quarta-feira, 20 de julho de 2011

Difícil equilíbrio:: Merval Pereira



A presidente Dilma está tendo sucesso aparente na limpeza ética que decidiu empreender no Ministério dos Transportes, mesmo que tenha optado circunstancialmente pela manutenção do Partido da República no comando de seu feudo político. Com os seis funcionários demitidos ontem, já são 13 as demissões, a começar pelo próprio ministro Alfredo Nascimento, o que indica que, até o momento, a presidente tem conseguido emparedar o PR para enquadrá-lo dentro de seus critérios funcionais.
Se realmente atingir o objetivo de implantar no Ministério dos Transportes uma gestão eficiente e ética, sem retirar o PR do comando, terá acontecido um milagre que pode redimir o conceito de "presidencialismo de coalizão", tão desmoralizado no atual momento a ponto de se transformar em um empecilho à democracia brasileira.
Infelizmente, não acredito que seja possível essa redenção de um partido que tem em seu DNA a prática política sem parâmetros éticos, e acredito mesmo que, por maior que seja a faxina, ela não corresponderá a uma mudança de atitudes do PR, pois para isso o partido teria que se transformar em um agente de políticas públicas que beneficiem o cidadão, em vez de ser o que é hoje, um agente político que beneficia grupos encastelados no poder central, sem nenhum tipo de preocupação com políticas realmente públicas.
Até o nome do partido - Partido da República - foi escolhido a dedo, para, sob a proteção de uma denominação que indica a preocupação com a proteção de valores da cidadania, poder atuar cinicamente em benefício de seus apaniguados.
É possível que as demissões arrefeçam momentaneamente o apetite predatório dos dirigentes do PR, mas nada indica que eles se contentem da noite para o dia com um papel "republicano" de atuação.
E nem que outros escândalos não surgirão, dentro do Ministério dos Transportes ou em outros ministérios administrados pela mesma cobiça dos que formam a coalizão governista, sem outra liga que não seja o interesse nas benesses que possam usufruir estando no poder central.
Mas não resta dúvida de que a presidente Dilma, com a demonstração de que está empenhada em encarar a questão da corrupção em áreas de seu governo, vem ganhando a simpatia de setores que não são atrelados ao lulismo, o que poderá ampliar sua área de aprovação se conseguir, ao mesmo tempo, manter o apoio da ampla base partidária que lhe dá sustentação no Congresso.
E aí é que está o problema da presidente Dilma: essa equação não fecha. Como é possível combater a corrupção dentro de sua base de apoio sem perder esse mesmo apoio?
Como manter o PT como seu partido de sustentação se também o partido se considera maltratado pela presidente e teve indicações suas demitidas no mesmo bolo anticorrupção que está atingindo especialmente o PR?
Nunca é bom esquecer que a relação da presidente Dilma com o PT não é a de uma filiada histórica, mas a de uma novata que teve o destino alterado por um bafejo da sorte, e que não exerce nenhum tipo de liderança partidária.
Ao contrário, os líderes petistas consideram que este governo é deles mais que o de Lula, pois o partido é maior do que Dilma, e menor do que seu grande líder.
Como manter uma postura diametralmente oposta à de Lula se ele continua sendo o grande líder político do grupo que está no poder, e a própria presidente Dilma não se constrange em pedir-lhe conselhos, ou não se incomoda de vê-lo atuar como se fosse a verdadeira fonte originária do poder que ela exerceria por delegação?
Há quem considere que está sendo montado um grande quebra-cabeça eleitoral, onde Lula garantiria os votos dos beneficiários dos programas assistencialistas e dos movimentos sociais, enquanto Dilma posaria de uma presidente mais ligada em questões morais que falam de perto a uma classe média que já é a maioria no eleitorado brasileiro, com seus valores éticos sendo afrontados pela corrupção que se alastra pelo governo.
A mudança de tom, especialmente no início do governo, em relação aos direitos humanos nas relações com outros países, teve a intenção de marcar uma nova posição, mais próxima do sentimento médio brasileiro.
Mesmo que essa posição não tenha progredido muito depois da rejeição ao apedrejamento de mulheres pelo Irã, ficou uma marca que pode ser retomada a qualquer momento.
Da mesma forma que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recomendou ao PSDB e à oposição em geral que procurassem se aproximar da classe média e dos que se utilizam dos novos meios tecnológicos para interagir nas redes sociais, também os governistas teriam chegado à conclusão de que teriam que enviar sinais para esse mesmo grupo, que na última eleição engrossou a votação oposicionista.
O Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, agora dirigido pelo ex-senador Tasso Jereissati, está planejando seminários em diversos pontos do país para renovar o ideário do partido e aproximá-lo do eleitorado de tendência oposicionista, especialmente a classe média emergente.
Também o governo, através do ministério de assuntos estratégicos, está em busca desse mesmo público e já anuncia seminários para identificar quais as ações necessárias para garantir ao governo o apoio desse segmento da sociedade que parece, mais do que nunca, decisivo eleitoralmente.
Mais uma vez, seja um movimento combinado ou espontâneo, vai ser difícil à presidente manter-se equilibrada entre essas duas vertentes da política.
Vai chegar um momento em que ela terá que optar.
FONTE: O GLOBO

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