem adesismo, conveniências em torno de projetos pessoais e mudanças de lado”.
No domingo, 1.º de maio, o senador Aécio Neves criticou os críticos de Kassab durante as comemorações do Dia do Tra¬¬balho patrocinado pelas centrais sindicais e na segunda-feira, 2, era esperado em um jantar em Uberaba (MG) para próceres do PSD, entre os quais Jorge Bornhausen.
No dia seguinte, terça-feira, 3, o ex-senador e ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati apareceu nos jornais sendo ainda mais explícito que Sérgio Guerra. Chamou o PSD de “balcão de negócios”.
Na véspera, ao fim de uma palestra sobre reforma política, em São Paulo, o ex-governador José Serra, anunciou que continuará calado, pois não tem nada a dizer sobre uma crise que considera inexistente no PSDB.
Isso poucos dias, sete é a conta exata, depois de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter feito um apelo público em prol da unidade e do fim da crise no partido.
Crise esta que, na visão do governador Geraldo Alckmin, não passa de um “lusco-fusco” com excelente potencial de fator de “fortalecimento” do PSDB. Logo ele, que enfrenta defecções na sua base e divide o governo com um vice agora hostil, Guilherme Afif Domingos, um dos artífices do “balcão de negócios”.
Uma versão otimista, e falsa, daria a esse mosaico incongruente de posições o nome de democracia interna, convivência pacífica de divergências ou qualquer coisa parecida.
Uma tradução metafórica enxergaria nisso um conjunto sem maestro nem partitura tocando com instrumentos desafinados.
Qualquer pessoa com algum senso de observação, capacidade auditiva razoável e zero compromisso com a manutenção das aparências, percebe que o PSDB está conflagrado e prisioneiro das próprias contradições.
Na impossibilidade de produzir um entendimento produtivo, as lideranças resolveram negar a crise. Nenhuma delas se arrisca a uma análise franca da situação, porque são tantas e tão profundas as escaramuças, que abrir o jogo para tentar arrumar a casa pode significar a deflagração de uma guerra interna por hegemonia, que ninguém ali tem coragem de bancar.
Uma espécie de tentativa de que as circunstâncias e o tempo se encarreguem da omelete sem que em momento algum se quebrem os necessários ovos.
E assim segue o partido refém do autoengano, acreditando na ilusória realidade que construiu para si de que não é necessário correr riscos, ultrapassar obstáculos nem imprimir esforços, pois a sorte lhe será madrinha e sozinha vai se encarregar dos fatos.
Autoritariamente
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem uma visão peculiar do que seja democracia. Convidado a falar sobre a ingerência do governo na demissão de Roger Agnelli da Vale, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o ministro considerou que o então presidente Lula agiu “democraticamente” ao trabalhar pela saída do executivo.
Mantega justificou que Agnelli desagradou à Presidência ao demitir 1.200 funcionários e tocar a política de investimentos que achava a mais correta para a empresa.
“O presidente poderia ter retaliado a Vale, mas preferiu reclamar publicamente. Não vejo situação mais democrática do que essa”, disse.
Além de revelar que o governo considera a retaliação uma possibilidade real, o ministro da Fazenda confirma a interferência por motivo torpe e admite o ato de vingança pessoal contra um presidente de empresa privada que ousou desagradar ao governo. Menos democrático impossível.
E por isso mesmo preocupante, já que pelas declarações do ministro fica posto que as empresas cujas diretrizes operacionais desagradarem ao governo podem ser objetos de ações intervencionistas.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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