Não faz muito tempo, o Brasil recebeu a visita do primeiro-ministro da Suécia, Fredrik Reinfeldt, líder do Partido Moderado, direita em seu país, o qual tem no governo se caracterizado, de fato como o nome indica, pela moderação tanto em suas ações, quanto em sua retórica. Em entrevista ao Valor, Reinfeldt, descreveu os pontos básicos sob os quais se assenta a estratégia política de sua gestão: aceitar a tradição igualitária que moldou a evolução do capitalismo escandinavo, procurando estimular a competitividade de setores selecionados da economia através de políticas de inovação e desoneração fiscal. Os efeitos da adoção de tal estratégia são significativos e tangíveis. Mesmo em tempos de globalização, a carga tributária é relativamente alta, assim como a despesa em itens como educação, saúde, previdência, habitação, além de investimentos na infra-estrutura física necessária para o dinamismo e sustentabilidade das indústrias de bens e serviços.
Bastante diferente é a postura da oposição de direita ao governo de Barack Obama nos Estados Unidos. Antes de Obama, quando no governo, dominando a Casa Branca, assim como as duas Casas legislativas, os republicanos promoveram o mais amplo e radical programa de redução da carga tributária jamais vista na história do capitalismo. O objetivo confesso sempre foi o de desmontar o tímido, para padrões do norte europeu, welfare state norte-americano. Ronald Reagan já anunciava o inconformismo dos conservadores com o que chamavam de excessos de gastos sociais e participação do Estado nas decisões econômicas das famílias e indivíduos. Contudo, em sua presidência, os democratas sempre mantiveram a maioria na Casa dos Representantes e durante quase todo o tempo também no Senado, obstaculizando assim o projeto minimalista dos radicais à direita.
O atual impasse entre republicanos e democratas quanto à elevação do teto de endividamento do governo pode ser visto então como resultado de anos de confrontação política e, principalmente, da postura da direita americana de a qualquer custo solapar as bases de sustentação do gasto público na área social. Obama pede hoje mais impostos, sem os quais é impossível manter alguma chance de reequilibrar as finanças do governo. A oposição pede aquilo que vem pedindo desde os anos oitenta - zerar o gasto do Estado com os pobres. E agora, Obama? O que fazer? Aumentar impostos? Os republicanos, maioria na Câmara, dificilmente concordarão. Cortar gastos e dramatizar a situação de pobreza e desigualdade cuja tendência tem sido apenas a de se agravar a cada ano? A resposta será politicamente intolerável para os democratas.
O problema da direita política no Brasil é a de saber qual paradigma de oposição pretende-se adotar face ao papel assumido pelo estado no atual estágio de desenvolvimento capitalista em nosso país. Ao contrário do diagnóstico que muitos intelectuais, políticos e jornalistas especializados fizeram no calor da hora dos anos de ouro do neo-liberalismo, mais exatamente nas décadas de 80 e 90 do século passado, a presença do setor público foi ampliada em alguns casos e sua ausência muito sentida nas ocasiões nas quais os riscos da competição tornavam-se maiores. Isto é, a clientela eleitoral do welfare state e em favor de políticas protecionistas nunca deixou de existir.
Proteger as pessoas, garantindo amparo aos que sofrem com o dinamismo de economias muito expostas ao mercado externo foi o modelo seguido por vários países na virada do século 20 para o 21. Talvez o voto facultativo combinado ao sistema eleitoral para as eleições legislativas baseadas em maiorias simples em distritos uninominais, instituições altamente excludentes em seus efeitos, seja uma boa explicação, mas o fato é que a fórmula de enfrentamento dos americanos aos desafios da globalização, em especial da direita americana, foi radicalmente diferente: aprofundar ainda mais a flexibilidade das instituições que organizam o mercado de trabalho com o consequente aumento na capacidade das firmas de se ajustarem a condições econômicas em constante mutação.
Os últimos governos no Brasil têm se caracterizado, isto é inegável, pelo combate aos seculares problemas da pobreza e da desigualdade. A estratégia, desde sempre, é a mesma e uma só: organizar as instituições do setor público para o atendimento eficiente das populações marginalizadas, tendo em vista inseri-las na vida produtiva com mínimas condições de sucesso. Programas como Bolsa Família, a priorização do ensino técnico, assim como o recente projeto de erradicação da miséria, caminham na mesma direção, a saber, investimento público em capital humano, reduzindo a exposição dos indivíduos às vicissitudes da economia capitalista.
O problema do potencial eleitor da direita no Brasil, por conseguinte, não é saber se os políticos com tal inclinação sairão ou não do armário. O problema é saber qual a estratégia política que um eventual governo controlado pela atual oposição conservadora seguirá: fará como a direita tem feito na Suécia, aprofundando os elementos do novo pacto político no Brasil, que tem na pobreza um inimigo a ser combatido com todas as forças? Ou adotará uma estratégia de confrontação e desmonte das ainda frágeis instituições do welfare state brasileiro?
Fabiano Santos é cientista político, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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