quarta-feira, 4 de maio de 2011

Indexar o mínimo gera perda, não ganho :: José Milton Dallari

Nos últimos 16 anos, graças ao Plano Real, o brasileiro conviveu com uma economia estável. Aprendeu a fazer planos de longo prazo, como programar a compra da casa própria ou a viagem de férias. Também deixou de encher o carrinho no supermercado, todos os dias, para escapar do aumento desenfreado dos preços, que corroía os salários. Mas a luta pelo controle não acabou.

Economistas de bancos e institutos que se debruçam em números para estudar a evolução dos preços preveem que, este ano, a meta de inflação de 4,5% estabelecida pelo governo será superada. Já se fala em 6% ou 6,5%. O próprio Banco Central, em seu último relatório trimestral, já admitiu que o centro da meta de inflação só deve ser alcançado em 2012. O que está acontecendo? A resposta é simples: o Brasil voltou a ser ameaçado pelo fantasma da indexação dos preços.

O mecanismo de correção automática dos preços pela inflação passada continua presente em vários setores da economia, formal ou informalmente. O valor dos aluguéis é reajustado oficialmente pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Como sofre influência de preços do atacado (IPA), o IGP-M repassa impactos de altas de preços de diversas matérias-primas para todo o sistema. Tarifas de energia, telefone e água são reajustadas por contratos a cada 12 meses, também pelo IGP-M. E a família que tem filhos na escola particular sabe que todo fim de ano a mensalidade aumenta. E a gasolina pode aumentar com os preços do barril do petróleo nas alturas no mercado internacional. Sem falar nos preços de outras commodities, que oscilam no mercado externo sem que se possa evitar.

Um cálculo do Conselho Regional de Economia mostra que a indexação atualmente é responsável por 15% da inflação dos últimos meses. O horizonte próximo preocupa ainda mais. Em fevereiro passado, o governo publicou no Diário Oficial da União a Lei n.º 12.382/2011, que estabelece a política de reajuste do salário mínimo entre 2012 e 2015. De acordo com essa lei, o salário mínimo terá reajuste pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e acumulado nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste. Também será aplicado um reajuste equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB).

Para o aumento do mínimo de 2012 será utilizado o crescimento do PIB no ano de 2010. Por esse mecanismo, considerando a inflação projetada para 2011 de 6% e um crescimento do PIB em 2010 de 7,5%, o aumento do salário mínimo será de 14% em 1.º de janeiro de 2012.

Na prática, o governo indexou o salário mínimo por decreto. E, com isso, ameaça disparar o gatilho dos preços em diversos setores da economia. Basta lembrar que, País afora, folhas de pagamento e preços oscilam com base justamente no salário mínimo.

Ao criar a lei, o governo não levou em conta que o aumento real dos salários deve ser obtido com ganhos de produtividade. E corre o risco de transformar em perda para toda a sociedade aquilo que, à primeira vista, pode parecer um ganho. Quanto mais se avança na indexação, mais difícil fica desarmar a armadilha do aumento dos preços.

No Plano Real, foi preciso sentar à mesa com representantes de cada uma das cadeias produtivas para negociar a estabilidade. Naquela época, o trunfo era alcançar a estabilidade. E agora? O governo ficou devendo a sua parte, que é a reforma fiscal e o controle dos próprios gastos. O Estado segue ineficiente e custoso. Portanto, não é hora de brincar com o controle da inflação.

Ex-secretário de acompanhamento econômico do ministério da Fazenda, integrante da equipe que implantou o Plano Real

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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