quarta-feira, 4 de maio de 2011

O fator humano Merval Pereira

O seminário promovido pela Unesco para comemorar o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa teve uma intensa programação baseada nas novas mídias, mas, ao final de vários debates, inclusive o do qual fui mediador, ficou a sensação de que é impossível abrir-se mão da mídia tradicional como uma fonte fundamental para a divulgação de informações, assim como da capacidade de seus profissionais para apurar e checar notícias, dentro de padrões técnicos e éticos largamente testados pelos anos, o que dá credibilidade às notícias divulgadas.

O painel do qual participei tratava da integração das diversas mídias para fazer com que as empresas de mídia tradicional continuem sendo atores centrais na produção de informações nesse novo mundo tecnológico.

Por isso destaquei uma informação publicada recentemente pelo jornalista Tom Rosestiel, um dos teóricos mais importantes do jornalismo, no "Washington Post", segundo a qual, entre os 20 blogs mais acessados dos Estados Unidos, nada menos que 18 fazem parte da mídia tradicional ou estão ligados a ela de alguma maneira.

Mas, como ressaltou Katherine Zaleski, produtora executiva para novos produtos digitais do mesmo "Washington Post", que está comandando o processo de integração na nova redação do jornal, a capacidade de apuração proporcionada pelas novas mídias, colocando o relato de diversos novos atores à disposição do público, não permite mais que os jornais se portem como na guerra do Iraque, quando assumiram como verdadeiras as versões oficiais, e só anos depois refizeram seus relatos revelando que não havia armas de destruição em massa em poder do ditador Saddam Hussein e as manipulações que o governo Bush usou para justificar a invasão daquele país. Por isso o noticiário sobre a morte de Bin Laden está sendo tão detalhado e tão crítico.

Em outro painel, em que ativistas de diversos grupos da mídia digital mostravam suas atuações através da divulgação de filmes no YouTube ou informações contra governos autoritários através de internet, Twitter ou de meios de relacionamento social como o Facebook, um jornalista africano chamou atenção para o fato de que, por melhores que sejam suas motivações, os ativistas não estavam fazendo jornalismo.

Gregory Shvedov, editor do blog "Caucasian Knot", da Rússia, admitiu que seu trabalho fosse político, mas defendeu a existência de um jornalismo ativista.

Outros participantes admitiram que, com o correr dos anos, estão mais empenhados em checar as informações antes de divulgá-las, mesmo porque vários governo autoritários forjavam denúncias falsas para depois acusar os ativistas.

Larri Kilman, diretor da Associação Mundial de Jornais (WAN/IFRA) mostrou com números que a questão dos jornais não é de falta de audiência, mas de modelo de negócios que está se deteriorando.

Segundo ele, os jornais ainda atingem 37% da população adulta do mundo, cerca de 1,7 bilhão de pessoas diariamente, comparado com apenas 25% da população mundial que tem acesso à internet.

Combinados os jornais impressos com suas versões on-line, nunca os jornais tiveram tanta audiência quanto hoje.

Ele ressaltou, porém, que é caro manter um time de repórteres nos jornais, e a democracia será afetada sem eles.

A questão é que os jornais estão perdendo para as mídias digitais verba de publicidade, que em certos países já ultrapassa a dos impressos.

Os jornais estão tentando buscar alternativas a essa perda, e muitos já estariam conseguindo novos caminhos. Por isso, também alguns, como o "The New York Times", começaram a cobrar pelo acesso a suas edições digitais.

Mas quem melhor se colocou na discussão entre as novas mídias e a tradicional foi o jornalista Bob Woodward, famoso pela reportagem no "Washington Post", junto com Carl Bernstein, que derrubou o presidente Nixon no que ficou conhecido como o escândalo de Watergate.

Ele começou sua palestra discordando do resumo feito para a apresentação do seminário, que dizia: "os novos instrumentos da mídia digital mudaram fundamentalmente a natureza da reportagem e o sentido da transparência".

Woodward declarou-se em discordância "firme" com essa afirmação. Para ele, os novos meios apenas suplementaram de maneira significativa a maneira de fazer jornalismo.

Ele também discordou da afirmação de que os cidadãos agora têm acesso instantâneo às fontes que os repórteres usaram nas suas reportagens.

Para Woodward, que disse que adora a internet, há de fato mais dados para a apuração, mas nada mudou fundamentalmente na maneira como um bom jornalista trabalha.

Ele se referiu às notícias baseadas no Wikileaks que o "The New York Times" publicou, dizendo que o fazia porque "os telegramas contam a história crua de como os governos tomam suas decisões que custam ao país pesadamente em vidas e dinheiro".

Embora admita que publicar telegramas do Wikileaks acrescente informação para o leitor, Woodward diz que a versão dos embaixadores dificilmente chega à Casa Branca, que tem seus próprios meios de investigar e produzir relatórios.

Na definição de Bob Woodward, não vivemos uma revolução no jornalismo, que ainda depende das revelações de fontes humanas, que viveram os acontecimentos diretamente e relatam suas histórias aos bons jornalistas.

Mas é preciso também saber pesar as informações e descontar as fraquezas humanas na hora dos relatos, adverte.

Ele contou uma história definitiva sobre a tendência de as pessoas refazerem suas versões de maneira a ficarem em situação melhor.

Disse Woodward que ele e sua mulher estavam certa vez em um seminário sobre envelhecimento (ele tem 78 anos e diz que se interessa muito pelo assunto) e deram para os assistentes questionários sobre hábitos de vida.

Na contagem final de pontos, a pessoa saberia quantos anos de vida teria. Na sua frente estava Henry Kissinger, que ficou curioso sobre o seu resultado.

Constatou então que Kissinger refez o questionário, alterando respostas, até que o resultado desse a ele mais anos de vida que o primeiro, segundo o qual já teria morrido devido a seus hábitos sedentários e ingestão de carne vermelha.

"As pessoas vivem refazendo suas versões sobre os fatos", advertiu Bob Woodward.

FONTE: O GLOBO

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